Acórdão nº 137/03 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução18 de Março de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 137/2003

Proc. nº 183/02

  1. Secção

Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu ao Tribunal de Contas, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 111º e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 58º e no artigo 89º e seguintes, todos da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto (LOPTC), o julgamento em processo de julgamento de responsabilidade financeira de A, B, C, D, E, F e G, na qualidade de Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de ..., relativamente à gerência do ano de 1993 dessa Câmara Municipal. Fundamentou-se, para tanto, no Relatório de Auditoria com o n.º 39/99, aprovado pela 2ª Secção do Tribunal de Contas.

Os demandados teriam cometido quatro infracções financeiras, na modalidade de pagamentos indevidos, previstos no n.º 1 do artigo 49º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, e no artigo 59º da Lei n.º 98/97, consubstanciadas nos comportamentos seguintes:

a) os demandados aprovaram, em reunião da Câmara Municipal de ..., de 10 de Fevereiro de 1993, o regulamento do chamado Piquete de Esgoto, dispondo no mesmo a atribuição de um subsídio de disponibilidade no domicílio aos trabalhadores respectivos, tendo, em virtude do mesmo, pago nesse ano de 1993, a quantia global de 3.915.998$00 de subsídio, apesar de saberem que o mesmo era ilegal, por contrariar o disposto no n.º 2 do artigo 15º e o n.º 3 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e nos artigos 3º, 11º e 12º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro;

b) atribuíram a diversos funcionários da Câmara, a exercer funções junto dos Vereadores, um suplemento de secretariado, em virtude do qual efectuaram pagamentos no montante global de 765.840$00, apesar de saberem que tal suplemento carecia de base legal, pois tais funcionários não integravam o secretariado do Presidente da Câmara, tendo infringido o artigo 26º do Decreto-Lei n.º 341/83, de 21 de Julho, e os artigos 11º e 12º do Decreto-Lei n.º 353-A/89;

c) pagaram o denominado «prémio ou subsídio de esforço», criado por deliberação camarária de 26 de Outubro de 1988, no montante global de 3.451.281$00, quando sabiam que tal pagamento era ilegal, por infringir o disposto no n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio, o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 57-C/84, de 20 de Fevereiro e ainda o disposto no artigo 12º do Decreto-Lei n.º 353-A/89;

d) por fim, pagaram um «subsídio de insalubridade» criado em 1985 por um técnico dos extintos Serviços Municipalizados, sem suporte em qualquer deliberação camarária, no montante global de 217.200$00, quando sabiam que tal subsídio infringia o disposto no n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 110-A/81, o n.º 1 do artigo 11º e o artigo 12º do Decreto-Lei n.º 353-A/89 e ainda o n.º 1 do artigo 26º do Decreto-Lei n.º 341/83.

2. Na contestação, os demandados suscitaram desde logo a inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio «quer por emitido sem credencial parlamentar quer, no tocante ao seu art.º 8º, n.º 1 e elenco das excepções constantes do art. 6º, n.º 3 na medida em que, conjugadamente, limitam a retribuição do trabalho a modalidades que desatendem às imposições constitucionais constantes do art. 53º da CRP», e ainda do «Decreto-Lei n.º 57-C/84, de 20 de Fevereiro que, aliás, mantendo em vigor o Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio, na parte consigo compatível (art. 19º, n.º 2), volta a proibir a criação de remunerações acessórias que este já proibira e reduz o montante das não emergentes de criação por lei, decreto-lei ou regulamentar».

Por sentença de 14 de Fevereiro de 2001, do Juiz da 3ª Secção do Tribunal de Contas, e tendo em conta desde logo que a eventual responsabilidade sancionatória se encontrava amnistiada pela alínea a) do artigo 7º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, foram os demandados absolvidos relativamente à reposição pedida das importâncias pagas a título de suplemento de secretariado por desses pagamentos não terem resultado danos para o município, e, no mais, solidariamente condenados, como co-autores das restantes infracções financeiras de pagamentos indevidos, a reporem nos cofres da Câmara Municipal de Évora as quantias de 1.000.000$00 respeitante ao subsídio de esgoto, de 1.000.000$00 relativa ao subsídio de esforço e de 50.000$00 relativa ao subsídio de insalubridade.

Considerou a sentença que a conduta infractora dos demandados se deveu a negligência, e não a dolo, o que justificou a redução da responsabilidade financeira dos demandados «porquanto se limitaram, por um lado, a manter os subsídios que já eram processados em anos anteriores ou a aplicar um subsídio de esgoto a situações análogas já existentes, como era o caso do subsídio de disponibilidade no Piquete de Abastecimento de Água, e, por outro, desses pagamentos ilegais resultaram alguns benefícios para os Munícipes – sem falar das vantagens para os trabalhadores escalados em tais piquetes – quanto a prontidão e eficácia da resposta na reparação das avarias de funcionamento».

