Acórdão nº 281/05 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução25 de Maio de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 281/2005

Processo n.º 894/04

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    A – Relatório

    1 – A., identificado com os sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade “das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, alínea a) e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal se interpretadas no sentido, segundo o qual, a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia se basta com remissão para a prova indicada na decisão recorrida, sem enumeração dessa prova, sem especificação dos motivos de facto que fundamentam a decisão e sem análise crítica da mesma, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.

    2 – Com o mesmo fundamento foi arguida, invocando-se “deficiente fundamentação”, a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Dezembro de 2003, que se estribou na seguinte argumentação:

    (...) Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

    A questão em análise no presente recurso é a questão de saber se no Despacho recorrido se procedeu a uma análise criteriosa da prova recolhida nos Autos - seja em fase de inquérito, seja na instrução - a fim de verificar se daquela se indicia suficientemente, ou não, a prática pelos Arguidos dos crimes que lhe são imputados.

    Cabe, por isso começar por transcrever o Despacho em questão:

    (...)

    Alega, em síntese, a assistente no seu requerimento de abertura de Instrução que à data dos factos relatados nos autos (28 de Janeiro de 2001), um pinheiro existente na sua propriedade tombou sobre o muro confinante com a linha férrea, ficando alguns ramos a afectar a circulação dos comboios. Por esse motivo os bombeiros, acompanhados de agentes da PSP , compareceram ao local e procederam ao corte das ramadas do referido pinheiro.

    Após a PSP e os bombeiros se terem ausentado e sem contacto prévio com a assistente, o arguido ordenou a 4 indivíduos que saltassem o muro da propriedade e que abatessem todas as árvores ali existentes, designadamente magnólias centenárias, que se encontravam a cerca de 5 metros do muro e não mostravam sinais de doença ou risco de caírem, pelo que não punham em risco a circulação ferroviária.

    O arguido manteve-se na linha férrea, dando ordens directas aos 4 indivíduos que procederam ao derrube das magnólias, contra a vontade expressa de um vendedor da assistente que se encontrava na propriedade.

    Entende, por isso, que tal conduta faz incorrer o arguido na autoria dos crimes denunciados.

    A prova produzida em instrução consistiu nas declarações do representante legal da assistente, que afirmou que as árvores abatidas a mando do arguido eram centenárias e embelezavam e valorizavam particularmente a propriedade e que nos termos do projecto da Câmara para o local tais árvores deveriam ser obrigatoriamente conservadas.

    Mais afirmou que tais árvores não tinham aspecto envelhecido, nem estavam em risco de cair. Mas, ainda que tal acontecesse, cairiam dentro do seu terreno, uma vez que a que se encontrava mais próxima do muro estava a cerca de três metros de distancia da ribanceira que dava para a linha do comboio.

    A testemunha B., ouvido a fls. 115/116, autor do projecto levado a efeito na propriedade da assistente, relatou as condicionantes impostas pela Câmara e que teve de respeitar na elaboração do projecto, aprovado ao fim de seis diferentes soluções por si apresentadas. Uma das condicionantes relacionava-se directamente com as árvores abatidas, que representavam barreira ambiental natural, de valor patrimonial muito elevado.

    Esclareceu que se tratava de plantas centenárias e que o seu projecto respeitou rigorosamente a posição de cada uma delas. Aliás, foi imposta desde o início do projecto, a obrigatoriedade de um arquitecto paisagista.

    Acrescentou que as árvores abatidas não representavam qualquer risco imediato, nem nunca antes daquele dia fora levantado qualquer problema de segurança da linha de comboios, de contrário ele próprio, como autor do projecto, teria tomado as iniciativas pertinentes a eliminar tal risco. Acresce que, segundo afirmou, nem todas as árvores abatidas estavam próximas do muro e não estavam alinhadas.

    Finaliza explicando que, ainda que o arguido tivesse entendido existirem razões de segurança, deveria ter contactado a Câmara, ou o autor do projecto, ou o proprietário da Quinta, por forma a discutir o assunto e encontrar solução para o problema, que poderia passar pelo transplante das árvores, caso tal fosse entendido necessário, correspondendo tal solução a prática comum nos dias de hoje.

    A testemunha C., autor do projecto de arquitectura paisagística na propriedade da assistente confirmou a existência de condicionantes no projecto, impostas pela Câmara e relacionadas com a existência das árvores aqui em causa.

    Esclareceu que tais árvores não estavam em risco de cair , apresentando bom estado de saúde, confirmado pela posterior dificuldade em arrancar os respectivos cepos. Não estavam alinhadas e encontravam-se implantadas a cerca de 4 a 6 metros dentro do muro que delimitava a propriedade.

