Acórdão nº 542/04 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução15 de Julho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 542/04

Processo n.º 609/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 21 de Abril de 2004, que decidiu rejeitar o recurso por si interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu igualmente rejeitar o recurso que o mesmo interpusera anteriormente do acórdão proferido pela 2ª Vara Criminal de Lisboa que o condenou como autor de um crime de abuso sexual de crianças, agravado e na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 172º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.ºs 1, alínea a), 4 e 6, e 30º, todos do Código Penal (CP), na pena de 8 anos de prisão, reduzida para 6 anos e 6 meses de prisão em consequência do perdão concedido pelo art.º 1º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art.º 411º, n.º 1, do CPP na interpretação segundo a qual o prazo de interposição do recurso que deverá ser sempre motivado é de 15 dias mesmo quando o recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada, não se aplicando subsidiariamente ao caso nos termos do art.º 4º do Código de Processo Penal (CPP) a norma do n.º 6 do art.º 698º do Código de Processo Civil que prevê o acréscimo de 10 dias, por violação do disposto no art.º 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2 – O acórdão recorrido louvou-se na seguinte fundamentação para rejeitar o recurso interposto pelo recorrente do acórdão da Relação no qual, entre o mais, questionou a constitucionalidade da norma extraída do art.º 411º, n.º 1 e 3, do CPP na interpretação segundo a qual o prazo para impugnar através de recurso decisão sobre matéria de facto é de 15 dias não lhe acrescendo o lapso de tempo de 10 dias a que alude o n.º 6 do art.º 698º do CPC:

A questão fulcral a apreciar e a decidir é a de saber se, interposto recurso que verse também matéria de facto, em que tem lugar a transcrição (pelo Tribunal) da prova gravada, ao prazo de 15 dias fixado no n.º 1 do art.º 411º do Cód. Proc. Penal, deverá acrescer o prazo de 10 dias estabelecido no art.º 698°, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, por existir uma lacuna integrável nos termos do art.º 4° do Cód. Proc. Penal.

A resposta a esta questão há-de ser, necessariamente, negativa.

Como consta dos presentes autos, após haver sido proferido, publicamente em audiência o acórdão condenatório, foi interposto recurso por declaração para a acta, em 11-4-2003 (ver fls. 405).

De harmonia com o estabelecido no art.º 411º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal (...), “se o recurso for interposto por declaração na acta, a motivação pode ser apresentada no prazo de 15 dias, contado da data da interposição” .

Ora, este prazo de 15 dias fixado no citado no n.º 3 do art.º 411º, é um prazo peremptório, não sendo lícito falar em “lacuna integrável por aplicação do art.º 698°, n.º 6, do C.P.C., ex vi do art.º 4º do CPP."

Por outro lado, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, deve fazer as especificações aludidas no n.º 3 do art.º 412º e, de harmonia com o n.º 4 deste artigo, “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição”.

Tendo o recorrente a possibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada, bem pode o recorrente dar integral cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do Cód. Proc. Penal, quando impugne a matéria de facto, e a circunstância de “a construção do recurso” ser “muito mais laboriosa”- como sustenta o recorrente - não constitui fundamento para a pretensão de um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a apresentação da motivação, já que, com a maior evidência, não se verifica qualquer lacuna a integrar.

Não se mostram violadas as disposições legais ou constitucionais mencionadas na motivação, nem limitadas as garantias de defesa.

-5-

Em suma: no douto acórdão recorrido decidiu-se acertadamente, uma vez que, tendo a motivação do recorrente sido apresentada, na 1ª Instância, em 6-5-2003, foi extemporânea.

Logo, é manifesta a improcedência do recurso que, forçosamente, terá de ser rejeitado, em obediência ao estatuído no art.º 420º, n.º l, do Cód. Proc. Penal.

-6-

Nestes termos e concluindo:

Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, condenando o recorrente no pagamento de 3 UC's de taxa de justiça, e em mais 3 UC's, nos termos do n.º 4 do art.º 420º do Cód. Proc. Penal.

.

3 – Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional o recorrente condensou os fundamentos do seu recurso nas seguintes proposições conclusivas:

«a. Entende o Tribunal a quo que, para apresentação de motivações há um prazo único de 15 dias (art.º 411º n.ºs 1 e 3 do CPP) qualquer que seja o tipo de recurso em causa.

  1. Entendemos que semelhante entendimento gera, na prática, situações inaceitáveis em que são limitadas as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas.

  2. Claramente se chega a esta conclusão, quer por razões de ordem jurídica, quer de ordem prática. Senão vejamos.

  3. O Tribunal a quo cinge-se, erradamente à letra da lei. Quando não é essa a boa técnica de interpretação das normas legais (veja-se o art.º 9º do Código Civil).

  4. Daí resulta, como consequência mais grave, a não interpretação do art.º 411º CPP à luz dos princípios constitucionais (veja-se art.º 3º/3 CRP).

  5. Gerando-se, assim, uma inconstitucionalidade (veja-se art.º 277º/1 CRP).

  6. Quer se esteja no âmbito do n.º 1 como no do n.º 3 do art.º 411º CPP.

  7. Um recurso em que se impugne tão somente matéria de direito é totalmente distinto daquele em que se impugna a decisão sobre matéria de facto.

  8. Porque este é muito mais laborioso e complexo.

  9. Não podem, nem devem, por tal motivo, ter o mesmo tratamento, nomeadamente quanto ao tempo concedido para sua elaboração.

  10. O Tribunal a quo deveria ter tido em atenção a evolução legislativa. O que não fez.

  11. Repare-se que, em 1995 foi criada a figura da gravação da prova, que, muito embora não tenha sido legislativamente transporta para o Processo penal, passou a ter plena aplicação nos nossos tribunais criminais.

  12. Nomeadamente na gravação de depoimentos durante a audiência de julgamento e na utilização das gravações em fase de recurso.

  13. Justifica-se, assim, claramente que o previsto no art.º 698º/6 do CPC também tenha aplicação em processo penal. Até por força do art.º 4º CPP.

  14. O legislador concede um prazo acrescido de 10 dias ao recorrente, quando este pretenda impugnar a decisão da matéria de direito, porque entendeu, e bem, que a audição das cassetes e o ónus do recorrente de identificar e transcrever passagens das gravações, implicaria um trabalho acrescido (leia-se o Preâmbulo do DL 39/95 de 15 de Fevereiro: “... Tal ónus acrescido do recorrente .... justifica o alargamento do prazo...”).

  15. Ora, se em processo penal está em causa a “liberdade” do arguido e não apenas a “fazenda” como em processo civil, dúvidas não há de que tal raciocínio também funcionará relativamente ao recurso em processo penal.

  16. A tudo isto acresce que, para dar cumprimento ao 412º, nºs 3 e 4 do CPP, o recorrente não raras vezes se depara com a divergência entre as numeração das voltas das cassetes conforme o aparelho de reprodução utilizado.

  17. O que implica ter de ouvir e, por vezes mesmo, transcrever, toda a prova gravada a fim de evitar que, da não correspondência entre a sua construção lógica e os suportes técnicos, resulte um trabalho incoerente e, como tal, perfeitamente inútil.

  18. Em homenagem ao princípio "in dubio pro reo", princípio este que deriva logicamente do princípio da presunção da inocência do arguido (art.º 32º/2 CRP), também sempre se deverá optar pelo regime mais favorável: no presente caso, pela aplicabilidade do art.º 698º/6 do CPC ao processo penal.

  19. O mesmo ocorrendo com o princípio da...

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