Acórdão nº 231/04 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 231/04 Proc. n.º 247/87 Plenário

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I

  1. Em 15 de Junho de 1987, o Ministério Público propôs no Tribunal Constitucional, contra o partido político Força de Unidade Popular ? FUP, com sede central na Rua -------------------------------, em Lisboa, a presente acção de extinção com processo ordinário, ao abrigo do disposto no artigo 21º, alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, pedindo que fosse decretada a respectiva extinção e ordenado o cancelamento da inscrição do partido no registo dos partidos políticos existente no Tribunal Constitucional.

    Como preliminar desta acção, o Ministério Público instaurara no Tribunal Constitucional, em 9 de Abril de 1987, um procedimento cautelar (cfr. processo n.º 86/87, deste Tribunal) em que requeria, ao abrigo do artigo 399º do Código de Processo Civil, que fosse decretado o encerramento de todas as sedes do mencionado partido político que se encontrassem abertas, a proibição de reabertura das sedes que se mantivessem encerradas, bem como a proibição de abertura de novas sedes. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/87, de 14 de Maio (a fls. 273 e seguintes do referido processo n.º 86/87), vieram tais providências a ser efectivamente decretadas.

    Com a petição inicial da presente acção de extinção de partido político, foram juntos 4 documentos:

    1. Certidão do acórdão do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, de 20 de Maio de 1987, proferido nos autos de querela n.º 23/85 (Documento n.º 1, a fls. 23 e seguintes);

    2. Certidão dos documentos apreendidos em 19 de Junho de 1984 ao réu A. nos mencionados autos de querela (Documento n.º 2, a fls. 270 e seguintes);

    3. Certidão de fotocópias das transcrições dactilografadas desses documentos apreendidos (Documento n.º 3, a fls. 387 e seguintes);

    4. Certidão de outras fotocópias dessas transcrições (Documento n.º 4, a fls. 702 e seguintes).

    Alegou o Ministério Público, na petição inicial, que o fim real do partido réu seria ilícito e contrário à ordem pública, tendo sido sistematicamente prosseguido por meios ilícitos e contrários à ordem pública. Tal conclusão resultaria, segundo o Ministério Público, dos seguintes factos:

    ?[...]

    1. O partido réu requereu, em 28 de Julho de 1980, a sua inscrição como partido político, no competente registo ao tempo existente no Supremo Tribunal de Justiça (e que transitou para este Tribunal Constitucional, por força do artigo 107º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), o que foi deferido por despacho de 31 de Julho de 1980 do Presidente daquele Supremo Tribunal ? fl. 1 e 5 do processo n.º 26-P.P. deste Tribunal Constitucional.

    2. O requerimento de inscrição foi acompanhado, como impõe o n.º 4 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 595/74, dos «Estatutos Provisórios» do partido, que indicavam como seus princípios e objectivos fundamentais ?promover a unidade popular no seio do povo português para a construção do Socialismo? e ?praticar a solidariedade com todos os povos do mundo que lutam pela sua libertação e pelo Socialismo? (artigo 3º), e como órgãos dirigentes a nível nacional o Conselho Nacional, o Conselho Político e o Gabinete Executivo (artigo 6º) ? fls. 2 e 3 do aludido processo n.º 26-P.P.

    3. Conforme consta do acórdão de 20 de Maio de 1987 do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, proferido no processo de querela n.º 23/85 (documento n.º 1), foi dado como provado que a ideia de criação do partido réu foi lançada por A., em 30 de Janeiro de 1980, e concretizada em 28 de Março seguinte através de um acordo constitutivo subscrito pelo mesmo A., por representantes do M.E.S., O.U.T., P.C.(m-l)P., P.C.P.(R), P.R.P., U.C., U.D.P. e quatro independentes (fls.118 v.º do doc. n.º 1).

    4. A criação do partido réu insere-se no desenvolvimento de um plano, designado por «Projecto Global» engendrado em finais de 1979 e começos de 1980 por diversas entidades, agrupadas entre si de livre vontade, agindo concertadamente, de forma articulada e estruturada, continuada no tempo, mediante a inserção em estruturas próprias (fls.115 v.º do doc. n.º 1).

    5. Esse «Projecto Global» tinha como finalidades, entre outras, criar condições que permitissem aos seus integrantes, a prazo e mediante a insurreição armada, tomar o poder e instalar o poder popular através da institucionalização do que designavam por democracia directa e basista, e subverter o funcionamento das instituições do Estado consagradas na Constituição, pois tal se trata de uma das condições adequadas à referida insurreição armada (fls. 115 v.º do doc. n.º 1).

    6. O «Projecto Global» estava estruturado com quatro componentes:

      ? a componente da organização política de massas ? «OPM»;

      ? a componente civil armada ? «ECA»;

      ? a componente dos quartéis ? «Q»;

      ? a componente individual ? «O», «OSCAR» ou «UNIDADE» (fls. 120 v.º do doc. n.º 1).

    7. A componente individual era personalizada por A., como elemento aglutinador, e, na fase inicial do Projecto, como motivação e garantia da viabilidade desse Projecto Global (fls. 121 v.º do doc. n.º 1).

