Acórdão nº 619/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 619/04 Processo n.º 555/04 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A., e como recorridos B. e outros, os ora recorridos intentaram a acção declarativa comum contra a ora recorrente, pedindo, nomeadamente, a condenação da Ré no pagamento das indemnizações a que alude o artigo 13° do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, por ter obstado ao gozo efectivo de férias nos anos de 1999, 2000 e 2001. A acção foi, neste ponto, julgada procedente pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.

  2. Inconformada, apelou a ora recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual confirmou o julgado em primeira instância. De novo inconformada, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo deste modo a sua alegação:

    “[...]I. O período mínimo, legal ou convencional, de férias consagrado não é irrenunciável relativamente a trabalhadores que, por mútuo acordo, apenas trabalham uma parte do ano - não lhes sendo aplicável a norma do n° 1 do art. 2° do Decreto-Lei n° 874/76.

    1. Estando provado que a razão dos acordos de pré-reforma foi fazer regressar os recorridos ao activo por sete meses (Abril a Outubro), durante o denominado Verão IATA - ou seja, a época alta da actividade a que a ré se dedica, o n.º 1 do art. 236° do Código Civil impede que o sentido da declaração constante da cláusula 2ª dessa adenda possa ser a de que as férias dos recorridos viessem a ser gozadas durante esse mesmo período de sete meses, porque não podia a recorrente, razoavelmente, contar com esse entendimento - sendo até sustentável que os recorridos conheciam a vontade real da recorrente, que era a de tê-los efectivamente ao serviço todo o Verão IATA e não interromper esse período para gozo de férias.

    2. Ainda se entendesse duvidoso o sentido da declaração, o art. 237° imporia a mesma solução, por ser a que conduz ao maior equilíbrio das prestações.

    3. Não existe norma que por possa ser aplicada, quer directamente, quer por via analógica, à marcação de gozo de férias no caso em que os recorridos se encontram, e por isso, deve a situação ser resolvida segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema - n° 3 do art. 10° do Cód. Civil.

    4. O espírito do sistema de férias assenta na necessidade de interrupção anual do trabalho prestado continuamente, por razões higiénicas e sociais, além das que se ligam à produtividade do trabalho, pelo que, relativamente ao trabalhador que, mercê do acordo de pré-reforma, apenas trabalha uma parte do ano e está inactivo na restante parte, nada postula que deva também interromper o período do ano em que trabalha para gozo das férias.

    5. A norma que o intérprete criaria, dentro do espírito do sistema seria a de reconhecer aos recorridos o direito a férias pagas, mas não o seu gozo no período de trabalho acordado nos termos das adendas celebradas com a recorrente.

    6. A pretensão dos recorridos excede manifestamente o fim social e económico do direito a férias, pelo que constitui abuso de direito: eles repousam cinco meses por ano, pelo que é excessivo que exijam gozar a totalidade das férias a que têm direito justamente no curto período em que regressam ao activo, como se estivessem na mesma situação material dos trabalhadores que trabalham continuamente onze meses por ano.

    7. Sustentar terem os recorridos, que só trabalham sete meses por ano, o direito à interrupção dessa prestação de trabalho para gozo de férias nos mesmos termos que o têm os trabalhadores que estão continuamente ao serviço, seria tolerar uma solução igual para casos uma diferentes, princípio da igualdade violação do em ínsito no art. 130°da Constituição.

    8. Essa interpretação conduziria ao absurdo de sustentar que, caso a pré-reforma fosse interrompida para prestarem trabalho [...] em um mês por ano, os recorridos estariam esse mês, não a trabalhar mas... de férias!

