Acórdão nº 268/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução20 de Abril de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 268/04 Proc. n.º 818/03 1ª Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Na presente acção de reconhecimento do direito de propriedade sobre um imóvel que a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de A. moveu contra a Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de B., o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 12 de Dezembro de 2002 (fls. 2167 e seguintes), concedeu provimento ao agravo interposto pela autora da decisão do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de ---------------- que, por falta de autorização do Ordinário Diocesano para propor a acção, suspendera a instância para que a autora obtivesse tal autorização, sob pena de absolvição da ré da instância.

  2. Inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a B., ré na acção, dele interpôs recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na violação das regras de competência internacional e em razão da matéria (fls. 2183). Nas alegações respectivas (fls. 2199 e seguintes), concluiu do seguinte modo:

    “[...]

  3. Ao decidir que «é indiscutível a competência do tribunal português para conhecer da acção – art. 65°-A a) e d) do Código de Processo Civil», o acórdão recorrido violou o art° III da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé, que diz que a Igreja em Portugal se organiza livremente de harmonia com as normas de direito canónico;

  4. De harmonia com as normas do direito canónico, a Igreja Católica em Portugal dispõe de uma organização judiciária própria, a dos tribunais eclesiásticos;

  5. O julgamento das acções de reivindicação de propriedades da Igreja Católica propostas por uma pessoa jurídica da Igreja contra outra pessoa da mesma Igreja [é] da competência dos tribunais eclesiásticos, nos termos dos cânones 1400, § 1, n° 1, 1401, n° 2, 1410 e 1419, § 2, do Código de Direito Canónico, e não dos tribunais do Estado Português;

  6. O art° III da Concordata, como direito internacional convencional que é, tem primazia sobre o art° 65°-A do Código de Processo Civil e afasta a aplicação deste, nos termos do art° 8°, nº 2, da Constituição da República;

  7. A tutela da autoridade eclesiástica sobre as misericórdias, como instituições da Igreja Católica que são, pertence ao ordinário diocesano, nos termos do art° 48° do Estatuto das IPSS, aprovado pelo Decreto-Lei n° 119/83, de 25 de Fevereiro, com exclusão da tutela jurisdicional dos tribunais do Estado Português, que são incompetentes para julgar conflitos das misericórdias dentro da própria Igreja Católica (conflitos internos);

  8. Os tribunais do Estado Português são apenas competentes para julgar as questões previstas no art° 7° do Decreto-Lei n° 519-G2/79, de 29 de Dezembro, mantido em vigor pelo art° 98°, al. b), do Estatuto das IPSS, mas não abrangendo as causas das misericórdias, de harmonia com o acórdão do STJ de 11.7.1985, Procº 72 890;

  9. Se se interpretar o art° 65°-A, als. a) e b) do Código de Processo Civil no sentido de este preceito atribuir competência exclusiva aos tribunais portugueses para julgarem acções de reivindicação de bens patrimoniais da Igreja Católica propostas por uma pessoa jurídica da Igreja Católica contra outra pessoa jurídica da mesma Igreja, então essa interpretação normativa é inconstitucional por violação do disposto no art° 41°, nº 4, da Constituição da República (princípios da separação do Estado da Igreja Católica e da não confessionalidade do Estado).

    [...].”

    A recorrida A. contra-alegou (fls. 2215 e seguintes), tendo, entre o mais, concluído que “[a]o contrário do [...] invocado pela ora Recorrente, seria a não aplicação do disposto nas als. a) e d) do art. 65º-A do CPC nos presentes autos – as quais, em função dos pedidos neles formulado, consagra a competência exclusiva do Tribunal Português –, que violaria a Constituição Portuguesa” (fls. 2225).

    O representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, no parecer que emitiu (fls. 2331 e seguintes), sustentou, entre o mais, que “[...] parece manifesto que a competência dos tribunais portugueses para decidir de pedido sobre questões patrimoniais e registrais não confronta, em qualquer dimensão, o princípio da não ingerência do Estado na organização das Igrejas e no exercício das suas funções e do culto, garantido na segunda parte do n.º 4 do art. 41º da Constituição” (fls. 2332).

    A recorrente B. respondeu a este parecer (fls. 2340 e seguintes).

  10. Por acórdão de 30 de Setembro de 2003 (fls. 2347 e seguintes), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo, podendo ler-se no texto respectivo, para o que aqui releva, o seguinte:

    “[...]

    São vários os interesses que podem ser ponderados na consagração legislativa da competência exclusiva. A análise do art. 65°-A mostra que, para o legislador português, relevou fortemente a protecção dos interesses económicos nacionais. São estes que justificam a competência exclusiva dos tribunais portugueses para as acções relativas a direitos reais sobre imóveis (propriedade fundiária e bens de produção, nomeadamente) sitos em território português (art. 65°-A, al. a)) [...].

    [...].

    Além de na Concordata, único instrumento jurídico vinculante de ambos os Estados, a Igreja ter reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes, apenas, o conhecimento das causas concernentes à nulidade do casamento católico e dispensa do casamento rato e não consumado – artigo XXV – não se referindo às questões de foro misto, o questionado cânone 1288 confirma esta doutrina da competência dos tribunais do Estado quando dispõe que os administradores não proponham nem contestem nenhuma acção no foro civil em nome da pessoa jurídica pública sem licença prévia do Ordinário próprio, dada por escrito.

    Em suma: a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa não afasta a regra da competência exclusiva dos tribunais portugueses nas matérias a que se refere o art. 65°-A do CPC.

    Sob a epígrafe Liberdade de consciência, de religião e de culto dispõe o nº 4 do art. 41º da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT