Acórdão nº 22/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução15 de Janeiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 22/03

Procº nº 654/2002.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

1. Por sentença proferida em 28 de Maio de 2002 pelo Juiz do 3º Juízo do Tribunal de comarca de Abrantes foram os arguidos A e B absolvidos da prática, que lhes fora imputada por acusação deduzida pelo Ministério Público, de um crime de uso de documento falso, previsto e punível pela alínea a) do nº 1 e nº 3, ambos do artº 256º do Código Penal e condenados, pela co-autoria material, na forma continuada, de um crime de pesca ilegal, previsto e punível pelos artigos 34º, § 2º, 36º, 37º, 54º, 65º e 72º, alínea a), todos do Decreto nº 44.623, de 10 de Outubro de 1962, e ainda, quanto ao arguido A, pela autoria de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pela alínea a) do nº 1 e pelo nº 3, ambos do artº 256º do Código Penal, nas penas únicas de cento e dez dias de multa a seis € por dia relativamente ao arguido B e, tocantemente ao arguido A, na pena de multa de seiscentos e quarenta €.

Nessa sentença, foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação constante do nº 1 do artº 3º do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro.

Disse-se nessa peça processual, à guisa de fundamentação do juízo de recusa:-

"........................................................................................................................................................................................................................................................................................

A moldura legal do crime de pesca ilegal é de pena de 10 a 30 dias de prisão e multa de cem escudos a dois mil e quinhentos escudos (cfr. artº 65º do Decreto n.º 44623, de 10 de Outubro de 1962).

Quanto à pena de prisão a aplicação do art. 3º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro não é viável, pois ao alterar para o limite mínimo fixado no art. 40º do CP/82 [1 mês: hoje art. 41º] o limiar mínimo da pena de prisão aplicável, faria com que o limiar mínimo da moldura penal coincidisse com o seu limiar máximo (30 dias), conduzindo a uma pena fixa [pena fixa que, aliás, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de, a propósito do art. 67º § único, julgar inconstitucional - v.DR II, de 24.04.2002, pág. 7623].

Tal pena fixa traduzir-se-ia na violação de princípios materiais constitucionalmente acolhidos, como sejam o da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.

É certo que sempre tais princípios podiam eventualmente não ser violados se fosse caso de aplicação do instituto jurídico da atenuação espacial da pena ou dispensa de pena; no entanto, no caso não se antevê factualidade com virtualidade de desencadear a aplicação desses dois institutos, pelo que se ficaria absolutamente com uma pena fixa e sem alternativa.

Por conseguinte, num juízo de inconstitucionalidade, não se aplicará o citado artº 3º, n.º 1

Por isso, será aplicável a pena de prisão referida cumulativamente com a pena de multa, pois que a pena de multa em quantitativo respeita os limites em causa.

.............................................................................................................................................

..........................................................................................................................................."

É da sentença de que parte se encontra transcrita que, pelo Ministério Público, vem, com fundamento na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto o presente recurso.

2. Determinada a feitura de alegações, após se ter circunscrito o objecto do recurso à norma vertida no nº 1 do artº 3º do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, na parte em se estabelece para as penas de prisão o limite mínimo fixado nos termos do nº 1 do artº 40º do Código Penal, relativamente a disposições legais que estatuem um limite máximo da pena de prisão igual àquele limite mínimo, rematou a entidade recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-

"1 - Pelas razões constantes do acórdão nº 70/02, para cuja fundamentação inteiramente se remete, é materialmente inconstitucional o estabelecimento pelo legislador penal de uma pena fixa de prisão, decorrente da sobreposição dos limites máximo e mínimo da sanção aplicável ao arguido pelo cometimento de certo tipo penal.

2 - Neste entendimento, é inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, a norma constante do artigo 3º, nº 1, do diploma preambular do Código Penal de 1982 (o Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro), enquanto manda aplicar o limite mínimo previsto no nº 1 do artigo 40º do Código Penal, então aprovado (1 mês), a um tipo legal de crime, previsto em legislação avulsa (no caso, o crime de pesca ilegal, previsto e punido pelo artigo 65º do Decreto nº 44 623, de 10 de Outubro de 1962), cuja moldura penal se situa entre 10 e 30 dias de prisão, implicando tal aplicação normativa a criação de uma pena fixa.

3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida".

Cumpre decidir.

3. O artº 65º do Decreto nº 44.623 comina, para o crime de pesca ilegal, uma pena de prisão situada entre os dez e os trinta dias, tendo os arguidos sido considerados incursos no cometimento de tal ilícito, previsto nas disposições combinadas dos artigos 34º, § 2º, 36º e 37º, todos do mesmo diploma.

O diploma aprovador do Código Penal de 1982 - o Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro - veio, inter alia, prescrever do nº 1 do seu artº 3º que ficavam alteradas para os limites mínimo e máximo fixados no nº 1 do artº 40º do corpo de leis que aprovara todas as penas de prisão que tivessem duração inferior ou superior aos limites estabelecidos nesse nº 1.

Significa isso, inquestionavelmente, que o legislador entendeu que, a partir da entrada em vigor do Código Penal de 1982, as disposições penais avulsas que cominassem penas de prisão cujos limites mínimo e máximo desbordassem idênticos limites e que passaram a constar do nº 1 do artº 40º desse Código (e que são, respectivamente, 1 mês e 20 anos), passariam, «automaticamente», a ser consideradas como consagrando estes últimos.

No caso do ilícito de que os arguidos vieram a ser considerados autores, como o mesmo cominava como limite mínimo da pena de prisão o de dez dias, haveria, ao menos após a entrada em vigor do Código Penal aprovado pelo citado Decreto-Lei nº 400/82, de entender-se que tal limite mínimo passou a ser o de trinta dias.

Simplesmente, atendendo a que o limite máximo da pena de prisão previsto para tal ilícito é o de trinta dias, isso redunda em que, dada a coincidência dos limites mínimo e máximo, a pena privativa de liberdade cominada para o ilícito em causa se transfigurou, após a vigência do Código Penal, numa pena fixa, por isso que a pena privativa de liberdade não poderá ser doseada em função de uma diversidade temporal entre aqueles limites.

É esta, pois, a questão de constitucionalidade agora posta à consideração deste Tribunal.

4. Ora, tocantemente a uma tal questão - a legitimidade constitucional de estatuição de penas fixas - já teve este órgão de administração de justiça ensejo de se pronunciar.

Assim, e conquanto não reportada à norma ora em apreço (mas sim referentemente ao normativo ínsito no § único do artº 67º do Decreto nº 44.623), o Acórdão deste Tribunal nº 70/2002 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 24 de Abril de 2002), dirimiu o conflito jurisprudencial que se surpreendia entre o decidido no Acórdão nº 95/2001 (publicado nos mesmos jornal oficial e Série, de 24 de Abril de 2002) e no Acórdão nº 83/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18º volume, 493 e...

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