Acórdão nº 486/04 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2004
Magistrado Responsável | Cons. Mota Pinto |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2004 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 486/04 Processo n.º 192/02 2ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em Secção no Tribunal Constitucional:
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Relatório
AUTONUM 1. A. intentou acção declarativa de investigação de paternidade contra B., pedindo que fosse “reconhecido e declarado que o R. é pai biológico do A.”.
Por despacho da Juíza do Tribunal de Círculo do Porto, proferido em 30 de Outubro de 1997, foi indeferida liminarmente a petição inicial, por se considerar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, tendo o réu sido absolvido do pedido, com os seguintes fundamentos:
“(...)
Ora, a presente acção encontra-se prevista e regulada nos arts. 1869º a 1873º do Cód. Civil sendo certo que no art. 1869º se prevê que ‘a paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra.’
Contudo, preceitua o art. 1873º que ‘é aplicável à acção de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 1817º a 1819º e 1821º’. E, preceitua o art. 1817º, n.º 1, que ‘a acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação’. Por sua vez o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que ‘se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano, a contar da data em que cessou aquele tratamento’.
Em face do exposto temos que o autor só poderia propor a presente acção até perfazer vinte anos ou dentro do prazo de um ano, a contar da data em que cessou o tratamento como filho por parte do réu.
Não obstante, o réu, segundo afirma o autor, recusa-se a reconhecer a paternidade e se teve algum tipo de tratamento paternal com o autor fê-lo só até este perfazer 10 anos de idade contribuindo com quantias para a sua criação. Por outro lado, o autor neste momento tem já 36 anos de idade.
É, por isso, absolutamente patente que o direito que o autor tinha de propor a presente acção caducou já há muito tempo, caducidade essa que é do conhecimento oficioso – art. 333º do Cód. Civil.
Pelo exposto, atenta a tramitação dada aos autos e o disposto no art. 234º-A do C.P.C., indefere-se liminarmente a petição inicial.”
AUTONUM 2. O autor recorreu deste despacho para o Tribunal da Relação do Porto, com os seguintes fundamentos:
“(...)
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O direito do recorrente surgiu na esfera jurídica em 14 de Janeiro de 1961, data de nascimento (...);
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Quando o direito do recorrente surgiu na sua esfera jurídica não estava a acção interposta sujeita a qualquer prazo de caducidade, nos termos do Código Civil (de Seabra) e do Decreto de 25 de Dezembro de 1910;
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O prazo de caducidade é um prazo substantivo, integrador do próprio direito a intentar a acção, especialmente excepcionado do regime prescricional, nos termos do art. 144º do Código de Processo Civil em vigor, pelo que a lei nova o não pode determinar quanto a direitos que a ele não estavam sujeitos:
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A restrição do período temporal para intentar uma acção de investigação de paternidade efectuada pelo presente Código Civil, não pode, nos termos do art. 12º do mesmo código, ser aplicável;
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E para a constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação, nos termos do art. 56º do presente Código Civil.
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Não restam dúvidas quaisquer que a legislação aplicável ao caso em apreço não é a legislação presentemente em vigor (...);
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Pelo que o Douto Tribunal de Círculo do Porto aplicou indevidamente a legislação actualmente em vigor, devendo ter aplicado a citada pretérita legislação e não ter considerado ter caducado o prazo de interposição da presente acção;
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Deveria ter considerado não estar a acção sujeita a prazo qualquer de caducidade.
Assim não fosse e
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O direito plasmado no art. 26º da CRP é um direito absoluto e indisponível;
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Há, pois, que ver se o direito à identidade pessoal compreende o direito ao estabelecimento da filiação;
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Se sim, qualquer prazo de caducidade que limite o direito do cidadão, no caso o recorrente, é, por natureza, inconstitucional e, então, não poderia o Douto Tribunal de Círculo do Porto ter aplicado legislação que impedisse a pretensão do recorrente;
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Se não, não podemos ir por aí.”
E concluiu:
“1. A petição inicial não é inepta;
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O direito do recorrente a intentar a acção de investigação de paternidade é um direito substantivo;
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A lei aplicável ao caso é o Decreto de 25 de Dezembro de 1910 e no que este não se oponha à do Código Civil de Seabra;
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Tal legislação não contempla qualquer prazo de caducidade para intentar a acção em apreço;
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Violou o Douto Tribunal de Círculo do Porto, o art. 12º do actual Código Civil, o art. 56º do mesmo código, o art. 37º do Decreto de 25 de Dezembro de 1910, conhecido como Lei de Protecção dos Filhos e identificado como o n.º 2 e disposições aplicáveis ao Código Civil de Seabra;
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Mesmo que, nos termos da legislação ordinária, houvesse o direito do recorrente caducado, tal legislação seria inconstitucional;
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Nunca podendo ser aplicada;
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Violou o Douto Tribunal de Círculo do Porto o art. 26º da Constituição da República Portuguesa;
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Não há qualquer outra causa que possa levar à ineptidão da petição inicial, quer por natureza, quer pela função da réplica, quer pelo postulado no art. 508º do Código de Processo Civil.”