Relativamente às suscitadas questões de inconstitucionalidade, entendeu a sentença que as mesmas se não verificavam, porquanto «o referido diploma, bem como o DL 57-C/84, não afectam a retribuição pelo trabalho prestado, antes constitui o seu principal objectivo, designadamente o trabalho efectuado em horas fora do horário normal», salientando ainda que, «por outro lado, não tratam tais diplomas das "bases do regime e âmbito da função pública" para que, face ao disposto na al. f) do n.º 1 do art.º 165º da CRP, só pudessem ser aprovados pelo Governo mediante autorização legislativa».

3. Inconformados, os demandados interpuseram recurso dessa decisão, formulando, desde logo, as seguintes conclusões:

a) os recorrentes procederam aos pagamentos dos autos com o objectivo de assegurar a eficácia na prossecução das atribuições do município, [...]

b) fazendo-o convictos de que agiam legalmente, quer face ao disposto no Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio (inconstitucional, aliás, por emitido sem autorização parlamentar – necessária face à então vigente al. m) do art. 167º da CRP – e inconstitucional ainda no tocante ao seu art. 8º, n.º 1 e elenco das excepções constantes do art. 6º, n.º 3, na medida em que, conjugadamente, limitam a retribuição do trabalho a modalidades que desatendem as imposições constitucionais constantes do então art. 53º da mesma CRP [...]

c) quer face ao Decreto-Lei 57-C/84, de 20 de Fevereiro (que enferma dos mesmos vícios de inconstitucionalidade que o referido Decreto-Lei n.º 110-A/81), quer face ao Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, quer, por último, face ao Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, [...]

d) em qualquer caso, os recorrentes não agiram com culpa, nem sequer na forma de negligência;

e) e, da atribuição dos referidos subsídios, não resultou dano para o município mas, ao invés, dela "decorreu a possibilidade de assegurar necessidades básicas das populações", com "economia de gastos" e "notória minimização de custos";

f) ainda que assim se não entendesse, face às circunstâncias em que os pagamentos dos autos foram efectuados deveria a responsabilidade dos ora recorrentes ser relevada nos termos do art. 64º, n.º 2 da Lei 98/97, de 26 de Agosto;

Nas respectivas contra-alegações de recurso, o Ministério Público manifestou-se no sentido da confirmação da sentença recorrida.

4. Por acórdão de 21 de Novembro de 2001, em Sessão Plenária da 3ª Secção, o Tribunal de Contas decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

No tocante às suscitadas questões de inconstitucionalidade, entendeu-se nesse aresto:

Já referimos que ambos os diplomas [Decreto-Lei n.º 110-A/81 e Decreto-Lei n.º 57-C/84] se debruçam sobre o regime remuneratório do funcionalismo público, com a publicação das tabelas de vencimentos e normas relativas a gratificações, pensões e remunerações acessórias.

Não estamos, pois, no âmbito das bases do regime da função pública e da responsabilidade civil da Administração, matéria de acrescida dignidade, própria das que se integram na esfera da competência da Assembleia.

[...]

São estas, seguramente, as áreas de legislação [as relativas a responsabilidade civil do Estado, responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos funcionários e agentes e as regras fundamentais a que deve obedecer o regime da função pública] que se integram na previsão constitucional de reserva da Assembleia, sendo as concretas tabelas de vencimentos e disposições afins de cariz remuneratório estranhas à reserva constitucional.

O que nos leva a concluir que os Dec. Leis 110-A/81 e 57-C/84 não fixam o regime, o âmbito da função pública e, muito menos, a responsabilidade civil da Administração. Logo, não sofrem da invocada inconstitucionalidade orgânica.

E, passando a analisar a segunda questão de inconstitucionalidade, atinente à eventual violação do artigo 53º da Constituição, entendeu ainda este acórdão:

Estamos perante enunciados de direitos que a lei deverá consagrar, designadamente no âmbito das relações laborais, e que, em nada são afectados com o conteúdo dos artigos 6º e 8º do Decreto-Lei n.º 110-A/81, reiterados nos art.º 7º e 19º - n.º 2 do Dec.-Lei n.º 54-C/84.

Na verdade, a proibição da criação, aumento ou extensão das remunerações acessórias, a exigência de um prazo mínimo de um ano para nova actualização das gratificações, que aqueles artigos normatizam, são, de todo, compatíveis com os princípios constitucionais de igualdade, não discriminação, do direito à retribuição: estamos a falar de suplementos, gratificações, de políticas de restrição de abusos e de correcções a "situações de privilégio abusivo e de formas transviadas de acréscimo de vencimento".

Ou seja: as normas sindicadas pelos Recorrentes não são inconstitucionais, sendo, aliás, pertinente, relembrar que, pese embora os vinte anos decorridos desde a respectiva publicação, não se conhece...

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