Acórdão nº 669/05 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução06 de Dezembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 669/2005 Processo n.º 818/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A., SA, apresentou reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Juiz do 7.º Juízo Cível do Tribunal Cível de Lisboa, de 1 de Abril de 2004, de não admissão de recurso de inconstitucionalidade por ela interposto da sentença de 8 de Setembro de 2004, que julgara improcedentes os embargos de executado deduzidos na acção executiva que lhe foi movida por B., L.da.

Segundo o requerimento de interposição de recurso e os esclarecimentos prestados na sequência de convite do juiz a quo, o recurso fundava-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC; tinha por objecto o “bloco indissociável” constituído pela sentença de 8 de Setembro de 2004 e pelo despacho de 9 de Fevereiro de 2005, que indeferiu pedido de reforma da anterior sentença; visava a apreciação da inconstitucionalidade – por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) – da “norma do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, no sentido de que, não tendo havido oposição a uma providência de injunção, não é possível ao executado, em sede de oposição à execução decorrente da aposição da fórmula executória por uma entidade não jurisdicional, alegar todos os fundamentos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, questão que teria sido suscitada no requerimento entrado em 28 de Setembro de 2004, onde se pedia a reforma da sentença de condenação exarada em 8 de Setembro de 2004.

O recurso não foi admitido pelo despacho ora reclamado, porquanto – determinando o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC que “cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões em que se aplique norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” – “desde o início do processo que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade” e, “ainda que no requerimento em que a embargante requereu a reforma da sentença tenha alegado a violação de uma norma constitucional, o certo é que, atenta a fase processual em que tal questão foi suscitada, a mesma não foi objecto de qualquer discussão”.

Na reclamação, a reclamante desenvolve a seguinte argumentação:

“A presente reclamação é interposta, ao abrigo do artigo 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, do despacho do M.mo Juiz do 7.º Juízo Cível, 2.ª Secção, do Tribunal Cível de Lisboa, que não admitiu o recurso de constitucionalidade da sentença que julgou improcedentes os embargos, depois mantida após ter sido requerida a sua reforma.

Em sede de reclamação, apenas cabe debruçar-nos sobre os fundamentos de direito de despacho de que se reclama. Este fundamenta-se em que, desde o início do processo, não foi suscitada qualquer inconstitucionalidade, salvo quando foi requerida pela signatária a reforma da sentença sub judice.

E concluir que, não tendo sido discutida a questão no processo, não estava preenchido qualquer dos requisitos previstos n.° 1 do artigo 70.º da LOTC.

É evidente, todavia, que apenas após a prolação da sentença se podia suscitar a questão da inconstitucionalidade a que se reporta o presente recurso, sendo certo que a mesma não era passível de recurso ordinário.

Com efeito, o fundamento do recurso perante o Tribunal Constitucional reside na não concordância com a interpretação da lei, constante da sentença, no sentido de que, não tendo havido oposição a uma providência de injunção, já não é possível, em sede de embargos à execução subsequente determinada por uma entidade não jurisdicional, alegar todos os fundamentos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

É manifesto, porém, que só após se ter conhecimento da decisão final quanto ao processo se poderia suscitar a constitucionalidade da interpretação da lei que em tal local lhe foi dada.

E esta interpretação contém manifestamente um elemento de surpresa face à marcha do processo, pelo que, tal como tem sido jurisprudência desse Tribunal Constitucional, é um dos casos em que se deve admitir o recurso, mesmo à face de questões suscitadas apenas em sede de reforma duma sentença.

Se o Tribunal recorrido entendia que, pelas razões processuais apontadas, os embargos não podiam ser procedentes, afigura-se que tal questão devia ter sido posta e decidida aquando da entrada em juízo da petição inicial dos embargos.

Daí que a questão da inconstitucionalidade da sentença recorrida, nos termos em que é posta no requerimento de recurso, represente um elemento de surpresa face à marcha do processo, pelo que se considera verificado enquadrar-se o recurso na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei no 28/82, pois a questão de inconstitucionalidade foi suscitada na única fase em que tal era possível e razoável.