Notificado para contra-alegar, o demandado pugnou pela manutenção do despacho recorrido.
Por acórdão de 30 de Abril de 1998, o Tribunal da Relação do Porto decidiu conceder provimento ao recurso, revogando “o despacho em causa (na parte em que indeferiu a petição)” e ordenando “a sua substituição por outro que assegure o prosseguimento da acção”, com os seguintes fundamentos:
“Importa, pois, decidir, se deveria ter sido indeferida liminarmente a petição.
Nos termos do art. 684º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas.
Parece daqui resultar que, quanto aos fundamentos, não haveria restrições.
A este propósito, adverte, porém, o Prof. Castro Mendes (Recursos, 60) que ainda pode haver restrições quanto aos fundamentos de conhecimento da vontade do recorrente.
E pelas mesmas razões, poderá, a nosso ver, haver restrições no que concerne às nulidades que não são de conhecimento oficioso.
Ressalvada a devida consideração, a Sr.ª Juíza não poderia ter proferido despacho de indeferimento liminar, porquanto não se verificava qualquer dos casos das alíneas a) a e) do n.º 4 art. 234º do CPC, a ter em conta, por remissão do n.º 1 do art. seguinte.
Terá, assim, cometido uma nulidade enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 668º, conjugada com o n.º 3 do art. 666º, sempre do citado Diploma Legal.
A qual não é de conhecimento oficioso.
Se não é de conhecimento oficioso e não foi levantada nas conclusões das alegações, está, pelas razões apontadas, fora de conhecimento deste tribunal.
Nos termos do n.º 1 do citado art. 234º-A do Código de Processo Civil, pode o juiz indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Esta última parte está aqui arredada, de sorte que o despacho será de manter – na parte em causa no presente recurso – se o pedido for manifestamente improcedente e não será de manter na hipótese contrária.
A Sr.ª Juíza fundamentou o seu despacho do seguinte modo:
‘O A. nasceu em 14.1.1961;
A acção foi intentada em 5.9.97;
Decorreu há muito o prazo previsto no n.º 1 do art. 1817º do Código Civil, aplicável por remissão do art. 1873º do mesmo código;
A acção só seria tempestiva se se verificasse o tratamento a que alude o n.º 4 de tal preceito;
Foi alegado, na petição inicial, que as contribuições monetárias do réu para sustento do A., cessaram quando este atingiu 10 anos de idade;
Logo, está excluído o referido tratamento;
O que determina a conclusão da intempestividade da acção.’
Esta construção jurídica encerra em si dois pontos de discórdia:
Um diz respeito à constitucionalidade do mencionado art. 1817º, n.º 1;
Outro cifra-se na questão de saber se é ao autor que cabe provar os factos integrantes do ‘tratamento’ como filho ou se é ao réu que incumbe provar a ausência deles.
Reiteradamente, tem o Tribunal Constitucional decidido não se verificar a apontada inconstitucionalidade (cfr., nomeadamente, os Acs. n.ºs 413/89 e 451/89, no BMJ n.º 387º, 262 e 388º, 561).
E tem sido entendimento de que os factos relativos ao ‘tratamento’, integrando uma contra-excepção, terão de ser alegados e provados pelo A.
Mas a discutibilidade de tais decisões retira o carácter de evidência à improcedência, evidência essa, exigida para o indeferimento liminar.
No anterior art. 474º do Código de Processo Civil, já se consagrava uma redacção semelhante à da manifesta improcedência da lei actual para justificar tal indeferimento.
E, a respeito daquela, escreveu o Prof. Castro Mendes (Lições policopiadas de 1971-72, III, 44):
‘A falta destes pressupostos processuais só justifica o indeferimento liminar quando for manifesta ou evidente. Na dúvida, o juiz não deverá estudar para decidir, mas sim mandar citar o réu’.
E referiu o Dr. Paulo Pimenta (Processo Civil, ed. de 1995, III, 54):
‘Deve dizer-se, em abono da verdade, que esta situação não é de ocorrência muito frequente, pois só em casos contados é que a inviabilidade da pretensão é evidente ou manifesta. Em caso de dúvida, o juiz não deve indeferir a petição, mas ordenar a citação do réu ... ’
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Numa primeira análise pode parecer chocante e contrário aos princípios de eficiência processual, que se deixe seguir uma acção cujo desfecho se entende conduzir – ainda que de modo...
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