Acórdão nº 358/05 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução06 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 358/05 Processo n.º 138/05 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A. deduziu, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira, impugnação judicial de uma apreensão de bens por si produzidos, ordenada pela Inspecção-Geral das Actividades Económicas (fls. 5 e seguintes), tendo invocado, entre o mais, a inconstitucionalidade material e orgânica do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril.

    Por decisão de 7 de Janeiro de 2005 (fls. 343 e seguintes), o juiz do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira viria a considerar procedente esse recurso.

    A decisão proferida, que assentou no juízo de inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril, concluiu assim:

    “[…]

    Em face do exposto, resulta que o diploma legal em apreço, o Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril, é orgânica e materialmente inconstitucional, nos termos do art. 277º da C.R.P., por violação, respectivamente, dos arts. 165º, n.º 1, al. b), e arts. 13º, 18º, 26º, 29º, 32º, n.º 10, 61º, 62º e 268º, todos da Constituição da República Portuguesa, pelo que, nos termos do art. 280º, n.º 1, al. a), da Lei Fundamental, não aplico o diploma legal em apreço e, em consequência, impõe-se o levantamento da apreensão efectuada em 18 de Maio de 2004.

    Saliente-se que, em face do exposto não se analisam os demais fundamentos invocados pela recorrente, por desnecessidade, e, considerando, ainda, a restrição do objecto do recurso apenso a estes autos, não nos pronunciamos, quanto às apreensões de produtos da A. efectuadas em datas diversas, quanto à sua legitimidade, mas apenas quanto à questão concretamente suscitada, a qual é, como se viu, supra, improcedente.

    […]

    Pelo exposto, e em conformidade:

    1. Julga-se procedente, porque provado, o presente recurso de impugnação judicial da apreensão efectuada, pela Inspecção Geral das Actividades Económicas, em 18 de Maio de 2004, no armazém da sociedade B., pessoa colectiva n.º ---------------, sito na --------------------, Armazém ---, Fracção ---, --------, de fls. , interposto pela recorrente A., e, em consequência, determina-se o levantamento daquela apreensão, em virtude de se basear em violação dos arts. 4º e 5º do DL n.º 86/2004, de 17 de Abril, os quais são orgânica e materialmente inconstitucionais por violação dos arts. 165º, n.º 1, al. b), e 13º, 18º, 26º, 29º, 32º, n.º 10, 61º, 62º, e 268º, todos da C.R.P., e a entrega imediata dos produtos apreendidos à recorrente;

    [...].”.

  2. O magistrado do Ministério Público na comarca de Vila Franca de Xira interpôs recurso obrigatório desta sentença para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, das normas dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril (fls. 393).

    Admitido o recurso no efeito suspensivo, por despacho de fls. 395, viria a A. a requerer que ao recurso fosse fixado o efeito meramente devolutivo e, bem assim, que fosse revogada a medida de apreensão de bens e ordenada a restituição, à requerente, dos produtos apreendidos (fls. 398 e seguintes).

    Por despacho de fls. 406 e seguintes, foi indeferido o requerimento, no que diz respeito à modificação do efeito do recurso, e esclarecida a requerente de que cabia à entidade administrativa a decisão de levantamento da apreensão.

  3. Nas alegações que produziu junto do Tribunal Constitucional (fls. 412 e seguintes), concluiu o Ministério Público:

    “1º - A liberdade de iniciativa económica, proclamada pelo artigo 61° da Constituição da República Portuguesa, não pode perspectivar-se, atenta a sua amplíssima indeterminação constitucional, como um «direito fundamental», totalmente sujeito ao regime plasmado nos artigos 18° e 165°, n.° 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.

    1. - Na verdade, sendo tal «direito» conferido nos termos previstos na Constituição e na lei, não revestem natureza restritiva, mas antes meramente delimitadora, as normas que regulam o âmbito da autonomia na realização das actividades empresariais e respectiva promoção publicitária ou comercial.

    2. - As restrições ao uso, para fins publicitários ou comerciais, de certas designações ou símbolos, legalmente reservados a terceiros, não afectam o núcleo essencial, constitucionalmente garantido, da liberdade de iniciativa económica.

    3. - Não ofende os princípios da tipicidade e da legalidade a previsão de certo tipo contraordenacional com alguma latitude ou indeterminação, bastando que se possa extrair claramente do tipo legal o núcleo essencial da proibição – preenchendo tal requisito o tipo que proíbe e sanciona a utilização «directa ou indirecta» de determinados símbolos ou sinais, de modo a criar um risco de confundibilidade ou «falsa impressão» de associação de quem os utiliza a certo evento desportivo nacional.

