Acórdão nº 446/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução23 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 446/04

Processo n.º 599/03 3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção

do Tribunal Constitucional:

1. A. impugnou judicialmente a liquidação de IRS, referente ao ano de 1996, pedindo a respectiva anulação com fundamento em ilegalidade. Alegou, em síntese, não ter sido considerado por parte da Administração Fiscal que a impugnante sofre de incapacidade em grau igual ou superior a 60%, o que lhe confere direito aos benefícios fiscais consagrados na lei.

Pela sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo de 25 de Setembro de 2000, de fls. 48 e seguintes, a impugnação foi julgada integralmente improcedente. O tribunal, depois de observar que apenas estava em causa saber se a referida incapacidade se encontrava ou não «”devidamente comprovada pela entidade competente” mediante a apresentação do atestado médico junto aos autos», emitido de acordo com o regime legal anterior ao que foi considerado aplicável, que é o que foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro e instruções anexas, entendeu que não e que, portanto, a impugnação tinha de improceder.

2. Inconformada, a impugnante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo, o qual, por acórdão de 12 de Março de 2002, constante de fls. 79 e seguintes, concedeu provimento ao recurso e anulou a liquidação impugnada.

Em síntese, o Tribunal Central Administrativo concluiu que o Decreto-Lei n.º 202/96 não era aplicável aos processos de avaliação já concluídos à data da sua entrada em vigor; que, nessa mesma data, “já havia nascido (...) o direito ao benefício fiscal aqui em causa, porque já se encontrava comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (...) pelo (...) atestado médico, passado pela entidade competente, no domínio da lei anterior e de acordo com esta, comprovativo de um grau de incapacidade relevante para o efeito”.

3. Veio então a Fazenda Pública recorrer para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 30º, 72º, 73º e 74º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 131º, n.º 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando oposição de julgados e indicando como acórdão fundamento “o Acórdão de 5 de Dezembro de 2000, Rec. N.º 4236/00”.

Nas contra-alegações de recurso então apresentadas, A. veio invocar a inconstitucionalidade da aplicação, por via do disposto no n.º 2 do artigo 7º respectivo, da aplicação do regime definido pelo Decreto-Lei n.º 202/96 a processos de avaliação de incapacidade já findos, como seria o caso.

Verificada a oposição, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Maio de 2003, de fls. 148, concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão então recorrido e determinando que ficava “a valer a sentença da 1ª Instância, que julgou improcedente a impugnação, mantendo-se assim a liquidação impugnada”, nos seguintes termos:

(...) Está em causa, como dissemos, o IRS de 1996.

Estamos assim já em plena vigência do DL 202/96, de 23/10.

Ora, como se escreveu no Acórdão deste STA de 17/05/00, cuja doutrina seguiremos de muito perto, por merecer a nossa inteira concordância, o dito diploma veio estabelecer um regime de avaliação de incapacidades das pessoas com deficiência, para efeito de acesso das mesmas às medidas e benefícios previstos na lei, com normas próprias para tal avaliação e diferentes das anteriores. Reconhece-se, de acordo com o respectivo preâmbulo, a necessidade tanto de explicitar a competência para avaliação de tal incapacidade, com relação às pessoas com deficiência, como de criar normas de adaptação da anterior TNI, tornando-se pois necessário proceder à actualização dos procedimentos adoptados no âmbito de tal avaliação.

Nos termos desta TNI só releva agora a "disfunção residual", pelo que o coeficiente de incapacidade deve ser encontrado apenas após a aplicação dos respectivos meios de correcção ou compensação (próteses, ortóteses ou outros), sem limites máximos de redução dos coeficientes previstos na tabela – n.º 5, al. e).

Exigência que não constava da lei anterior (Lei n.º 9/89, de 2/5) nem da TNI aprovada pelo dito DL 341/93, cujas Instruções Gerais dispunham – n.º 5, al. c) – que, quando a função fosse substituída, no todo ou em parte, por prótese, a incapacidade poderia ser reduzida, consoante o grau de recuperação da função e da capacidade de ganho do sinistrado, não podendo, porém, tal redução, ser superior a 15%.

Ora, o atestado apresentado pela impugnante foi emitido em função da TNI vigente à data, ou seja, antes da vigência do DL n.º 202/96, já que então vigorava ainda o DL n.º 341/93, de 30/09.

Porém, a exigência da Administração em exigir a apresentação de um novo atestado, ao abrigo do disposto no dito DL n.º 202/96, tem cobertura legal, já que estamos perante o IRS de 1996.

É certo que o atestado apresentado pela impugnante certifica um acto constitutivo de direitos, como atributivo de um direito subjectivo a um benefício fiscal.

Mas só na medida do respectivo conteúdo, ou seja, sem ter em conta a possibilidade integral – sem redução – da redução da incapacidade.

Trata-se, por outro lado, de um acto de efeitos permanentes ou duradouros pelo que a sua relevância teria naturalmente um fim com a alteração da lei: só a aplicação retroactiva desta – o que não é o caso – afectaria tal direito constituído na esfera jurídica da impugnante.

Acresce que a questão não é a de impugnação do acto da ARS pela AF – que não era possível face ao princípio da unicidade da administração – mas da sua validade face à lei nova.

Refira-se finalmente que não foram postos em causa princípios constitucionais, como o da legalidade, da confiança, e da segurança jurídica dos contribuintes, já que estes não podem legitimamente esperar que as leis se mantenham imutáveis. Ao invés, hão-de perspectivar a sua alteração face às novas...

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