Acórdão nº 393/04 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução02 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 393/2004 Processo n.º 438/03 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Por acórdão de 12 de Junho de 2000 do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Beja – integrado pelos Juízes A., presidente (que anteriormente havia proferido despacho a determinar o desentranhamento da contestação e o requerimento para produção de prova por entender que relativamente ao advogado seu subscritor se verificava uma situação de incompatibilidade, por exercer funções de notário), B. e C. – foi o arguido D. condenado, como co-autor material de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão, logo reduzida a um ano e três meses de prisão por força do perdão concedido pelo artigo 8.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio (cf. fls. 243 a 275).

Tendo entretanto sido proferido, em 11 de Julho de 2000, acórdão do Tribunal da Relação de Évora (cf. fls. 237 a 240), revogando o despacho que determinara o desentranhamento da contestação e do requerimento de produção de prova, o juiz do Tribunal Judicial de Beja proferiu despacho, em 21 de Novembro de 2000, declarando inválidos todos os actos posteriores ao não recebimento dessas peças, incluindo a audiência de julgamento e o subsequente acórdão condenatório (cf. fls. 276 e 277).

Tendo a mesma juíza presidente do Tribunal Colectivo designado data para a realização de novo julgamento, veio o referido arguido requerer a recusa da intervenção nesse julgamento dos juízes que haviam participado no anterior. No sentido da improcedência da requerida recusa pronunciaram-se as juízas presidente e 1.ª vogal do Tribunal Colectivo (cf. fls. 7-11 e 12-13) – o juiz 2.º vogal cessara entretanto o exercício de funções na comarca de Beja. Por acórdão de 5 de Junho de 2001 (cf. fls. 56 a 58), o Tribunal da Relação de Évora não concedeu a recusa por considerar o respectivo pedido manifestamente infundado.

Contra esse acórdão interpôs o referido arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, “à cautela”, para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 65 a 74), mas, por despacho de 15 de Janeiro de 2002 (fls. 98 a 100), o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora não admitiu nenhum deles: o primeiro por “legalmente inadmissível” e o segundo por “ilegitimidade do recorrente”, uma vez que não suscitara, perante o tribunal recorrido, a inconstitucionalidade das normas que pretendia ver apreciadas (artigo 72.º, n.º 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – doravante designada por LTC).

Contra este despacho deduziu o recorrente reclamações:

– para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 104 a 122), que foi deferida por despacho de 19 de Fevereiro de 2002 (fls. 149 a 151); e

– para o Tribunal Constitucional (fls. 152 a 161), que foi indeferida pelo Acórdão n.º 114/2002 (fls. 192 a 199).

Admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, este, por acórdão de 3 de Outubro de 2002 (fls. 222 a 227), anulou o acórdão recorrido por padecer de “completa omissão da fundamentação de facto”.

Proferiu então o Tribunal da Relação de Évora, em 28 de Janeiro de 2003 (fls. 283 a 286), novo acórdão em que voltou a não conceder a requerida recusa.

Contra este acórdão interpôs o recorrente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 289 a 301), aduzindo, além do mais, que “a interpretação dada pelo Tribunal a quo aos artigos 40.º e 43.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, é manifestamente inconstitucional por violar o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, precipitando, outrossim, a violação dos artigos 1.º, 2.º, 8.º, 16.º e 204.º da Constituição”, dado que “os magistrados que julgaram o ora recorrente e o condenaram em 12 de Junho de 2000 ficaram com uma convicção de tal modo arreigada quanto à sua culpabilidade que, objectivamente – e sem prejuízo da independência interior que os magistrados sejam capazes de preservar –, fica inexoravelmente comprometida a independência e imparcialidade desses magistrados no novo julgamento do mesmo processo”.

A este recurso foi negado provimento pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2003 (fls. 315 a 330), com base na seguinte fundamentação jurídica:

“6 – Análise apreciativa

É, então, altura de cuidarmos da questão que nos vem proposta.

Numa perspectiva geral deve, antes de tudo, encarecer-se que o princípio que informa o instituto da suspeição (suspeição que é o que, essencialmente, pode legitimar a recusa) é o de que a intervenção do magistrado, no processo, apenas suporta o risco de ser havida por suspeita, ocorrendo motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade que dele se espera; e tais seriedade e gravidade de motivo (ou de motivos) causador (causadores) do sentimento ou sensação de desconfiança a respeito daquela imparcialidade hão-de ser (têm que ser e devem ser) encarados objectivamente, logo sendo de afastar convencimentos meramente subjectivos dos sujeitos processuais como suporte de um petitório de recusa, isto porque o simples receio ou temor de que o juiz haja já estruturado um convencimento prévio acerca do thema decidendum não potencializa (e, muito menos, pode viabilizar), quer a razão de ser da recusa, quer fundamento bastante e válido para a reclamar.

