Acórdão nº 578/05 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução28 de Outubro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 578/2005 Processo n.º 760/2005 Plenário Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

  1. Em 4 de Outubro de 2005, o Presidente da República veio requerer ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 115º, n.º 8, da Constituição e 29º, n.º 1, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo), “a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º 52 da Assembleia da República, publicada em Suplemento à Iª Série – A do Diário da República de 29 de Setembro de 2005, distribuído a 30 de Setembro”.

    No requerimento afirmou ainda “salientar neste pedido, mas apenas porque a questão gerou alguma controvérsia pública, a importância que terá o esclarecimento pelo Tribunal Constitucional das dúvidas suscitadas a propósito da renovação da iniciativa de proposta de referendo na sessão legislativa actualmente em curso”.

    Juntou cópia do exemplar do Diário da República no qual veio publicada a referida Resolução, cujo texto é o seguinte:

    “A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, apresentar a S. Ex.ª o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

    Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

    Admitido o pedido, os autos foram distribuídos.

    Foi apresentado e debatido o memorando previsto no n.º 2 do artigo 30.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril. Fixada a orientação a seguir, cumpre decidir.

  2. A Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005 resultou da aprovação do projecto de resolução n.º 69/X/1 (publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 50, de 22 de Setembro de 2005, págs. 22-23), apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista, e aprovado, com o texto proposto, em 28 de Setembro.

    Entrado em 15 de Setembro de 2005, o projecto foi admitido e veio a ser objecto do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de 28 de Setembro seguinte, publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 52, de 29 de Setembro.

    O relatório, após recordar os “antecedentes parlamentares”, concluiu no sentido de que “1 – A iniciativa foi apresentada nos termos do artigo 161.º, alínea j), do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – O projecto de resolução tem como objectivo a realização de um referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez”.

    Assim, o relatório terminou afirmando que o projecto preenchia “os requisitos constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate”.

    Contra a admissão do projecto havia sido apresentado recurso pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, subscrito por um seu Deputado, invocando violação das regras constantes do n.º 10 do artigo 115.º e do n.º 4 do artigo 167.º, ambos da Constituição.

    Sobre este recurso foi elaborado o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 22 de Setembro de 2005 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 51, de 24 de Setembro), que se pronunciou no sentido de que o mesmo não tinha “fundamento legal”. O parecer foi debatido e aprovado na reunião plenária de 22 de Setembro (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 48, de 23 de Setembro de 2005, págs. 2197 e segs.) com os votos a favor do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda e os votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista, do Partido Popular e de Os Verdes.

  3. A questão colocada no referido recurso relaciona-se com o facto de, em 20 de Abril de 2005, ter sido aprovada pela Assembleia da República a Resolução n.º 16-A/2005, de 21 de Abril, com o seguinte conteúdo:

    “A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115.º e da alínea j) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, apresentar a S. Exª o Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

    Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?

    O referendo assim proposto não veio, porém, a ser convocado pelo Presidente da República. Em mensagem de 2 de Maio de 2005 (publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 12, de 7 de Maio de 2005), o Presidente da República justificou a sua decisão de não convocação nos seguintes termos:

    “Decidi não convocar o referendo proposto pela Assembleia da República sobre a interrupção voluntária da gravidez porque entendi não estarem asseguradas as condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses.

    Com efeito, face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico, o referendo que me foi proposto teria de ser obrigatoriamente convocado para um domingo no próximo mês de Julho, ou seja, seria necessariamente realizado numa altura em que muitos portugueses já se encontram de férias. Para tal facto alertei antecipadamente os partidos com representação parlamentar.

    Não obstante a importância do referendo enquanto instrumento privilegiado de exercício democrático do poder político, há que reconhecer que, do ponto de vista da participação dos cidadãos, a nossa anterior experiência revelou fragilidades cuja repetição importa prevenir, sob pena de o próprio instituto acabar por ser decisivamente posto em causa.

    Acresce que o tema da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de um referendo de muito escassa participação, mas cujo resultado, se bem que não juridicamente vinculativo e com uma votação muito dividida entre o «não» e o «sim», resultou, na prática, num bloqueio legislativo cuja persistência é cada vez mais discutida. Importa, pois, assegurar que a próxima consulta popular sobre a mesma matéria se realize em condições de significativa participação cívica.

    De resto, a conveniência de realização de um novo referendo é hoje partilhada por um amplo conjunto das forças políticas representadas na Assembleia da República, pelo que a recusa de convocação de que agora dou conta não deve ser interpretada como rejeição política do conteúdo da proposta que me foi apresentada, mas antes como incentivo à realização do referendo em circunstâncias mais adequadas na perspectiva de uma cidadania activa e participada.

    Por último, as dificuldades objectivas que relativamente a esta proposta e à que incide sobre o tratado constitucional europeu tão evidentemente se manifestaram, colocam-nos perante a inadiável necessidade de repensarmos a adequação do conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem a realização dos referendos. Tendo sido desencadeado um processo de revisão constitucional extraordinária, será essa uma oportunidade excelente para correcção prévia dos requisitos e condicionamentos que se têm revelado mais problemáticos ou desajustados.

    Lisboa, 2 de Maio de 2005.

    O Presidente da República, Jorge Sampaio.”

  4. A Resolução n.º 16-A/2005 resultara do Projecto de Resolução n.º 9/X/1, apresentado por um grupo de Deputados do Partido Socialista em 22 de Março de 2005 (publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 4, de 2 de Abril de 2005, págs. 109-110), admitido em 31 de Março e aprovado após relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 20 de Abril de 2005 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 9, de 28 de Abril de 2005, pág. 54 e segs.).

    Note-se, aliás, que este relatório apreciara simultaneamente o Projecto de Resolução n.º 7/X/1, apresentado por um grupo de Deputados do Bloco de Esquerda em 16 de Março de 2005 (e igualmente publicado no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 4, de 2 de Abril de 2005, pág. 107).

    Em relação a ambos os projectos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias concluíra que: “1 – As iniciativas foram apresentadas nos termos do artigo 161.º, alínea j), e do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento. 2 – Os projectos de resolução têm como objectivo a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez”.

    Pronunciara-se, assim, no sentido de que ambos os projectos preenchiam “os requisitos e [encontravam-se] em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate”.

    Verificou-se todavia, que o Projecto de Resolução n.º 7/X/1 veio a ser retirado (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 10, de 21 de Abril de 2005, pág. 395).

    Quanto ao referendo proposto pela Resolução da Assembleia da República n.º 16-A/2005, como se viu já, não foi convocado, por decisão do Presidente da República.

  5. Resulta do disposto no n.º 8 do artigo 115.º e na alínea f) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição, no artigo 11.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e no artigo 26.º da Lei n.º 15-A/98, que cabe ao Tribunal Constitucional “verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos referendos nacionais (...), incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral” (citada alínea f) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição).

    Como se sabe, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional uma...

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