    4. - Não pode considerar-se violadora do princípio da igualdade a referida restrição de utilização a um determinado círculo de sujeitos, já que ela tem como causa a compensação de uma comparticipação nos custos, suportados pelos beneficiários, com a organização e promoção de certo evento desportivo nacional.

    5. - A norma proibitiva e sancionatória, constante dos artigos 4° e 5° do Decreto-Lei n.° 86/04, não é retroactiva, enquanto aplicável a actos autónomos de utilização ilegal de certos símbolos ou denominações, consumados em momento ulterior à vigência de tal diploma legal.

    6. - As restrições à utilização, directa ou indirecta, de símbolos ou sinais que sejam susceptíveis de criar no público a «falsa impressão» de que certa empresa está associada ao evento desportivo que aqueles representam, instituída pelo Decreto-Lei n.° 86/04, de 17 de Abril, não se configura como violadora de expectativas legítimas e consolidadas na plena utilização de tais elementos distintivos, atento, nomeadamente, o princípio da reserva de utilização que já constava do n.° 3 do artigo 10° do Decreto-Lei n.° 268/01 – e radicando a edição do Decreto-Lei n.° 86/04, de 17 de Abril, na prossecução de relevantes interesses públicos, garantindo a organização e imagem do evento desportivo em causa e permitindo o seu aproveitamento apenas às entidades que suportaram os custos da sua organização e promoção.

    7. - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na sentença recorrida.”

    Quanto ao efeito do recurso, o Ministério Público sustentou o seguinte:

    “Relativamente à questão do efeito a atribuir ao recurso de constitucionalidade, parece-nos evidente que não é aplicável o estatuído no n.° 2 do artigo 78° da Lei do Tribunal Constitucional: efectivamente, a previsão normativa aí contida conexiona-se com o recurso previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° da Lei n.° 28/82 e com a questão do esgotamento dos recursos ordinários possíveis. Na verdade, se a parte optar pela preclusão do recurso ordinário possível – não o interpondo, no prazo legal, ou evitando o seu seguimento, por motivos de ordem processual, nos termos previstos no artigo 70°, n.° 4 – o efeito de tal recurso de constitucionalidade é o que corresponderia ao «recurso ordinário» precludido pela vontade do recorrente.

    A situação dos autos é completamente diversa: tratando-se de recurso obrigatório para o Ministério Público, ele é necessariamente interposto, em via directa, para o Tribunal Constitucional, estando excluída a utilização de qualquer outro meio impugnatório ordinário: deste modo, a não interposição deste recurso ordinário possível não radica na vontade do recorrente, na estratégia processual por ele delineada, decorrendo antes directamente da lei – o que determina a aplicação do regime-regra, estabelecido no n.° 4 do artigo 78°.”.

  4. A A. contra-alegou (fls. 426 e seguintes), tendo formulado as seguintes conclusões:

    “A. Na medida em que o recurso admitido a fls. 395 foi interposto de uma Sentença absolutória, por não se inscrever em nenhuma outra previsão do mencionado art. 408º do C.P.P., tal recurso não tem efeito suspensivo, como lhe foi fixado, mas sim efeito meramente devolutivo, nos termos dos arts. 666º, n.º 3, e 669º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, ex vi art. 4º do C.P.P..

    1. No que ao fundo da questão respeita, com todo o respeito, não assiste qualquer razão ao Recorrente, desde logo porque tanto a liberdade de iniciativa privada como o direito à propriedade privada são direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias.

    2. Sendo uma lei reguladora da concorrência quanto à utilização de um evento público, condicionando a organização do mercado e a liberdade de actuação das empresas, que vai mais além da simples defesa de patentes e símbolos e denominações existentes, o Decreto-Lei n.º 86/2004 toca, no seu âmbito de aplicação, naqueles dois direitos fundamentais.

    3. Acontece que o bem jurídico que o legislador do Decreto-Lei n.º 86/2004 pretendeu proteger – as designações e símbolos do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 – já se encontra protegido por lei anterior àquele diploma, em concreto, no Código da Propriedade Industrial, no Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos e no Código da Publicidade, como de resto resulta da interpretação do n.º 5 do art. 5º, que prevê a aplicação das normas daqueles...

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