Acórdão nº 144/04 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução10 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 144/2004

Proc. nº 566/2003

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. foi condenada pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo na pena de um ano de prisão, suspensa por dezoito meses mediante a condição de entregar à instituição ?B.? a quantia de ? 1.500,00 (mil e quinhentos euros) pela prática de um crime de lenocínio previsto e punido no artigo 170º, nº 1, do Código Penal. Dessa decisão recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Guimarães, invocando, entre o mais, que o artigo 170º, nº 1, do Código Penal, é inconstitucional por ?limitar e condicionar a consciência pessoal e a liberdade de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho?, violando os artigos 41º, nº 1 e 47º, nº 1, da Constituição.

    O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, em resposta ao recurso sustentou a não inconstitucionalidade do referido artigo 171º do Código Penal, concluindo o seguinte:

    ? o crime de lenocínio não pune a própria prática da prostituição, mas sim toda aquela conduta que fomenta, favorece e facilita tal prática, com intenção lucrativa ou profissionalmente;

    ? a ser assim, não viola o art. 171.º do CP qualquer normativo constitucional, mormente os arts. 41.º e 47.º da CRP invocados pela recorrente;

    ? ao condenar a arguida em pena de prisão, suspensa na sua execução, mas subordinada ao cumprimento de um dever, o Mmo. Juiz a quo teve em conta as finalidades da punição, atendendo, no presente caso, à protecção da própria pessoa que se dedica à prática da prostituição e que acaba por ser explorada por outrem;

    ? pelo exposto, entendemos que bem andou o Mmo juiz ao condenar a arguida da prática do crime pelo qual vinha acusada devendo, pois, negar-se provimento ao recurso e manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

    O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães juntou parecer nos termos do qual o recurso não merecia provimento, afirmando, no que concerne à questão de constitucionalidade suscitada, que ?o que está em causa não é a liberdade de escolha da profissão, a não ser que seja profissão viver à custa de outras pessoas, nomeadamente explorando a sua prostituição ...?.

    O Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou o recurso, expressando-se do seguinte modo sobre a questão de constitucionalidade:

    Seja qual for o bem jurídico tutelado na norma em apreço, a conclusão que a recorrente formula está sempre errada. Pela simples razão de que, em qualquer circunstância, é censurável - ética e juridicamente censurável - o aproveitamento intencionalmente lucrativo de uma determinada condição de outra pessoa e em especial da prostituição.

    Não se trata de um mero exercício comercial, com sinalagmatismo de prestações: trata-se, isso sim, de uma actividade que viola valores da comunidade e concepções ético-sociais dominantes e que assim se manterá, seja qual for a solução que se vier a tomar sobre o problema social em causa, enquanto tal actividade fomentar, favorecer ou facilitar a degradação pessoal de um indivíduo.

    Para a recorrente, ao menos em matéria sexual, não existe uma teoria constitucional dos direitos fundamentais: a sua regra é a do ?vale tudo?!

    Ora, ao contrário do que pensa, os direitos fundamentais não têm autonomia individual, em que é o indivíduo que decide ou não do seu uso, sem qualquer controle do seu valor ou desvalor pelo Direito (Teorias Liberais), mas antes são opções constitucionais de valor (Teorias dos Valores), traduzidas em princípios objectivos que elegem sentimentos comunitariamente estabelecidos e onde a liberdade individual apenas se realiza pela conformação com tais sentimentos, controlada pelo Direito.

    Como diz o Sr. Procurador da República-Adjunto, ?o preceito não pune a prostituição!. Esta é ainda uma profissão livre! O que se pune é o fomentar, o favorecer ou o facilitar o exercício da prostituição, profissionalmente ou com intencão lucrativa?.

    Ou como realça o Sr. Procurador-Geral Adjunto, para quem não é para condutas como a da arguida que a Constituição dá liberdade de escolha de profissão: ?...o que está em causa não é a liberdade de escolha da profissão, a não ser que seja profissão viver à custa de outras pessoas, nomeadamente explorando a sua prostituição?.

    Aliás, a seguir-se a concepção de liberdade de escolha que a recorrente propõe, a Mafia, em geral, ou, em especial, as actuais ?Mafias de Leste?, que vivem da exploração de parte dos salários de imigrantes, devem ser consideradas como altruístas ?Centros de Emprego?!

    A elaboração da recorrente é mais que bizarra, como lhe chama o Sr. PGA, é reveladora do enorme desvalor (a ?consciência pessoal? que a arguida invoca) que ela tem pelas pessoas que lhe proporcionavam o ganho desonesto e que, afinal, nem terá sido devidamente ponderado para a medida da pena e para a ponderação do benefício da suspensão da sua execução.

    É que, e com isto se aborda a segunda questão levantada no recurso, a condição imposta emerge exactamente de um benefício que o Mmo Juiz resolveu dar à arguida e cuja fundamentação não carece de ser expressa.

    Assim sendo, e considerando também a natureza do crime em apreço e os proventos presumidos, é natural que se lhe impusesse um relativo ónus.

    Afinal, considerando, pelo menos, duas profissionais, a uma média de cinco relações sexuais por dia, em escassos seis dias a arguida ?ganhava? os ? 1.500,00!

  2. Em face do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, veio a arguida recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando a inconstitucionalidade da norma contida no nº 1 do artigo 170º do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 48/95 e pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro.

    Tendo sido determinado por despacho da Relatora que alegasse, veio a recorrente apresentar as suas alegações sustentando o seguinte:

    Entramos, pois, no campo da moralidade e do pudor.

    Modestamente entendemos (e nisso não estamos sós, veja-se a propósito as considerações do Prof. Figueiredo Dias, citado no...

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