    9. Não está provado que a apelada tenha obstado ao gozo das férias dos apelantes.

    10. Pelo contrário, resulta da sentença recorrida que os apelantes gozaram as férias, mas não no período do Verão IATA, em que regressaram ao activo da situação de pré-reforma em que estavam, regresso esse acordado entre eles e a apelada por se tratar do período de maior serviço da apelada - o que bastaria para tomar abusiva a sua pretensão à luz do art. 334° do Cód. Civil

    11. A sanção do art. 13° do Decreto-Lei n° 874/76, de 28 de Dezembro, é gravosa, justifica-se para punir de forma pesada os empregadores que impedem o gozo de férias na situação paradigmática em que os trabalhadores estão continuamente ao serviço e carecem em absoluto de uma interrupção anual para certos fins higiénicos e sociais completamente indiscutíveis.

      XIII Já se afigura excessiva se aplicada numa situação em que não está em causa vedar aos trabalhadores a sua interrupção anual de descanso, mas antes uma diferença de entendimentos acerca do momento em que as férias devem ser gozadas, diferença de entendimentos essa provocada (e por isso legitimada) pela circunstância de tais trabalhadores estarem em situação inactiva e apenas serem chamados (por acordo com eles) a trabalhar em certo período do ano.

      XIV . Se estão inactivos cinco meses por ano, as razões higiénicas e sociais que tomam as férias irrenunciáveis, e justificam previsão de pesadas sanções para o desrespeito da obrigação de permitir o gozo de férias, não colhem.

    12. Sendo materialmente diferente a situação dos trabalhadores no activo em situação normal (prestação de trabalho anualmente contínua) e a dos Recorridos, e apenas se justificando em relação aos primeiros que a violação do seu direito ao repouso seja susceptível de sanção gravosa para a entidade empregadora.

    13. O art. 13° da Decreto-Lei n.o 874/76, de 28 de Dezembro, na interpretação que resulte na imposição à entidade empregadora do pagamento da indemnização aí prevista, quando esteja em causa o gozo de férias dos trabalhadores que regressam temporariamente ao activo e interrompem a situação pré-reforma, é contrário à Constituição, por violação dos seus arts. 13° e 59°, n.º 1, alínea d). [...].”

  3. Por acórdão de 24 de Março de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista. Escudou-se, para isso, na seguinte fundamentação:

    “[...]3. Fundamentação de direito.

    A única questão a dirimir consiste em saber se os trabalhadores que se encontrem num regime de pré-reforma, mas tenham acordado com a entidade patronal o regresso ao pleno exercício de funções durante um período limitado de tempo, em cada ano civil, beneficiam do direito a férias na proporção do tempo efectivo de trabalho, e se lhes deve ser pago, consequentemente, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, a título de indemnização, por violação desse direito, nos termos previstos no artigo 13° do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.

    As instâncias pronunciaram-se no sentido afirmativo, invocando, no essencial, o carácter vinculativo do direito a férias. Porém, a ré, ora recorrente, argumenta que uma tal interpretação do direito contraria o sentido normal da declaração negocial expressa no acordo celebrado entre as partes, tendo em conta que estas, através desse acordo, pretenderam interromper a situação de pré-reforma em que os trabalhadores se encontravam para que estes, temporariamente, pudessem prestar serviço efectivo à empresa; e acrescenta que o invocação do direito a férias pelos trabalhadores no limitado período de tempo a que se circunscreve a sua actividade laboral, quando estes continuam a beneficiar de longos períodos de inactividade, por virtude da sua situação de pré-reforma, corresponde a um abuso de direito, e contraria os preceitos constitucionais dos artigos 13° e 59°, n.º 1, alínea d), da CRP.

    Afigura-se, porém, que sem razão.

    A pré-reforma é legalmente definida como a situação de suspensão ou redução da prestação de trabalho em que o trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos, mantém o direito a receber da entidade empregadora uma prestação pecuniária mensal até à data em que se verifique qualquer dos seguintes eventos: passagem à situação de pensionista por limite de idade ou invalidez; regresso ao pleno exercício de funções por acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora; cessação do contrato de trabalho (artigos 3° e 11, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, diploma...

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