Acórdão nº 252/05 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução10 de Maio de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 252/2005 Processo n.º 560/01 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A., interpôs, junto do Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso contra o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 12-08-1997, que havia indeferido um recurso hierárquico deduzido contra as correcções efectuadas pela Administração fiscal relativamente à matéria tributável de IRC declarada no ano de 1992.

O Tribunal Central Administrativo, por Acórdão de fls. 192 e seguintes, negou provimento ao recurso por não se verificar qualquer vício dos que haviam sido, em alegações, imputados ao acto recorrido.

De tal decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo a recorrente feito constar nas conclusões do alegado, entre outros, os seguintes argumentos:

“(...)

  1. O douto acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º da LPTA, porquanto considera que as correcções efectuadas pelo acto foram feitas de acordo com a lei (art. 57.º do CIRC) sem ter dado como provados os factos que suportam a referida decisão;

  2. O art.º 57.º, n.º 1, do CIRC permite à Administração Fiscal efectuar correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações;

  3. Em direito fiscal, por força do princípio da legalidade previsto no art. 106.º, n.º 2, da Constituição da República e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser predeterminadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado;

  4. A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a utilização de conceitos vagos e indeterminados, cuja aplicação ao caso concreto assenta em valoração subjectiva ou pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica;

  5. Não estando definidos na lei ordinária fiscal os conceitos de relações especiais e dos critérios que permitam determinar as condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, a grande amplitude e indeterminação do conteúdo desses conceitos permitem ao órgão de aplicação recorrer à arbitrariedade para fixar as correcções ao lucro tributável apurado com base na contabilidade, sacrificando-se assim a segurança jurídica, que se traduz na susceptibilidade de previsão objectiva, pelos particulares, das suas situações jurídicas futuras;

  6. A norma do n.º 1 do art.º 57º do CIRC estando formulada em termos vagos e imprecisos, com recurso a conceitos indeterminados é uma norma materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da tipicidade e legalidade consagrado no citado art.º 106º, n.º 2, da CRP;

  7. O reconhecimento expresso no texto do acórdão recorrido de que a lei não esclarece o que deve entender-se por “relações especiais” confirmam o carácter indeterminado do conteúdo da norma e a necessidade de valorações subjectivas para fixação dos conceitos nela integrados;

  8. A norma contida no art.º 57º, n.º 1, do CIRC foi assim aplicada, mas é desconforme à Constituição, com o Princípio da Legalidade, vertido no seu n.º 2, do art.º 106º e como tal deverá ser declarada tal inconstitucionalidade;

(…)”.

O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 6 de Junho de 2001, negou provimento ao recurso. Aí foram analisadas as questões suscitadas pela recorrente nos seguintes termos:

“(…) Sustenta a recorrente que o art. 57.º, n.º 2, do CIRC é inconstitucional, por violação do ex-art. 106.º, n.º 2, da CRP, pois não define os conceitos de relações especiais e dos critérios que permitam determinar as condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, tendo em conta a grande amplitude destes conceitos e a sua indeterminação, os quais permitem ao Fisco recorrer à arbitrariedade para fixar as correcções do lucro tributável apurado com base na contabilidade, sacrificando-se assim a segurança jurídica, que se traduz na susceptibilidade de previsão objectiva pelos particulares, das suas situações futuras. A recorrente não concorda com esses termos vagos e imprecisos nem com o recurso a conceitos indeterminados por parte do legislador fiscal, pelo que entende ter sido ofendido o princípio da tipicidade (…).

Resulta desta norma [artigo 57.º, n.º 1, do CIRC] que relações especiais são as que se tenham estabelecido em condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes. Logo, o conceito de relações especiais está definido em função do conceito de pessoas independentes. Este conceito de relações especiais volta a estar definido da mesma forma pelo art. 80.º, al. b), do Código de Processo Tributário.

Como ensinou o Prof. Casalta Nabais, o princípio constitucional da legalidade não impede em absoluto que a norma, mormente por razões de praticabilidade em que sobressai a luta eficaz contra a fraude e a evasão fiscais, utilize nesse domínio conceitos indeterminados ou se socorra mesmo da atribuição de discricionariedade à administração fiscal. Diz esse fiscalista que o art. 57.º do CIRC, sobre relações especiais, é um dos casos em que a lei concede uma verdadeira faculdade discricionária à administração fiscal (…).

