Acórdão nº 270/05 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução24 de Maio de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 270/05 Processo n.º 172/05 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. A. (ora recorrido), patrocinado pelo Ministério Público, intentou no Tribunal do Trabalho de Beja acção emergente de acidente de trabalho com processo especial contra B. (ora recorrente), peticionando o direito à reparação por acidente de trabalho que sofreu quando prestava a sua actividade profissional ao serviço do réu.

  2. Por decisão do Tribunal do Trabalho de Beja, de 16 de Outubro de 2003, foi dado como assente que o acidente se deu quando o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do réu auferindo o salário global anual de € 15612, 44, facto este provado por aplicação do disposto no artigo 108º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, por o réu ter faltado por duas vezes, injustificadamente, à tentativa de conciliação para o qual havia sido regularmente notificado. Em consequência, foi a acção julgada procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 28752,91, a título de ITA, bem como uma pensão anual e vitalícia de € 5277,00.

  3. Inconformado com esta decisão o réu recorreu dela para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 18 de Maio de 2004, decidiu negar provimento ao recurso.

  4. Novamente inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

    “1 - Na presente acção foi considerado assente que o acidente dos autos se deu quando o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, auferindo um salário anual global de 15612,44 euros por o recorrente ter faltado sem justificação a duas tentativas de conciliação e ser esse o teor das declarações prestadas pelo recorrido, por aplicação do art.º 108.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho.

    2 - A norma em causa, ao estabelecer uma presunção de verdade das declarações prestadas pelo trabalhador no caso de duas faltas injustificadas a tentativas de conciliação apenas será justa, equitativa e conforme com o art.º 20.º da Constituição se a entidade patronal tiver sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

    3 - O art.º 108.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho é pois, inconstitucional por violação do art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República se interpretado de forma que o seu comando se mantenha efectivo sem que a entidade patronal tiver sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

    4 - Por outro lado, a referida norma, ao estabelecer uma vantagem para uma das partes em relação à outra, viola o princípio da igualdade, acolhido no art.º 13.º da Constituição da República, sendo essa desigualdade relevante e com possível influência da definição dos direitos das partes, sendo certo que os objectivos que pretende alcançar poderão ser atingidos pela adopção de outras medidas aplicáveis de forma igual a ambas as partes.

    5 – Trata-se, pois, de uma norma inconstitucional, por contrariar a Constituição e os seus princípios.

    6 – Não podendo, por isso, ser aplicada pelo Tribunal, por força do disposto no art. 204º da Constituição da República.

    7 – Não se aplicando essa norma, não serão considerados provados os factos transcritos na conclusão 1ª destas alegações.

    8 – O que fará com que o acidente dos autos deixe de poder ser considerado um acidente de trabalho, improcedendo, em consequência, a acção, sendo o recorrente absolvido do pedido.

    9 – A douta sentença recorrida violou os artigos 13º e 20º, n.º 4 da Constituição da República, pelo que deverá ser revogada”.

  5. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de janeiro de 2005, negou provimento ao recurso, decisão que fundamentou nos seguintes termos:

    “A única questão a decidir é a de saber se se verifica a invocada inconstitucionalidade do artigo. 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, com base no qual o tribunal deu como provados os factos que constam da alínea e) da matéria de facto.

    Regulando os termos em que se realiza a tentativa de conciliação na fase administrativa do processo emergente de acidente de trabalho, o artigo 108° do Código de Processo do Trabalho, dispõe, nos seus n.ºs 4 e 5, o seguinte:

    “4. Não comparecendo a entidade responsável, tomam-se declarações ao sinistrado ou beneficiário sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito, designando-se logo data para nova tentativa de conciliação.

    5. Faltando de novo a entidade responsável ou não sendo conhecido o seu paradeiro, é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior se a ausência for devida a falta injustificada e a entidade responsável residir ou tiver sede no continente ou na ilha onde se realiza a diligência.”

    No caso vertente, o réu faltou à tentativa de conciliação designada a fls. 57 dos autos (sendo irrelevante que tenha sido devolvida a carta de notificação, visto que tem aplicação no caso o disposto quanto às notificações dos mandatários judiciais, presumindo-se a notificação feita no terceiro dia posterior ao do registo - artigos 24°, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho e 254°, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil), implicando que, por efeito do disposto no n.º 4 do artigo 108° do Código de Processo do Trabalho, se tomassem declarações ao sinistrado “sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito”. Por outro lado, o réu faltou igualmente, sem qualquer justificação, à segunda tentativa de conciliação, designada a fls. 66 do processo, com a consequência de se ter como dispensada a realização da formalidade, com o necessário prosseguimento do processo através da fase contenciosa (artigo 113°).

    O n.º 5 do artigo 108° do Código de Processo do Trabalho estabelece uma presunção juris tantum, implicando que, na acção, caiba ao réu a prova de que os factos declarados pelo autor não correspondem à verdade. É este indubitavelmente o sentido da expressão “presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior”.

    A referida norma opera, pois, uma inversão do ónus da prova, nos precisos termos do artigo 344°, n.º 1, do Código Civil. Em princípio, é àquele que invoca um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, pertencendo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (artigo 342°, n.o 1 e 2, do Código Civil). As regras gerais relativas ao ónus da prova invertem-se, porém, quando exista uma presunção legal, isto é, quando a lei considere como certo um dado facto. Tal significa que quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, admitindo-se - a menos que a lei o proíba - que a presunção seja ilidida mediante prova em contrário (artigo 350° do Código Civil).

    No caso em apreço, o recorrente começa por invocar que o artigo 108.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho viola o direito a um processo equitativo e é, como tal, inconstitucional, quando interpretado no sentido de que o seu comando se mantém efectivo sem que a entidade patronal tenha sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada à tentativa de conciliação.

    O que resulta, porém, das cotas lavradas a fls. 58 e 66 pelo competente funcionário judicial, é que a convocatória para as tentativas de conciliação foram efectuadas com as advertências legais, o que significa que foram feitas com a indicação das consequências processuais que a falta à diligência, sem justificação, poderia acarretar. E não tendo sido suscitada a falsidade desses termos do processo, nada permite concluir que o efeito jurídico imposto pela norma tenha sido aplicado sem que o interessado estivesse ciente das consequências que poderiam advir do seu comportamento processual.

    Em qualquer caso, o recorrente também alega que a referida norma, ao estabelecer uma vantagem para uma das partes em relação à...

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