Neste capítulo, torna-se importante relembrar aquilo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado sobre o imposto (e inafastável) princípio da imparcialidade; no seu entendimento, deve esta apreciar-se de um duplo ponto de vista ou sob um duplo prisma, ou sejam, os da aproximação subjectiva, destinada à determinação da convicção pessoal de tal juiz em tal ocasião, e da apreciação objectiva, quanto a saber-se se o magistrado em causa oferece as suficientes garantias para repelir e excluir, a este propósito, quaisquer duvidas aceitáveis (ou, num mínimo, razoáveis).

Daqui deriva a asserção de que a imparcialidade, enquanto exigência específica (e indissociável) de uma verdadeira decisão judicial ou de um escorreito e justo julgado, se haja de definir, por via de regra, a partir da ausência de todo prejuízo ou preconceito concretizados ou plausíveis no que tange à matéria a decidir e no que toca às pessoas que a decisão afecte.

Igualmente, o TEDH vem expressando o entendimento de que a imparcialidade se presume até convincente prova em contrário, pelo que, assim sendo (e não se levantam dúvidas sobre que assim não deva ser), a imparcialidade na sua feição objectiva releva (ou se radica) de (e em) considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação do conceito tão-somente pode ser testado numa base rigorosamente casuística, que outra não será que a da análise concreta do modo do exercício das funções reflectido nos actos processuais do julgador; e daí que as dúvidas ou as reservas sobre a imparcialidade, no plano objectivo, apenas se possam suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe, no processo, funções ou pratique actos próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade, não integrando nenhuma destas hipóteses, nem configurando qualquer destes condicionalismos, o caso em que o juiz exerce, no processo, uma função pura e lidimamente judiciária, na validade do que se lhe permite e na plenitude dos poderes que lhe assistem, integrada, processual e institucionalmente, na mesma fase para a qual o processo penal lhe confere jurisdição e lhe atribui competência (cf., com manifesto interesse sobre este tema, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Janeiro de 1998, processo n.º 877/97).

O rigor da suspeita, a verosimilhança da imputação e as consistência e plausibilidade das reservas em sede das seriedade e gravidade bastantes para as avalizarem são indispensáveis (e incontornáveis) condimentos apoiantes de um pedido de recusa: sem esse rigor, sem essa verosimilhança e sem essas consistência e plausibilidade fortalecidas por motivação séria e grave, sempre estará tal pedido votado ao fracasso, como de resto o impõem, a um tempo e do mesmo passo, o respeito que merece a Justiça, a atenção pela preservação da estabilidade e da disciplina processuais e a própria consideração que, em principio, é devida aos Tribunais.

E certo sendo que nem todos os actos ou decisões judiciais podem agradar às diversas partes ou aos diversos sujeitos de um pleito, mau seria que esse desagrado, quando desprovido de razoabilidade pertinente, se pudesse converter em fundamento para recusar um magistrado (ou, de uma assentada, todo um colectivo) e, até, mesmo, para, sequer, hipotizar essa recusa.

Retidos estes considerandos, na sua inevitável projecção sobre o caso sub judice:

Não se alcança que o condicionalismo factualizado seja idóneo a servir os propósitos do recorrente, em directo à anulação do aresto recorrido e, em decorrência, à concessão da peticionada recusa (na reclamada abrangência a todos os magistrados do colectivo).

Não justificando reparo – perante os dados de facto produzidos – a forma como decidiu (de direito) o Tribunal da Relação a quo, é nessa sede (de direito) – a única em que lhe cabe decidir (cf. artigo 434.º do Código de Processo Penal) – que este Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de avalizar, pela positiva, o entendimento expressado por aquela Veneranda Instância de que a factualidade certificada não consente que se formatem, com base nela e a partir dela, motivos sérios e graves, adequados a gerarem desconfiança sobre a imparcialidade, quer da meritíssima Juiz Presidente do Tribunal Colectivo da Comarca de Beja, quer dos seus Ex.mos Adjuntos.

E dito isto sem necessidade de mais desenvolvimentos que, apenas, seriam repetição do já aduzido no aresto impugnado e na resposta...

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