Acórdão nº 70/04 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução28 de Janeiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 70/2004

Proa. n.º 57/03

Plenário

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 - Requerente e pedido

O PROVEDOR DE JUSTIÇA, usando os poderes conferidos pelo art. 281º, n.º 2, alínea d) da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu a declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas dos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 32º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003).

Estas normas são do seguinte teor:

Artigo 32.º Taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos

1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis no continente aos produtos indicados no n.º 2 são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia e terão em consideração os diferentes impactes ambientais de cada um dos combustíveis, favorecendo gradualmente os menos poluentes.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos seguintes intervalos:

Produto

Código NC

Taxa do ISP

(valores em euros)

Mínima

Máxima

Gasolina com chumbo

2710 11 51 a 2710 11 90

548,68

548,68

Gasolina sem chumbo

2710 11 41 a 2710 11 49

287,00

518,75

Petróleo

2710 19 21 a 2710 19 29

245,00

339,18

Petróleo colorido e marcado

2710 19 21 a 2710 19 29

18,00

149,64

Gasóleo

2710 19 41 a 2710 19 49

245,00

339,18

Gasóleo colorido e marcado

2710 19 41 a 2710 19 49

18,00

149,64

Fuelóleo com teor de enxofre superior a 1%

2710 19 63 a 2710 19 69

13,00

34,92

Fuelóleo com teor de enxofre inferior ou igual a 1%

2710 19 61

13,00

29,93

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na ilha de São Miguel aos produtos a seguir indicados são fixados por resolução do Conselho do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:

Produto

Código NC

Taxa do ISP

(valores em euros)

Mínima

Máxima

Gasolina com chumbo

2710 11 51 a 2710 11 90

548,68

548,68

Gasolina sem chumbo

2710 11 41 a 2710 11 49

287,00

518,75

Petróleo

2710 19 21 a 2710 19 29

49,88

199,52

Gasóleo

2710 19 41 a 2710 19 49

49,88

299,28

Gasóleo agrícola

2710 19 41 a 2710 19 69

18,00

199,52

Fuelóleo com teor de enxofre superior a 1%

2710 19 63 a 2710 19 69

0,00

34,92

Fuelóleo com teor de enxofre inferior ou igual a 1%

2710 19 61

0,00

29,93

4 - Para efeitos do disposto no artigo 76.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na Região Autónoma da Madeira aos produtos referidos no n.º 2 são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos intervalos fixados no mesmo número.

.

2 - Fundamentos do pedido

O requerente considera que as normas questionadas – relativas à fixação da taxa do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (doravante ISP) – violam o disposto nos artigos 165º, n.º 1, alínea i), 103º, n.º 2, e 112º, n.º 6, da Constituição.

Fundamentando tal asserção, o requerente aduz, em síntese, o seguinte:

  1. De harmonia com o disposto no artigo 73º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais de Consumo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, doravante CIEC), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 38º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, “os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos aplicável às gasolinas, aos gasóleos, aos petróleos e aos fuelóleos, são fixados, para o continente, tendo em consideração o princípio da liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pela lei do Orçamento do Estado”.

    E assim – à semelhança do que fizeram sucessivos Orçamentos anteriores e, já antes, o artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/94, de 18 de Maio, entretanto revogado pelo CIEC – o artigo 32º, n.º 1, da Lei n.º 32-B/2002 veio dispor que os valores das taxas unitárias em causa, no continente, “são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia”, o que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, será feito dentro dos intervalos nele estabelecidos.

    Da mesma forma se passam as coisas, segundo o previsto nos artigos 75º e 76º do CIEC, com a fixação das referidas taxas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira – sendo que essa fixação, dentro dos intervalos mencionados, é aí feita, no primeiro caso, por portaria do membro competente do Governo Regional e, no segundo, por resolução do Conselho do Governo Regional - cfr. os n.os 3 e 4 ainda do artigo 32º.

    Porque, entretanto, o ISP passou a estar estruturado de acordo com as obrigações decorrentes da Directiva 92/82/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro, os limites mínimos das suas taxas, a fixar em valor absoluto, corresponderão, hoje, às orientações definidas pela legislação comunitária, enquanto os limites máximos serão estabelecidos pelo Governo, nos termos mencionados [arts. 1º a 3º e 10º a 16º do req. inicial].

  2. Não está em causa a legitimidade dos objectivos prosseguidos com a solução legal questionada (do estabelecimento de limites mínimos e máximos das taxas), seja (segundo o próprio artigo 32º da Lei n.º 32-B/2002) o de concretizar uma orientação geral de favorecimento gradual dos produtos menos poluentes, seja o de assegurar a prossecução de uma política de estabilidade de preços (como tem sido assumido por sucessivos governos).

    O cumprimento de tais objectivos, de resto, sempre se mostrará viável através de soluções que não desrespeitem os normativos constitucionais em matéria de fixação de impostos – como, por exemplo, a de «fazer variar o montante do imposto em termos inversos à evolução dos demais custos que contribuem para o preço dos produtos petrolíferos» (para assegurar a estabilidade dos preços), ou a de fixar «limites de variação quantitativamente bem diferenciados» (isto no âmbito da concretização do desiderato referido no artigo 32º citado, mas com o que também se propiciará uma possível aproximação em cada momento à evolução do custo da matéria-prima nos mercados mundiais).

    O que está em causa é o que os mecanismos de fixação da taxa do ISP nos moldes em que agora estão previstos (e, de resto, desde que se optou por esta solução legal) brigam com tais normativos [arts. 4º a 8º e 16º do req. inicial].

    c) Com efeito:

    Do princípio da legalidade em matéria fiscal decorrem – como escreve J. Casalta Nabais, em Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Editorial Notícias, 1993, pp. 265 e 266 – dois sub-princípios: o «princípio da reserva de lei formal, que implica a reserva à lei ou ao decreto-lei autorizado da matéria fiscal referenciada» (na Constituição); e o «princípio da reserva material ou conteudística», ou «princípio da tipicidade», o qual impõe que «a lei ou o decreto-lei autorizado contenha a disciplina completa da matéria reservada».

    Estes princípios estão hoje consagrados, respectivamente, no artigo 165º, n.º 1. alínea i), e no artigo 103º, n.º 2, da Constituição – sendo que, neste último, se lê que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

    Assim, e na lição do mesmo Autor, «quanto aos elementos dos impostos a reservar à lei, estão aí incluídas as normas que definem o an e o quantum dos impostos», «o que se reconduz à definição normativa: 1) do facto ou situação que dá origem ao imposto (…); 2) dos sujeitos activos e passivos (…); 3) do montante do imposto (…); 4) dos benefícios fiscais» [sublinhado do requerente]. Nisso – acrescenta ainda o mesmo Autor – a reserva «não se fica pelos princípios ou bases gerais», mas «compreende antes toda a disciplina normativa», a qual «não pode ser assim deixada para regulamentos ou para a acção discricionária da Administração».

    No mesmo sentido se pronunciam Gomes Canotilho/Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista e actualizada, 1993, pp. 458 e 459 – começando por sublinhar, entretanto, que, se o artigo 165º, n.º 1, quanto à reserva da Assembleia da República, fala apenas em “criação de impostos”, deve entender-se, contudo, que nessa expressão «estão abrangidos todos os elementos referidos no n.º 2 do artigo 106º» (hoje, artigo 103º, n.º 2). E assim – dizem expressamente – «não pode deixar de considerar-se como constitucionalmente excluída a possibilidade de a lei conferir às autoridades administrativas (estaduais, regionais ou locais) a faculdade de fixar dentro de limites legais mais ou menos abertos, por exemplo, as taxas de determinados impostos».

    E o mesmo (que a taxa tem de ser fixada directamente pelo legislador) di-lo Nuno Sá Gomes (Manual de Direito Fiscal, volume II, Rei dos Livros, 1999, p. 77), quanto aos impostos estaduais – recordando o diferente teor, a esse respeito, da actual Constituição e da Constituição de 1933, pois que esta última «apenas exigia a fixação legal dos limites da taxa».

    Por outro lado, também na jurisprudência do Tribunal Constitucional se refere que os artigos 165º, n.º 1, alínea i), e 103º, n.º 3, da Constituição devem ser lidos conjugadamente (v., p. ex., Acórdão n.º 295/87); e se aponta como um dos momentos em que se desdobra o princípio da legalidade tributária o de que «a lei deve determinar especificadamente os elementos fundamentais ou essenciais de cada imposto (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias concedidas aos contribuintes)» (Acórdão n.º 57/95).

    Assim, e de acordo com a orientação doutrinária e jurisprudencial exposta, a fixação da taxa do ISP pelo modo antes indicado (por portaria ministerial ou portaria ou resolução governamental regional), «efectuada dentro de um intervalo balizado entre valores mínimos e máximos excessivamente amplos potenciador, por exemplo, quanto à gasolina sem chumbo e relativamente ao ano de 2003, de uma variação entre 287,00 e 518,75/1000 litros, ou...

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