Acórdão nº 504/05 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução04 de Outubro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 504/2005

Processo n.º 548/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 4 de Julho de 2005, que decidira, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito – dado tratar-se de “questão simples”, por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal –, não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e, consequentemente, negar provimento ao recurso.

1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:

“1. A. e B. interpuseram, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31 de Março de 2005, através de requerimento do seguinte teor:

1 – No decurso tramitacional do presente processo judicial os recorrentes têm defendido que a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS padece de inconstitucionalidade. Na verdade, e apesar da prolação do Acórdão n.º 497/97 do Tribunal Constitucional (TC) sobre a matéria,

2 – Após a prolação de tal acórdão do TC ocorreram factos novos que este ainda não apreciou, designadamente:

a) A publicação do artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro [cujo teor é o seguinte: “As importâncias auferidas pelos profissionais de banca dos casinos que lhes são atribuídas pelos jogadores em função dos prémios ganhos são equiparadas a gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação de trabalho”], cujo conteúdo é objectivamente discriminatório para com os profissionais de banca dos casinos, comparativamente com os profissionais de inúmeras outras profissões – pois que apenas os profissionais de banca dos casinos são destinatários exclusivos da norma tributadora em causa, apesar da sua aparente generalidade e abstracção inicial – que, igualmente, auferem gratificações da mesma natureza sem que esteja em causa a respectiva tributação;

b) O despacho de SE o SEAF Dr. C. sobre a matéria, junto aos autos de impugnação, que, quando conjugado com aquela norma legal (artigo 29.°, n.º 9, da Lei n.º 87-B/98), reforça o carácter discriminatório que se visava atingir, pois que até aí a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS era entendida por grande parte da jurisprudência como norma de carácter geral e abstracto, considerando-se então como “não estando demonstrado que, na prática, apenas estes (profissionais das salas de jogos) sejam tributados com base nesta norma” (cfr. parte IX do acórdão do STA, de 22 de Março de 2000, in Internet, no endereço www.dgsi.pt).

c) A prolação de novo acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), no qual se voltou a considerar [pois o TJCE tinha já decidido em idêntico sentido no acórdão proferido em 3 de Março de 1994, em processo de recurso prejudicial com o n.º C-16/93, opondo R. J. Tolsma contra Inspecteur der Omzetbelasting] que “as gratificações livres, ou seja, as quantias que o cliente espontânea e livremente entrega a este ou àquele empregado ... não têm de ser incluídas na matéria colectável dado que podem ser equiparadas ao óbolo distribuído por passantes a um músico que esteja a tocar realejo na via pública, ... (pois trata-se) de pagamentos meramente graciosos e aleatórios” (cfr. acórdão «respeitante ao processo C-404/99, datado de 23 de Novembro de 2000, in Internet – portal do Ministério da Justiça; www.dgsi.pt – Jurisprudência da União Europeia (acesso codificado), fls. 2 de 7 fls., publicado na Colectânea da Jurisprudência, 2001, pág. I-02 667).

3 – A norma em causa (alínea h) do n.º 3 do artigo 2.° do Código do IRS) viola os princípios constitucionais da igualdade (cfr. artigo 13.° da Constituição), da justiça (cfr. artigo 106.° (ora 104.°) da Constituição), e sofre de inconstitucionalidade orgânica (cfr. artigos 201.º, alínea b), 168.°, n.º 1, alínea i), e 106.°, n.º 2 – ora artigos 198.°, n.º 1, alínea b), 165.°, n.º 1, alínea i), e 103.°, n.º 2 – todos da Constituição), e inconstitucionalidade material (cfr. artigo 106.º, n.º 1 (ora 104.º, n.º 1) da Constituição). Ademais

4 – A norma em causa (alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS) sofre ainda de vício de ilegalidade (cfr. artigos 6.°, n.º 1, e 7.°, n.º 3, da Lei Geral Tributária), por atentar contra os princípios da capacidade contributiva e da proibição da discriminação. Acresce que

5 – A questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade foram suscitadas na petição inicial da impugnação judicial e igualmente nas alegações de recurso para o TCAN.

A questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), que dispõe: “3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) h) As gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal; (...)”, já foi objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, o que permite qualificá-la como questão simples, possibilitando a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

  1. A referida norma foi apreciada, primeiro, no Acórdão n.º 497/97 (Diário da República, II Série, n.º 235, de 10 de Outubro de 1997, pág. 12 485; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º volume, pág. 73), que concluiu pela sua não inconstitucionalidade, quer orgânica, quer material, por não desrespeitar a extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitida e por não afrontar o princípio do Estado de direito democrático e o princípio tributário da igualdade. Essa orientação foi reiterada no Acórdão n.º 237/2000.

Mais recentemente, pelo Acórdão n.º 481/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), foi apreciada a mesma questão perante «novos argumentos» (insustentabilidade da solução anterior perante a evolução legislativa superveniente e pretensa violação do «princípio da justiça do sistema»), mantendo-se, porém, o juízo de não inconstitucionalidade.

Importará recordar os fundamentos da jurisprudência anterior para depois apurar do existência e procedência de mais «novos argumentos».

2.1. O Acórdão n.º 497/97 alicerçou a sua decisão de não declarar a inconstitucionalidade da norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS na seguinte argumentação:

2 – A norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

2.1. – O Provedor de Justiça entende, como se consignou no ponto III, que esta norma, respeitante à matéria colectável dos rendimentos da categoria A, ao considerar rendimentos do trabalho dependente as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal, terá:

a) ultrapassado os limites da lei de autorização legislativa – a Lei n.º 106/88 –, desse modo violando o n.º 2 do artigo 168.º da CRP;

b) ofendido, do mesmo passo, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que a tributação dos rendimentos de semelhantes liberalidades «escapa a qualquer tipo de controle e de consequente incidência fiscal», apenas atingindo, «na prática», as gorjetas recebidas pelos empregados de banca dos casinos, tendo em conta o sistema vigente que as disciplina e controla.

Importa, por conseguinte, abordar cada um dos invocados fundamentos de per si.

2.2. – A dimensão inconstitucional por alegada inobservância da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 106/88 no tocante à extensão – CRP, n.º 2 do artigo 168.º.

Entende-se não ser de declarar a inconstitucionalidade da norma.

2.2.1. – As leis de autorização legislativa são constitucionalmente configuradas como actos-parâmetro, no sentido de que elas estabelecem os limites a que está vinculado o órgão delegado no exercício dos poderes legislativos concedidos por via da autorização. Como se ponderou no acórdão n.º 806/93, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Janeiro de 1994, neste contexto, as referidas leis “compreendem quer uma vertente interna, no sentido de que contêm regulação sobre o procedimento legislativo a que vai proceder o Governo e à qual o Governo se encontra adstrito, quer uma vertente externa, pois que por imperativo constitucional a lei de autorização deve, ela própria, conter a extensão, sentido e alcance da legislação delegada. Nesta última vertente, a lei de autorização contém, portanto, os elementos essenciais das alterações do ordenamento jurídico a que o Governo virá a proceder quando (e se) usar os poderes nele assim delegados”.

2.2.2. – A Lei n.º 106/88, nos termos da alínea a) do n.º 2 do seu artigo 4.º, autorizou o Governo a legislar, no âmbito da incidência objectiva do IRS, de modo a serem consideradas como rendimentos de trabalho dependente “todas as remunerações provenientes do trabalho por conta de outrem, prestado quer por servidores do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, quer em resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele equiparado”.

Sendo a norma em sindicância emitida à luz dessa credencial, entende o Provedor de Justiça ter sido desrespeitada a extensão da autorização, por não ter sido intuito do legislador tributar rendimentos que não decorrem directamente de contrato de trabalho, ou outro a ele legalmente equiparado, sendo...

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