    8. A componente «quartéis» era constituída por militares do quadro permanente (Q.P.) e do quadro não permanente (Q.N.P.), oficiais, sargentos e praças, estruturada organicamente com uma direcção nacional, direcções regionais e de zona (fls. 121 v.º do doc. n.º 1).

    9. A componente civil armada, internamente designada por ECA, considerada como o embrião do exército revolucionário, tinha na base grupos constituídos por vários elementos actuantes (também designados por equipas de intervenção ou «comandos»), com um ou vários responsáveis por zona e por sector, órgãos regionais de direcção e um órgão de cúpula ? a Direcção Militar (também conhecida por DIMA); as acções violentas e armadas desta componente foram publicamente reivindicadas com a designação «Organização FP ? 25 de Abril» (fls. 121 do doc. n.º 1).

    10. A componente «OPM» (organização política de massas) foi integrada de início pela OUT; posteriormente, houve nesta componente a coexistência da OUT e da FUP (num período em que os dirigentes de ambos os agrupamentos políticos eram os mesmos, reunindo-se ora sob a sigla OUT ora sob a sigla FUP); finalmente, após um processo de discussão interna de cerca de três anos, vem a ser a FUP o partido político que constitui a componente legalizada que aparece no Projecto Global como OPM (fls. 120 v.º do doc. n.º 1).

    11. A OUT («Organização Unitária de Trabalhadores») foi criada em Congresso realizado, em Abril de 1978, na Marinha Grande, e principalmente dinamizado pelo PRP («Partido Revolucionário do Protelariado»), que visava o alargamento da sua base de apoio e se dissolveria na nova Organização (fls. 117 v.º do doc. n.º 1).

    12. Nas resoluções aprovadas em plenário nesse Congresso (declaração de princípios, bases programáticas, programa de luta imediata e estatutos) refere-se a violência revolucionária armada ? e a criação do exército popular (significando a criação e desenvolvimento de um exército de civis armados, com material de guerra e outro) como forma adequada à conquista do poder (fls. 117 v.º do doc. n.º 1).

    13. Foi neste contexto que foi criado o partido réu, tendo o então dirigente da OUT, B., sido imposto por A. para integrar o Gabinete Executivo da FUP, sendo os demais membros deste órgão personalidades independentes (fls. 118 v.º do doc. n.º 1).

    14. O dia 20 de Abril de 1980 marca o início da actividade pública da componente ECA (FP-25), quando esta, através de elementos seus e de elementos da OUT, aos quais pedira colaboração, fez explodir por vários locais do país cargas explosivas: cerca de cem petardos, difundindo simultaneamente o seu manifesto ao povo trabalhador, donde constam os seus propósitos, publicitando-se como «Forças Populares 25 de Abril ? FP-25» e reivindicando a acção; entre os propósitos anunciados contam-se o de avançar organicamente com um exército revolucionário, o de enquadrar militarmente as massas trabalhadoras no assalto ao poder da burguesia, o de responder revolucionariamente a toda a repressão contra os trabalhadores, e o de proceder ao que designam por «recuperação de fundos e material logístico» (fls. 119 do doc. n.º 1).

    15. Seguem-se-lhe diversas acções violentas:

      ? em 5 de Maio de 1980, assaltos às filiais do Banco C. e do D., no C-----------, donde são subtraídos, pela força de armas de guerra, 5.141.982$00, e é voluntariamente assassinado um 1º cabo da Guarda Nacional Republicana ? acção reivindicada pela Organização «ECA/FP-25»;

      ? em 9 de Maio de 1980, em B----------, foi encontrado um engenho explosivo dentro de um contentor de lixo;

      ? em 13 de Maio de 1980, três elementos da organização «ECA/FP-25» cometem, em A---------, os factos descritos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 1983, publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 327, pág. 458, tendo sido voluntariamente assassinado um soldado da Guarda Nacional Republicana (fls. 119 e v.º do doc. n.º 1).

    16. Face a esta série de acções violentas, elementos do Gabinete Executivo da FUP, não oriundos do PRP/OUT, exigiram que houvesse uma demarcação pública da FUP em relação às FP-25, o que gerou discussão interna na FUP, tendo, no entanto, em 16 de Maio de 1980, em conferência de imprensa, sido divulgado um comunicado com esse objectivo (fls. 120 do doc. n.º 1).

    17. Nessa época ? Maio de 1980 ? a componente ECA/FP-25 e a organização OUT estavam em sintonia no que concerne às finalidades do «Projecto Global», situação que era desconhecida dos restantes elementos que constituíram o então executivo da FUP oriundos de outros partidos que não da OUT e do PRP, os quais, porém, acabariam por abandonar a FUP (fls. 120 do doc. n.º 1).

    18. Verificado o abandono dos elementos não oriundos da OUT PRP, a FUP ficou reduzida aos elementos da OUT/PRP e veio a ficar em sintonia completa com a componente ECA/FP-25 que concerne às finalidades do «Projecto Global» (fls. 120 do doc. n.º 1).

    19. Para a concretização destas...

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