Logo, não estamos em face de um verdadeiro conceito indeterminado, pois ele tem alguma determinação: relações especiais são aquelas que não têm lugar entre pessoas independentes. Mas o Fisco é que vê, caso por caso, quando é que há verdadeiras relações especiais, sem prejuízo de os tribunais tributários poderem controlar os casos de erro manifesto do Fisco.

Ora, tendo em conta os factos dados como provados não parece ter havido erro manifesto por parte do Fisco. Desde logo, tenha-se em conta que um terreno foi vendido em 1992 pelo preço por que fora comprado em 1973, o que contraria todas as regras da experiência da vida.

Deste modo, o art. 57.º, n.º 1, do CIRC não é inconstitucional.

Sustenta a recorrente que o referido preceito não diz o que se deve entender por relações especiais. Mas se a recorrente reparar bem, esse preceito diz que relações especiais são aquelas que são diferentes das que seriam normalmente estabelecidas entre pessoas independentes (…)”.

2 – Inconformado com tal decisão, a recorrente veio, ao abrigo da al. b) do art. 70.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal Constitucional, interpor recurso para este tribunal e, pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do art. 57.º, n.os 1 e 2 do Código do IRC, aprovado pelo DL 442-B/88, de 30 de Novembro”, formulou as seguintes conclusões:

“1. Estabelece o texto constitucional, no art. 103.º, n.º 2 (ex art. 106.º, n.º 2), a obrigatoriedade de os impostos serem criados por lei e de esta determinar “a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

2. Por força do Princípio da Legalidade Tributária as normas de incidência têm de ser predeterminadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.

3. A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a utilização de conceitos indeterminados, bem como os conceitos determinados normativos, cuja aplicação ao caso concreto assenta em valoração subjectiva ou pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica.

4. Segundo Nuno Sá Gomes, in Manual de Direito Fiscal, Vol. II, 2000, pág. 39, “… Por sua vez, diz-se que estamos perante reserva absoluta da lei quando se estabelece, como entre nós, que a lei formal deve conter não só o fundamento da conduta da administração, mas também os critérios de decisões dos casos concretos, não dando margem a qualquer discricionariedade ou disponibilidade de tipo tributário pela administração fiscal”.

5. No caso concreto, as correcções efectuadas resultam da aplicação do art. 57.º, n.º 1, do CIRC e do entendimento por parte do agente da administração fiscal da existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa por efeito daquele preceito legal.

6. Ora, “as relações especiais” e “as relações que estabeleçam condições diferentes das que são acordadas entre pessoas diferentes” são conceitos vagos, indeterminados que conferem à administração fiscal poderes discricionários para a correcção da matéria colectável.

7. Porém, não se trata de discricionariedade técnica, pois a lei não faz apelo, para a sua aplicação a conhecimentos científicos não jurídicos ou artísticos ou profissionais, mas sim à apreciação das relações estabelecidas, se o lucro apresentado é diferente do normal e como se quantifica o montante efectivo que serviu de base à correcção.

8. É a lei ordinária – art. 103.º, n.ºs 2 e 3, e art. 268.º da CRP – que tem de estabelecer os parâmetros em que essa actividade é regulada sob pena de inconstitucionalidade.

9. E esses critérios não existem nem se encontram estabelecidos pela lei, pelo que a grande amplitude e indeterminação do conteúdo daqueles conceitos permitem ao órgão de aplicação incluir na norma todo e qualquer ganho, sacrificando-se assim a segurança jurídica!!!

10. Assim, a norma do art. 57.º, n.º 1, do CIRC, estando formulada em termos vagos e imprecisos, com recurso a puros conceitos normativos, sem qualquer concretização e determinação, é uma norma materialmente inconstitucional por ofensa do princípio da legalidade e tipicidade fiscais.

11. Segundo Nuno Sá Gomes, ob. Cit., pág. 193…o citado art. 57.º não esclarece o que se deve entender por relações especiais aflorando apenas o critério da dependência, parecendo...

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