    Referiu, por fim, que em caso de risco poderia sempre de ter sido adoptada a solução do transplante das árvores, sem necessidade do respectivo abate.

    A testemunha D., responsável pela obra, confirmou que apesar de não estar presente no local quando ocorreram os factos, foi contactado por um funcionário seu pelo telefone que lhe comunicou o que se passava. Disse a esse funcionário que não autorizasse o corte das árvores e que o mandasse de imediato suspender, por se tratar de árvores centenárias. Pediu, ainda, ao funcionário para passar o telefone ao responsável da E., o arguido, o qual não quis falar ao telefone, dizendo ao seu funcionário que não era criado da testemunha e que se quisesse que fosse lá falar com ele.

    Acrescentou que as árvores abatidas não representavam qualquer perigo para a linha férrea e estavam completamente consolidadas, o que causou posteriormente grandes dificuldades em arrancar os troncos respectivos.

    Já durante a pendência do debate instrutório foi ouvido, a seu pedido, o arguido, que declarou, em síntese, que ao chegar ao local no dia em que ocorreram os factos aqui tratados, já lá se encontravam os bombeiros da Parede, do Estoril, bem como a Protecção Civil.

    Analisou os factos, contactou a sua hierarquia por telemóvel e recebeu instruções para decidir e actuar em conformidade com a situação concreta.

    O pinheiro que estava caído foi cortado. Uma das companhias de bombeiros saiu do local.

    Esclareceu que constatou depois que três das árvores ali existentes, com cerca de 5 metros de altura, estavam no mesmo enfiamento do pinheiro e tinham as copas a penderem para a via férrea. A terra encontrava-se remexida no local e havia intempéries em todo o país.

    Perante estas circunstâncias tomou a decisão que lhe pareceu a mais acertada de mandar abater essas três árvores, que se encontravam, segundo afirmou, a cerca de dois metros e meio do muro que dá para a linha férrea.

    Quando mandou abater as árvores ainda ali se encontravam uma corporação de bombeiros e o representante da Protecção Civil, tendo sido utilizados pelos seus homens alguns dos equipamentos destas instituições.

    Durante o período que esteve no local só foi contactado por um vendedor da assistente e por nenhum outro representante da mesma.

    A testemunha apresentada pelo arguido, F., prestou declarações coincidentes com as do arguido. No entender desta testemunha e segundo as suas declarações, a decisão de abater as três árvores tomada pelo arguido, com a qual concordou totalmente, foi a mais acertada, pois as árvores colocavam em perigo a circulação ferroviária, uma vez que tinham cerca de 5 metros de altura, tinham os ramos inclinados para a linha e encontravam-se a cerca de metro e meio do muro da propriedade.

    Esclareceu que os homens da E. que procederam ao abate utilizaram duas moto serras disponibilizadas pelos bombeiros da Parede que ainda ali se encontravam.

    Manteve-se com o arguido no local durante cerca de três horas, sempre do lado da linha, fora da propriedade da assistente e só se apercebeu da presença de um funcionário da assistente com um telemóvel na mão.

    Estes os elementos disponíveis nos autos, a partir dos quais cumpre averiguar se existirão indícios suficientes que suportem as imputações feitas pela assistente ao arguido.

    Apreciada a prova produzida nos autos, verifica-se que, segundo a versão do arguido, que fora já acolhida no despacho de arquivamento proferido pelo MºPº, este agiu numa situação de emergência, tendo ponderado as circunstâncias concretas que apurou no local. Entendeu que as árvores que mandou abater representavam perigo concreto para a circulação dos comboios, pondo em risco bens materiais e humanos e decidiu nessa convicção.

    A assistente, por sua vez, entende que a situação de emergência só se verificava quanto ao pinheiro cujos ramos se encontravam caídos sobre a linha de comboio. Por causa desse pinheiro , deslocaram-se os bombeiros ao local e procederam ao respectivo abate, não merecendo tal conduta qualquer reparo da sua parte.

    Já quanto as três magnólias abatidas, entende a assistente que nenhum perigo representavam, pelo que a decisão do arguido, sem qualquer diligência ou contacto prévio com a assistente é recriminável do ponto de vista penal.

    Destina-se a presente fase processual a verificar a existência de indícios suficientes que justifiquem a submissão do arguido a julgamento.

    Por indícios suficientes deve entender-se aqueles de que resulte possibilidade razoável de vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (art. 283º do CPP).

    Assim, devem ser pronunciados os...

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