Acórdão nº 232/04 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 232/2004

Proc. n.º 807/99

Plenário

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

A – O relatório

1 - Requerente e pedido

O PROVEDOR DE JUSTIÇA, usando os poderes conferidos pelo artigo 281º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 25º, n.º 2, alínea c), 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e 125º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, 97º do Código Penal, na versão actualmente vigente, 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Estas normas são do seguinte teor:

A - Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto:

Artigo 25.º Interdição de entrada

2 - Será igualmente interditada a entrada em território português aos estrangeiros indicados para efeitos de não admissão na lista nacional em virtude de:

a) ...

b) ...

c) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano.

.

Artigo 101º

Pena acessória de expulsão

1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão:

a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão;

b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão;

c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.

2 – A pena acessória de expulsão pode igualmente ser aplicada ao estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

.

Artigo 125º

Violação da decisão de expulsão

1 - ...

2 – Em caso de condenação, o tribunal decretará acessoriamente a expulsão do estrangeiro.

.

B - Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março:

Artigo 97º

Inimputáveis estrangeiros

Sem prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional, em termos regulados por legislação especial.

.

C – Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março:

Artigo 68º

Pena acessória de expulsão

1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada pena acessória de expulsão:

a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão;

b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 5 anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão;

c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 5 anos e menos de 20 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.

.

D – Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro:

Artigo 34º

Expulsão de estrangeiros e encerramento de estabelecimento

1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 48º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.

.

2 - Fundamentos do pedido

Fundamentando o seu pedido, alega o requerente:

1.º

O Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.

2.º

No seu art.º 25.º estabelecem-se os termos em que deve ser negada a entrada a cidadãos estrangeiros em território nacional, elencando-se no n.º 2 várias causas de inscrição na lista nacional de não admissão.

3.º

De entre as várias causas aí especificadas, realço a descrita na alínea c), mandando interditar a entrada em Portugal (e consequentemente no chamado Espaço Schengen) a quem tenha sido condenado em pena de prisão não inferior a um ano.

4.º

A inscrição na lista de não admissão e consequente interdição de entrada é automática, não prevendo a norma qualquer ponderação.

5.º

Esta consequência automática de uma decisão que não procedeu à valoração expressa da sua adequação e proporcionalidade colide frontalmente com a disposição do art.º 30.º, n.º 4, da Constituição, segundo a qual “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.”

6.º

Em anotação a este normativo constitucional referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 198) “o que se pretende é proibir que à condenação em certas penas se acrescente de forma automática, mecanicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei, uma outra pena daquela natureza”.

7.º

E fazem notar ainda os mesmos autores que “a teleologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente e impedir que, de forma mecânica, sem atender aos princípios de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (cfr. Acs. TC n.º 16/84, 91/84, 310/85, 75/86, entre outros)”.

8.º

E, como muito bem, tem decidido o Tribunal Constitucional em vários acórdãos, os efeitos das penas traduzem-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de Direito democrático, designadamente reserva judicial, princípio da culpa, proporcionalidade da pena, etc. (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 127/84 e 16/84).

9.º

Ora, no caso vertente, faz-se corresponder à aplicação de uma pena de prisão com um mínimo de certa duração a privação do direito, mesmo observadas que estejam as condições legais, de entrar em Portugal.

10.º

Julga-se clara a contradição entre o efeito jurídico desta norma e a norma prevista no art.º 30.º, n.º 4, da Constituição, redundando numa inconstitucionalidade material.

11.º

A respeito de norma que impunha a expulsão automática de cidadão estrangeiro condenado em pena de certa duração, o hoje revogado art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 264-B/81, de 3 de Setembro, e da sua inconstitucionalidade face ao teor do art.º 30.º, n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982, veja-se o que escreveu o Professor Doutor Figueiredo Dias, no seu Direito penal português. As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, §§ 225 e 226.

12.º

Algumas dúvidas suscita-me a alínea a) do mesmo art.º 25.º, n.º 2, mas julgo possível interpretar essa norma como apenas aplicável durante o período em que tenha sido decretada judicialmente a interdição de entrada, não podendo ser consequência perpétua ou de duração indefinida da pena de expulsão.

[...]

13.º

As alíneas a), b), e c), do n.º 1, e n.º 2 do art.º 101º, do citado Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, prevêem de modo genérico a possibilidade de ser aplicada a pena acessória de expulsão, no primeiro caso quanto a estrangeiros não residentes, no segundo quando possuam residência em Portugal há menos de 4 anos, no terceiro quando essa permanência seja entre 4 e 10 anos e na quarta norma identificada quando a residência ultrapasse esse limite.

14.º

Faço notar que a lei utiliza como definição de residente, segundo o art. 3.º do mesmo diploma, aquele estrangeiro que esteja habilitado com título válido de residência em Portugal, sendo fácil verificar que esse condicionalismo jurídico pode ser, e geralmente será, desmentido no plano dos factos por uma permanência mais ou menos longa como imigrante dito ilegal.

15.º

O art.º 125.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 244/98, prescreve como consequência necessária do crime de violação de decisão de expulsão a aplicação de pena acessória de expulsão.

16.º

O art.º 97.º do Código Penal, na versão actualmente vigente, permite a substituição da medida de internamento a inimputável de nacionalidade estrangeira pela medida de expulsão.

17.º

O art.º 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece, no tocante aos tipos penais contidos nesse diploma, a possibilidade de ser decretada a expulsão caso se trate de cidadãos estrangeiros.

18.º

O acórdão do Tribunal Constitucional 181/97 julgou inconstitucional esta última norma por entender que a mesma, em raciocínio que se acompanha, viola as normas dos arts. 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, na medida em que seja aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional.

19.º

O art.º 125.º, 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 244/98, também foi julgado inconstitucional pelo acórdão do Tribunal Constitucional 470/99, em aplicação de raciocínio análogo ao contido no acórdão 181/97.

20.º

Na verdade, aplicar uma pena de expulsão a quem tenha consigo a coabitar filhos menores de nacionalidade portuguesa implica, na provável maioria das situações, a saída forçada de território nacional desses cidadãos portugueses.

21.º

Não me parece lícito praticar aqui a especiosidade de lembrar que não há um acto jurídico de expulsão nem tão pouco ficam esses menores impedidos de reentrar em território português.

22.º

Julgo que aqui como na generalidade da interpretação do Direito há que atentar com mais acuidade na materialidade subjacente ao âmbito de protecção da norma, bastando para se considerar como violado o art.º 33.º, n.º 1, da Constituição, a prática de actos por parte do Estado de que resulte a saída compulsória de cidadãos do país.

23.º

No caso vertente, na esmagadora maioria das situações o progenitor expulso tenderá a levar consigo a sua família, nem sequer se podendo falar, a respeito dos menores, num acto voluntário, ainda que inquinado pela coacção exercida pelas circunstâncias, de exílio.

24.º

O facto de se tratar de filhos menores, dependentes economicamente, reforça a necessidade do seu afastamento do país, em nada se permitindo diferenciar a...

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