Acórdão nº 723/04 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução21 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 723/04 Processo n.º 757/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2004, foi negado provimento ao recurso interposto por A. do despacho do 5º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, que julgara improcedente a providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova requerida por aquele contra B., consequentemente se confirmando o despacho recorrido. Pode ler-se no referido aresto:

    A. requereu a providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova, no 5° Juízo Cível de Lisboa, contra B., pedindo que se ratifique o embargo extrajudicial a que o requerente procedeu da obra que a requerida levava a cabo, de reboco com vista a posterior pintura da fachada do prédio daquela que dá para o prédio do requerente, operação para a qual necessita de penetrar neste último prédio.

    Para tanto, alega, em resumo, que na ausência do requerente e tendo este feito saber à requerida que não permitia que esta entrasse no seu prédio para efectivação dos trabalhos referidos, vários trabalhadores da requerida, no dia 13/09/2003, invadiram o seu prédio, colocando andaimes na referida fachada que apoiaram no mesmo prédio, iniciando a referida obra de reboco com vista à posterior pintura, pelo que o requerente a avisou de que não deveria prosseguir esses trabalhos, sem sua autorização.

    Citada a requerida veio esta deduzir oposição em que alega, em síntese, ter solicitado por escrito ao requerente autorização para o reboco referido, tendo procedido ao mesmo, no dia alegado pelo requerente quando, porém, este se encontrava, então, em casa, e só cerca de três horas após o seu início, veio embargar a obra, quando aquela estava quase completada na parte do reboco, suspensão essa que foi acatada.

    A referida obra é indispensável para a obtenção da licença camarária de utilização que, por sua vez, é indispensável para a celebração das escrituras de venda dos andares integrados na referida obra, acordadas celebrar com promitentes compradores, estando a requerida sempre disponível para a reparação dos eventuais danos que a obra daquela tenha provocado no prédio do requerente. Termina pedindo a improcedência da providência e ser o requerente obrigado a consentir que a requerida aceda ao seu quintal para praticar todos os actos necessários à conclusão do reboco da empena e sua pintura.

    Procedeu-se a audiência de produção de prova, tendo sido decidida a matéria de facto e, em seguida, julgada improcedente a providência cautelar requerida.

    Desta decisão agravou o requerente tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes:

    - O art. 1349° n.° 1 do CC não comporta a interpretação extensiva acolhida pela decisão recorrida, no sentido de que a obrigação ali prevista também existe quando se pretende levantar construção nova;

    - O respectivo preceito legal só abrange as hipóteses de reparação de edifício ou construção;

    - Ao acolher tal interpretação extensiva, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos art.ºs 9° e 1349°, n.° 1, do CC;

    - Esta última disposição, na interpretação de que aquele que está interessado em levantar uma construção (nova) pode levantar andaime e/ou colocar objectos sobre prédio alheio e/ou fazer passar por ele materiais para a obra, é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no art.º 62° da CR, tendo presente o art.º 18° n.° 2 do mesmo diploma fundamental;

    - Mesmo que sobre o embargante impenda a obrigação de aceitar a ocupação do seu prédio nos termos pretendidos pela requerida, a esta não cabe a possibilidade de acção directa, pelo que, tendo a mesma actuado ilicitamente, o embargo e sua ratificação, se justificavam;

    - Aqui se imputa à decisão recorrida a violação do disposto no art.º 336° do CC;

    - O embargo de obra nova é possível em qualquer fase de uma obra, desde que, e quando, ocorrer a violação do direito de propriedade do embargante;

    - Ao entender diferentemente, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação o disposto no art.º 412°, n.ºs 1 e 2, do CPC;

    - Impõe-se, pois, a revogação da decisão agravada, e por forma a que seja ratificado o embargo extra-judical nos termos peticionados pelo ora alegante.

    Contra-alegou a agravada defendendo a manutenção do decidido.

    Dispensados os vistos, urge apreciar e decidir.

    Como é sabido - art.ºs 684° n.° 3 e 690° n.° 1 do Cód. De Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

    Das conclusões do aqui agravante se vê que o mesmo, para conhecer neste recurso, levanta as questões seguintes:

    a) A passagem forçada momentânea pelo prédio de terceiro prevista no n.° 1 do art.º 1349° do Cód. Civil não se aplica às obras de construção de prédio novo, mas apenas às hipóteses de reparação de edifício ou de construção?

    b) Mesmo que tal entendimento seja adoptado, não cabia à agravada a possibilidade de acção directa ?

    c) O embargo de obra nova é admissível em qualquer fase da obra desde que, e quando ocorreu a violação do direito de propriedade do embargante ?

    Os factos a considerar provados são os que a douta decisão agravada deu como provados, visto que a decisão daqueles não foi impugnada e se não mostre necessário alterar aquela decisão oficiosamente.

    Por isso, nos termos do n.° 6 do art.º 713° se dão aqueles factos, constantes de fls. 159 e segs., por reproduzidos.

    Vejamos agora cada uma das questões acima mencionadas como objecto deste recurso.

    a) Nesta primeira questão pretende o agravante que a permissão legal de utilização forçada de terreno alheio prevista no n.° 1 do art.º 1349° do Cód. Civil se não aplica senão às reparações de edifício ou de construção e não também às construções de novos edifícios.

    Tal como doutamente citou o despacho agravado, as opiniões autorizadíssimas dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela expostas no seu Cód. Civil, anotado, vol. III, ed. De 1972, pág. 166, não deixam dúvidas sobre o real pensamento do legislador ao elaborar aquele preceito que era no sentido de aquela restrição ao direito do proprietário abranger não só a reparação de prédio ou edifício, mas também a edificação de construção nova.

    Aponta nesse sentido o espírito da lei, os interesses subjacentes a tal disposição legal e a história do preceito apontada na referida anotação.

    Mas também, o Prof. José de Oliveira Ascenção, nos seus “Direitos Reais”, 1978, pág. 198, chega a uma solução de igual consequência, ao apontar, sem hesitação, para a aplicação analógica daquele preceito aos casos de construção de prédio ou edifício novo, por haver uma equivalência de interesses em causa.

    Além disso, também entendemos que nenhuma violação do texto constitucional se pratica ao fazer aquela interpretação, nomeadamente, se não viola o disposto no art.º 62°, com referência ao disposto no n.° 2 do art.º 18°, ambos da Constituição da República.

    Com efeito, o art.º 62° citado, no seu n.° 1 garante a toda a gente o direito constitucional à propriedade privada.

    Porém, o seu n.° 2 ressalva, desde logo, a requisição e a expropriação por utilidade pública.

    No entanto este dispositivo apenas versa não as limitações ao mesmo direito de propriedade, mas a sua privação total, o que não é o caso dos autos.

    Assim, ensinam dois dos maiores dos nossos constitucionalistas, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na 3ª ed., pág. 332 da sua “Constituição da República Portuguesa” que a “ausência de uma explícita reserva de lei restritiva - referindo-se aos limites ou restrições ao direito de propriedade -, embora cause alguma perplexidade (pois é corrente na história constitucional e no direito constitucional comparado) não impede porém que a lei - seja por via de algumas específicas remissões constitucionais expressas ( art.ºs 82°, 89° e 97°), seja por efeito da concretização de limites imanentes, sobretudo por colisão com outros direitos fundamentais - possa determinar restrições mais ou menos profundas ao direito de propriedade”. E acrescentam mais adiante, referindo-se à componente daquele direito, de liberdade de uso e fruição, que pode a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciada nos...

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