Acórdão nº 598/04 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução12 de Outubro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 598/2004

Processo n.º 685/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

A- Relatório

1 - O Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que julgou procedente o pedido de impugnação deduzida por A. contra um acto de liquidação de Imposto Automóvel (IA), efectuado pela Fazenda Pública, no montante de € 25 249,45 euros, tendo concretizado, no respectivo requerimento de interposição, que:

“(...) A douta sentença recorrida recusou a aplicação do n.º 7 do art.º 1º do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, com o fundamento de que tal norma contém um segmento, a tabela ali incluída, que é inconstitucional porque violador do art.º 90º do Tratado de Amesterdão e do art.º 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, com base no que julgou ilegal a liquidação impugnada.

O presente recurso é interposto ao abrigo do art.º 70º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o qual tem efeito suspensivo, sobe imediatamente e nos próprios autos (art.º 78º, n.ºs 2 e 4, idem).

Assim, por ter legitimidade e estar em tempo, requer a V.a Ex.a se digne admitir o presente recurso (art.ºs 72º, n.º 1, al. a) e n.º 3, e 75º, n.º 1, idem)”.

2 - Por sua vez, a decisão recorrida louvou-se na seguinte fundamentação:

“(...) Acerca da questão de saber se o pedido de revisão oficiosa, do acto de liquidação, feito pelo impugnante, é intempestivo, porque deduzido para além do prazo de 90 dias de que fala o art.º 78°.1 da LGT, dir-se-á que o argumento invocado, pela AF e pelo MP, se bem que com o apoio literal retirado do n.º 1 daquele art.º 78°, não é definitivo, como, una voce, dizem os autores citados pelo impugnante, parecendo particularmente incisivo o argumento que se extrai do dever de decisão imposto, à administração fiscal (AF), pelo art.º 56° da LGT.

O efeito útil da previsão daquele n.º 1 parece dever situar-se no campo do condicionamento da pronúncia da AF: sendo a revisão da iniciativa do contribuinte, tomada dentro do prazo do dito n° 1 , terá ele o direito de apresentar a questão nos termos em que entender; para além desse prazo, não poderá senão pedir a revisão oficiosa, sujeitando-se à formulação da questão no modo que a AF preconize.

Em conclusão, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo.

Quanto ao mais, o impugnante terá razão, de acordo com a conhecida e douta jurisprudência sobre a matéria.

A Tabela, porque não dará tal garantia, é, segundo esta jurisprudência, contrária ao direito comunitário, que só permite a um Estado membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas (...), se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional.

Ora, se uma norma (ou segmento de uma norma, como será aqui o caso) do direito interno ordinário contrariar outra de direito internacional convencional, tem-se por prevalecente o vício de inconstitucionalidade, que consome o de ilegalidade - Acórdão 218/88, de 12.10, do Tribunal Constitucional, in BMJ 380, pp. 183 e segs..

A liquidação é, pois, ilegal, porque baseada numa norma, a do n° 7 do art.º 1 ° do DL 40/93, de 18.02, que contém um segmento, a tabela ali incluída,

inconstitucional, porque violador do art.º 90º do Tratado de Amesterdão e do art.º 8°, 2 da Constituição Portuguesa.;

O impugnante tem direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento do valor da liquidação e até à data da emissão da respectiva nota de crédito - artigos 43°.1 da LGT e 61°.3 do CPPT.

[...]”.

3 - Interposto, nos termos supra referidos, recurso para o Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para alegar, tendo o Ministério Público junto deste Tribunal sustentado, em síntese conclusiva, que:

1.º Não constitui questão de inconstitucionalidade normativa, cognoscível nos quadros de um recurso fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, a que decorre da alegada contradição entre uma norma de um tratado ou convenção internacional e uma disposição legal interna.

2.º É ao Tribunal Constitucional que cabe a “última palavra” acerca da qualificação jurídica do vício normativo, motivador da desaplicação da norma legal interna, podendo convolar-se de tal recurso para o tipificado na alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma Lei.

3.º Ao Tribunal Constitucional apenas compete dirimir as questões jurídico-internacionais implicadas na recusa de aplicação normativa, determinando se a disposição de direito internacional convencional está em vigor e vincula o Estado e se deve prevalecer sobre a norma legal interna, alegadamente colidente com o preceito de direito internacional.

4.º As disposições dos tratados instituidores da União Europeia vinculam obviamente o Estado português e prevalecem sobre as normas conflituantes internas de natureza infraconstitucional

.

4 - Nos autos o relator suscitou, ex oficio, questão prévia relativa ao não conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade, tendo o Ministério Público respondido nos seguintes termos:

1 - Reiteramos a posição que se havia manifestado no processo n° 885/03, em que foi proferido pela 3ª Secção o acórdão n° 46/04, que nos permitimos transcrever:

1 - Concordando inteiramente, quanto a este ponto, com o decidido na douta decisão reclamada, considera-se que efectivamente a "inconstitucionalidade", motivadora do juízo de desaplicação normativa no Tribunal "a quo", é uma "inconstitucionalidade indirecta", decorrente de certo acto legislativo interno não ter, na óptica da decisão recorrida, respeitado o princípio do primado do direito internacional convencional, proclamado pelo artigo 8° da Lei Fundamental.

2 - Daí decorre, porém, que tal questão terá de ser abordada - como consequência de alteração de qualificação, mesmo oficiosa, do vício motivador da recusa de aplicação normativa - no âmbito do tipo de recurso previsto na alínea i) do artigo 70° da Lei n° 28/82.

3 - E parecendo evidente e incontroverso que nada obsta a que se proceda a tal convolação, já que a mesma surge - não como resultado de uma modificação "discricionária" da estratégia processual do recorrente - mas como simples decorrência da correcção da qualificação jurídica da questão suscitada, da competência deste Tribunal Constitucional (cfr., v.g. Acórdãos n.ºs 100/92, 323/92 e 282/94).

4 - Entendemos, por outro lado, - operada tal correcção da qualificação do vício motivador da recusa de aplicação normativa - que, no caso dos autos, se verificam os pressupostos do recurso tipificado na alínea i) do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional; é...

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