Deve, por conseguinte, ser admitida a presente reclamação, revogando-se o despacho que não admitiu o recurso e determinando-se o envio do processo para esse Tribunal Constitucional.”

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional emitiu o seguinte parecer:

“A interpretação normativa realizada pelo Tribunal a quo, ao atribuir um efeito preclusivo à não dedução de oposição por parte do requerido no processo de injunção – inibindo-lhe, consequentemente, a utilização, na subsequente execução, dos meios de defesa que poderia ter utilizado naquele procedimento – e aproximando, neste medida, o regime aplicável a tal acção executiva do que está estatuído no artigo 814.° do Código de Processo Civil, relativamente aos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, configura-se como decisão-surpresa que, pelo seu carácter imprevisível, dispensava o recorrente do ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade antes de tal decisão ser proferida.

Verifica-se, porém, que o recorrente – antes de interpor o recurso de constitucionalidade em que tratou de delinear tal questão de constitucionalidade normativa – deduziu pedido de reforma da decisão recorrida, na qual não suscitou – podendo obviamente tê-lo feito – tal questão de constitucionalidade, em termos processualmente adequados.

O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência reiterada, que os incidentes pós-decisórios não constituem instrumento adequado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de inconstitucionalidade normativa. Porém – e referentemente à arguição de nulidade – tem sido entendido que a parte que arguiu de tal vício tem o ónus de, no requerimento respectivo, suscitar as questões de constitucionalidade que se prendam ou conexionem com as normas de que depende a existência da nulidade ou invalidade processual, de modo a que o tribunal, ao apreciá-la, possa pronunciar-se, em primeira linha, sobre a questão de constitucionalidade equacionada pelo interessado (cfr. Acórdãos n.ºs 612/99, 737/98, 185/2001 e 198/2001). Já não será, porém, de exigir à parte que peticione pedido de aclaração a obrigatória suscitação de uma questão de constitucionalidade que lhe não era exigível que tivesse antecipado em momento prévio à prolação da decisão impugnada (Acórdãos n.ºs 74/2000 e 155/2000).

Quid juris quanto a tal ónus no âmbito do pedido de reforma substancial da decisão proferida, alegadamente inquinada por erro manifesto de direito?

No caso dos autos, parece-nos evidente que se não verificavam os pressupostos que condicionam a dedução do pedido de reforma a que alude o artigo 669.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, já que a qualificação jurídica feita pelo julgador não assentava obviamente em qualquer lapso manifesto, mas antes numa opção jurídica – discutível, mas plena e cabalmente fundamentada.

Como é manifesto, em tais circunstâncias, o eventual erro de direito cometido pelo juiz não legitima a utilização daquele meio procedimental – valendo antes, de pleno, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da decisão.

E, deste modo, mesmo que o recorrente tivesse equacionado adequadamente a questão de inconstitucionalidade normativa no âmbito daquele pedido de reforma, o resultado final seria precisamente o mesmo: o juiz nada adiantaria, em termos substanciais, sobre tal questão, por considerar exaurido o seu poder jurisdicional sobre a matéria em causa.

A suscitação de uma questão de constitucionalidade no âmbito de um pedido de reforma, processualmente inadmissível por ostensiva não verificação dos pressupostos tipificados taxativamente nas alíneas a) e b) do artigo 669.° do Código de Processo Civil, carece, pois, de utilidade, não lhe devendo ser atribuído efeito preclusivo, relativamente à colocação da questão no âmbito do próprio recurso para o Tribunal Constitucional.

Ora, tendo o recorrente delineado aí efectivamente tal questão, mostra-se cumprido o ónus que o vinculava, o que, a nosso ver, determinará a procedência da presente reclamação.”

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2. O deferimento da presente reclamação é sustentado pela reclamante e pelo Ministério Público por duas vias diversas: a primeira sustenta que suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa no pedido de reforma da sentença de 8 de Setembro de 2004 e que esse momento se deve considerar ainda adequado para o efeito, por a aludida sentença conter um elemento de surpresa face à marcha do processo; já o representante do Ministério Público entende que nessa peça processual a reclamante não suscitou, de modo adequado, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada, mas que tal é irrelevante, uma vez que, constituindo a decisão recorrida uma decisão-surpresa, se...

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