Acórdão nº 54/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução20 de Janeiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 54/2004 Processo n.º 640/03 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório AUTONUM 1.A. vem recorrer para o Tribunal Constitucional, ?ao abrigo da al. b) [do n.º 1] do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro?, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Maio de 2003, que negou provimento ao recurso que aquele havia interposto da sentença de 20 de Dezembro de 2000, do Tribunal Judicial de Braga, que o condenara pela prática de

?um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, do tipo previsto e punível pelo artigo 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, 30º, n.º 2, e 79º do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos e seis meses, subordinada à condição de pagar à Administração Fiscal, no mesmo prazo, a quantia global correspondente às prestações tributárias e acréscimos legais.?

Segundo o requerimento de recurso, pretende obter-se a

?apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art. 24º do DL n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, bem como do art. 105º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, por violação do disposto nos arts. 8º, n.º 1, 27º, n.ºs 1 e 2, 18º, 63º e 204º, todos da Constituição da República Portuguesa, que o Recorrente suscitou no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães.?

AUTONUM 2.Alegando neste Tribunal, concluiu assim o recorrente

O CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL

A. Todo o edifício de tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal ?assenta no pressuposto (...) que o Estado:

a. ?Adquiriu o direito de propriedade sobre a coisa chamada dinheiro?;

b. ?Confiou essa coisa na mão do abusador, que assim se constituiu em possuidor precário ou detentor?;

c. ?E que este, invertendo o título de posse sobre essa coisa, a fez sua?;

O REGIME PATRIMONIAL DAS RELAÇÕES DE IMPOSTO

1. AS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS DE IVA

1.1 - A constituição das relações tributárias de IVA

B. O sujeito passivo de que o CIVA fala não é o devedor desse imposto. O devedor é o consumidor. O sujeito passivo desempenha um duplo papel em favor do Estado: o de financiador, porque lhe adianta fundos monetários a título gratuito, e o de liquidatário e cobrador de impostos em favor do Estado, actividade que desempenha a titulo gratuito e sob coacção civil e penal;

C. O objecto da relação tributária é a prestação de uma quantia de dinheiro que o Estado exige, a título de imposto sobre o consumo, mas cujo pagamento ou entrega não exige ao consumidor, mas aos agentes que intervêm no processo produtivo. O consumidor é que é o sacrificado com esse imposto, mas não é responsável pelo seu pagamento. Por isso, a prestação paga pelo sujeito passivo é um adiantamento que o Estado lhe exige, por conta dum crédito futuro sobre, em regra, um sujeito indeterminado;

D. O agente que pratica o acto tributário em epígrafe é mais do que agente putativo, pois para além de não ter celebrado qualquer acordo com o Estado para praticar o acto de liquidação do imposto e por isso não foi regularmente empossado, foi também coagido a exercer uma função estatal, que não quis mas a que não pôde furtar-se;

E. O conteúdo ? ou objecto imediato da relação jurídica ? é o conjunto dos direitos e deveres das partes (os sujeitos) da relação jurídica, correspondendo a cada sujeito da relação um dever do outro sujeito;

F. A relação tributária de IVA é uma relação jurídica continuada e duradoura que constitui e extingue através das declarações ? em documento de formato oficial ? de início, alteração ou cessação da actividade;

1.2 - O regime de pagamento dos tributos de IVA ao Estado.

G. O regime de pagamento do IVA demonstra a impossibilidade prática e teórica do crime de abuso de confiança fiscal, relativamente ao não pagamento do IVA;

H. A relação de IVA entre um qualquer agente económico e o Estado desenvolve-se através de operações de débito e crédito, de modo muito próximo do contrato de conta corrente: está aqui em causa o regime de pagamento dos saldos de IVA que o sujeito substituto deve ao Estado, bem como o regime de pagamento do Estado ao sujeito substituto, quando este é credor do Estado..

I. As operações de liquidação do IVA têm um regime formal especial: são obrigatoriamente feitas em documentos (facturas, ou equivalentes); os pagamentos dos saldos são descritos em formato oficial, emitidos previamente pela Administração Fiscal; os prazos de pagamento estão previstos na lei.

J. São, ainda, obrigatoriamente registadas nos livros de comércio do agente económico, previstos no CIVA e no Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21.11, e alterado pelos Decretos-Lei n.º 238/91, de 2.7, e n.º 127/95, de 1.6.

1.3 ? A natureza patrimonial-obrigacional das relações jurídicas de IVA

K. Quer aquando do pagamento a contado quer no pagamento a prazo, a análise das contas 2432, 711 e 11 do POC-Plano Oficial de Contabilidade mostra-nos que o Transmitente não é depositário de IVA: quando recebe o valor de IVA, adquire a propriedade sobre esse dinheiro.

2. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL POR SUBSTITUIÇÃO OU SUBSIDIÁRIA

2.1 - A constituição da responsabilidade patrimonial por substituição ou subsidiária.

L. Os devedores substitutos e subsidiários são aqueles que respondem pelas dívidas do devedor originário, por razões expressas nas leis tributárias, e aqueles que o Estado sujeita à execução da liquidação, cobrança e entrega de tributos devidos por devedores originários;

2.2 ? Incumprimento das obrigações dos devedores substitutos. Consequências patrimoniais.

M. Quando a pessoa colectiva não paga aqueles tributos e a execução contra o seu património se frustrou, no todo ou em parte, por falta absoluta ou parcial de bens penhoráveis, a lei responsabiliza outras pessoas pelo pagamento dessas dívidas.

N. São os administradores, gerentes ou directores os sujeitos que respondem subsidiariamente pelas dívidas contraídas pela pessoa colectiva e respondem, como devedores subsidiários, através de disposições do seu património.

O. A responsabilidade do devedor subsidiário constituiu-se pela via da reversão, e funda-se na culpa do responsável (artºs 23º e 24º da L.G.T.): mas aquele não é o devedor principal ou directo, pois que a sua relação com a Administração Fiscal não é uma relação patrimonial-obrigacional; é uma relação de confiança.

P. A responsabilidade subsidiária não decorre pois de incumprimento obrigacional mas da violação da confiança que o responsável mereceu. É por isso uma responsabilidade extra-contratual.

Q. Assim sendo, o incumprimento do devedor não é imputável ao responsável subsidiário. A este só pode ser imputável a causa da insuficiência do património e a culpa pela ocorrência dessa causa; ou seja, ao responsável...

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