Acórdão nº 394/04 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução02 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 394/2004

Processo n.º 587/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório AUTONUM 1.Em 17 de Março de 2003, A., melhor identificado nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, processo de intimação judicial contra a Câmara Municipal de Setúbal, com vista a obter desta a aprovação do projecto de arquitectura correspondente ao processo de licenciamento n.º -----/02, com fundamento em que a publicação do Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, impondo a reclassificação dos Parques Naturais – e, portanto, do Parque Natural da Arrábida – de acordo com os seus critérios, teve lugar com o Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro, que previu expressamente um prazo máximo de três anos para a aprovação de um Plano de Ordenamento do Território para o Parque Natural da Arrábida. Como tal Plano não foi aprovado dentro desse prazo, teria ocorrido “a caducidade da classificação do PNA como Área Protegida”, o que dispensaria a requerida da obtenção de parecer prévio do Parque Natural da Arrábida sobre o pedido de licenciamento (de uma habitação) entrado em 25 de Outubro de 2002 na Câmara Municipal de Setúbal.

Por decisão de 28 de Abril de 2003, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação judicial, baseando-se na argumentação expendida pela requerida, e sufragada no “visto” do Ministério Público – que o requerente, por antecipação, quisera desqualificar por entender que o Decreto-Lei n.º 204/02, de 1 de Outubro, não tinha a virtualidade de repristinar uma classificação caducada, ex lege, sendo inconstitucional – por violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 3, e 65.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição – e ilegal – por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil – um tal entendimento. Ao invés, escreveu-se na referida decisão:

“Tal entendimento está conforme às regras de sucessão de leis no tempo, visto que a própria lei dispôs no sentido da sua eficácia retroactiva ao manter a classificação constante dos diplomas anteriores, o que não viola qualquer disposição constitucional.”

AUTONUM 2.Insatisfeito, o requerente interpôs recurso de tal decisão, insistindo na argumentação de que “a morte do direito, pela caducidade, é alcançada de modo irreversível”, e que caducada uma classificação como Parque Natural, só “através da tramitação legal, prevista nos artigos 13.º e seguintes, do D.L. 19/93” poderá haver nova classificação, acrescentando, no que ora mais importa:

K – O acto de classificação de um Parque Natural implica a restrição/limitação do direito de propriedade, que está consagrado no artigo 62.º da CRP, dos proprietários de terrenos situados na sua área de intervenção, como é o caso da ora recorrente.

L – É manifesta a inconstitucionalidade do D.L. 204/2002, já que assume características de verdadeira “lei medida”, violando o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da C.R.P.

N – O vazio legal criado pela caducidade do PNA gerou para os particulares proprietários de terrenos situados na área do Parque expectativas legítimas e direitos merecedores de tutela jurídica.

(...)

P – A sentença de que ora se recorre viola, assim, as seguintes disposições: artigos 2.º, 18.º, n.º 3, 62.º, 65.º, n.ºs 4 e 5, e 66.º, n.º 2, alíneas b) e c), da CRP; o artigo 12.º, n.º 1, do C.C., o artigo 13.º, n.º 2, do D.L. 19/93; e o artigo 112.º do D.L. 555/99.

Por acórdão de 2 de Julho de 2003, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, considerando, depois de invocar os Acórdãos n.ºs 517/99, 329/99 e 95/92 do Tribunal Constitucional (publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44º vol., págs. 89 e segs., Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs.. 341 e segs.), que:

“não existe uma proibição geral de leis retroactivas e estas só são inadmissíveis quando afectarem, de forma injustificada, arbitrária e intolerável, a certeza e a confiança dos cidadãos na ordem jurídica vigente.

É patente que a retroactividade do DL n.º 204/02 não afecta tais valores, tanto mais que, no caso em apreço, quando o ora recorrente se apresentou a requerer a aprovação do projecto já aquele diploma se encontrava em vigor, sendo que nenhuma garantia tinha de que pudesse construir no local em causa.”

AUTONUM 3.Trouxe então o recorrente o presente recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento em que “[a] interpretação consagrada no Acórdão recorrido da aplicação do Decreto-Lei n.º 204/02, de 1 de Outubro, do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil e do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 13/93, de 23 de Janeiro, viola os princípios e normas constitucionais, nomeadamente, os artigos 2.º, 18.º, n.º 3, 62.º, 65.º, n.ºs 4 e 5, 66.º, n.º 2, alíneas b) e c), e 112.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.

Nas suas alegações, concluiu assim:

“A. O entendimento dado pelo STA ao DL 204/02, no sentido de que o Governo pode repor a classificação já caducada de uma área protegida de interesse nacional, como é o caso do PNA, sem que haja envolvimento e participação dos cidadãos, viola o princípio constitucional do direito de participação dos cidadãos na elaboração de instrumentos de planeamento físico do território, consagrado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 65.º da CRP, e, em especial, na criação de parques naturais, consagrado nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 66.º da CRP.

  1. Esse entendimento viola também o princípio constitucional da democracia participativa, consagrado no artigo 2.º da CRP.

  2. A caducidade da classificação do PNA está reconhecida no Preâmbulo do DL 204/03.

  3. A caducidade acarreta a obrigatoriedade de nova classificação do PNA como área protegida.

  4. O entendimento do Acórdão do STA, ao ignorar o disposto nos artigos 12.º e 13.º, n.ºs 3, 4 e 5, do D.L. n.º 19/93, viola o princípio constitucional do direito de participação dos cidadãos na elaboração de instrumentos de planeamento físico do território e na criação de parques naturais, consagrado nos artigos 65.º e 66.º da CRP.

  5. O Acórdão do STA, ao permitir a reposição de uma classificação já caducada, através do mecanismo da retroactividade, reduz ao grau zero a participação dos cidadãos no processo de classificação de áreas protegidas, violando, frontal e grosseiramente, o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 65.º e n.º 2 do artigo 66.º, ambos da CRP.

  6. A reclassificação do PNA operada pelo Dec. Reg. 23/98, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do DL 19/93, tem carácter excepcional.

  7. A interpretação dada pelo Acórdão do STA ao DL...

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