Acórdão nº 387/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 387/2005

Processo n.º 414/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de Dezembro de 2002, posteriormente aclarado pelo Acórdão do mesmo Tribunal, de 18 de Março de 2003, que negou provimento aos recursos interpostos de decisões interlocutórias proferidas pela 3ª Vara Criminal da Comarca do Porto e do acórdão do mesmo tribunal que o condenou pela prática de um crime continuado de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 30º, n.º 2, 79º e 172º, n.º 1, do Código Penal de 1995, na pena de três anos e seis meses de prisão, dos quais declarou perdoado um ano de prisão nos termos do art.º 1º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, sob a condição resolutiva da mesma Lei.

2 – Um dos despachos interlocutórios recorridos indeferiu o requerimento feito pelo arguido, na contestação da acusação, de que fosse requisitada certidão dos seguintes elementos constantes do processo tutelar n.º 930/97 do Tribunal de Menores do Porto, respeitante à menor ofendida: “i) auto de denúncia que deu origem ao processo; ii) elementos documentais ou testemunhais que tenham permitido identificar situações de risco; iii) conclusões recolhidas no processo; iiii) decisões proferidas sobre o estado da menor”.

O outro despacho interlocutório recorrido para a Relação foi proferido pelo tribunal do julgamento em 1ª instância, após a produção de prova e a prolação das respostas aos quesitos que formulara sobre matéria de facto, afirmando-se nele, entre o mais que ora não importa notar, o seguinte: “pode-se entender o que se diz sobre os pontos 3, 7, e 9 dos factos provados, poderá constituir uma alteração não substancial, cujo regime é o do art.º 358º, do C. P. Penal. Bem como por outro lado se pode concluir que os factos tidos como provados integram um crime na forma constinuada. Assim, nos termos do art.º 358º do C. P. Penal, comunique tal alteração ao arguido”.

3 – O acórdão recorrido, de 18 de Dezembro de 2002, tem o seguinte teor, na parte útil à compreensão das questões de (in)constitucionalidade:

A)

Ao contestar a acusação (fls. 227 e segs.), o arguido requereu que fosse requisitada certidão de elementos do processo tutelar nº 930/97 respeitante à menor B., requerimento que foi indeferido pelo despacho de fls. 238.

[...]

B)

Em audiência o tribunal colectivo (despacho de fls. 352 e 354) indeferiu o exame e reconstituição requeridos a fls. 339 (“reconstituição do facto para prova da impossibilidade do crime ser cometido pela forma dissimulada sugerida pelo tribunal” e “... o exame da casa de morada do arguido e da máquina de cerzir para prova da impossibilidade da autoria singular do crime pelo qual o arguido está acusado”).

[...]

C)

Do acórdão condenatório interpôs também o arguido recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

[...]

*

Cumpre decidir.

[...)

*

A) Quanto ao recurso interposto do despacho de fls. 238.

Nos termos do art. 340º, n.º 1, do CPP, o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Pretendia o arguido no requerimento indeferido que o tribunal a quo requisitasse ao Trib. de Menores do Porto (e relativamente ao processo nº 930/97 que respeita à menor B.) certidão do auto de denúncia que deu origem ao processo, elementos documentais ou testemunhais que tenham permitido identificar situações de risco, conclusões recolhidas no processo e decisões proferidas sobre o estado da menor.

O despacho de fls. 238 indeferiu a pretensão com base no art. 32º da OTM porquanto "a situação dos autos não se enquadra em nenhuma das aí previstas".

E assim é, efectivamente.

Mas acrescentaríamos nós que a pretensão também deveria ter sido indeferida com base no disposto pelo art. 340º, n.º 1, do CPP.

É que o processo tutelar tem em vista a protecção dos menores e não a investigação de factos qualificados pela lei como crime de que hajam sido vítimas os menores. Daí que, não sendo coincidente o objecto dos processos, os elementos do processo tutelar não têm de interessar necessariamente ao processo criminal.

Ora o recorrente parte da pressuposição que aquele processo está correlacionado com os factos objecto destes autos e que os elementos aí existentes são necessários à descoberta da verdade nestes autos. Mas toda a averiguação de factos que interessam à decisão neste processo pode ser aqui feita (no processo penal), não sendo necessário recorrer-se às averiguações eventualmente realizadas em processos de outras jurisdições.

Não violou, pois, o despacho recorrido nem o art. 340º, n.º 1, do CPP nem as disposições constitucionais citadas pelo recorrente.

Notamos que o relatório social sobre a B. (fls. 119 a 123), sendo certo que foi elaborado para o processo tutelar, também poderia ter sido requisitado pelo juiz nestes autos: ou seja, a junção de tal relatório a este processo não tinha de se fazer necessariamente para o tribunal ter conhecimento dos elementos que de tal relatório constam.

B) Quanto ao recurso do despacho ditado para a acta, a fls. 352 e 354.

No requerimento indeferido pretendia o recorrente que se procedesse à "reconstituição do facto para prova da impossibilidade do crime ser cometido pela forma dissimulada sugerida pelo tribunal" e se procedesse ao "exame da casa de morada do arguido e da máquina de cerzir para prova da impossibilidade da autoria singular do crime".

Ora a casa de morada do arguido está objectivamente descrita sob o nº 15 dos factos provados.

A vivência nessa casa durante os fins de semana em que a B. aí ficava com os padrinhos resulta do descrito sob os nºs 16, 22, 23, 24, 25 e 26 dos factos provados.

Quanto à máquina de cerzir, o que releva para o caso é o ruído produzido pelo funcionamento da mesma (segundo a menor, o padrinho ficava aflito e sustava a sua actuação de carácter sexual quando a máquina deixava de funcionar).

Ora a audibilidade de tal ruído pôde ser avaliada pelo tribunal através dos depoimentos ouvidos, como resulta das transcrições feitas nos autos, designadamente pelo Mº Pº.

Daí que, quando o recorrente fez o requerimento indeferido, já o tribunal dispunha dos elementos que lhe permitiam concluir sobre as interrogações que o recorrente suscitava. Assim, visto o que dispõe o art. 340º , n.º 1, do CPP, o tribunal não tinha que ordenar a produção das provas indeferidas porquanto não se mostravam necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Não foi violado, pois, com tal indeferimento, o princípio do contraditório.

Quanto à questão aflorada nas conclusões deste recurso interlocutório sobre a admissibilidade da alteração de factos nos termos do art. 358º do CPP após o encerramento da discussão da causa, uma vez que tal questão volta a ser suscitada no recurso interposto do acórdão, aí nos pronunciaremos sobre a mesma.

Quanto à pretensa violação do princípio da presunção de inocência por se terem anunciado os factos que o tribunal considerava provados antes da publicação do acórdão, notamos que o art. 32º, n.º 2, da Constituição estabelece que "todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação".

Ou seja, não é pelo facto de o tribunal comunicar aos sujeitos processuais os factos que considera provados antes da publicação do acórdão (independentemente de essa convicção ser ainda provisória quanto aos factos relativamente aos quais se considerou ter havido alteração, uma vez que se admitiu o contraditório) que cessa a presunção de inocência do arguido, tal como não é pelo facto de ser publicado o acórdão condenatório que a mesma presunção cessa.

C)

Quanto ao recurso interposto do acórdão condenatório.

I - Diz o recorrente que foi condenado por factos praticados em circunstâncias espacio-temporais totalmente inverosímeis, porquanto se lhe imputa a comissão de centenas de agressões sexuais praticadas no domicílio indescobertamente por qualquer dos residentes.

Ora, como se vê da descrição dos factos provados sob o n.º 4, os factos mais difíceis de dissimular aconteceram por "várias vezes" e "uma vez".

Os factos descritos sob o n.º 5 não precisavam de grandes cuidados de dissimulação já que podiam ser feitos em pouco tempo e sem deixar vestígios.

Não se verifica, pois, a inverosimilhança pretendida.

II - Pretende o recorrente que o acórdão condenatório é nulo nos termos do art. 379º, n.º 1, b), do CPP porque condenou o arguido por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia fora do caso previsto pelo art. 358º, n.º 1, do CPP.

Segundo o recorrente não vale como comunicação de alteração de factos nos termos do art. 358º, n.º 1, do CPP a efectuada após o encerramento da audiência de discussão e julgamento e após a deliberação do colectivo quanto à matéria de facto.

O recorrente defende, pois, que a expressão “no decurso da audiência” usada no art. 385º, n.º 1, do CPP deve ter uma interpretação restrita, significando que o tribunal terá de fazer a comunicação da alteração até ao encerramento da discussão da causa: diz ele que da lei processual resulta uma distinção clara entre audiência e sentença.

Mas a palavra audiência tem um significado mais lato, abarcando mesmo a publicação da decisão final.

Cumpre pois fazer uma interpretação teleológica dos arts. 358º e 359º do CPP, já que a interpretação adequada é a que atende às finalidades tidas em vista pelo legislador.

Ora, sendo certo que o art. 361º, n.º 2, do CPP estabelece que o presidente declara encerrada a discussão e só prevê a reabertura nos termos do art. 371º (reabertura da audiência para a determinação da sanção), julgamos que não poderá deixar de se proceder do...

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