Acórdão nº 269/03 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução27 de Maio de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 269/2003

Proc. n.º 218/01

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – O relatório

1. A., identificada com os demais sinais dos autos, interpõe recurso do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 2000 - o qual negou provimento ao recurso que havia interposto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo que, por seu lado, confirmara a decisão de improcedência da impugnação deduzida pelo ora recorrente contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante designado apenas por IVA) - nos temos da al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, apenas LTC - Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro sucessivamente alterada), pretendendo que este Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das normas dos art.os 82 e 84º do Código do IVA (abreviadamente, CIVA).

2. Sintetizando o afirmado nas alegações de recurso para este Tribunal, conclui a recorrente pelo seguinte modo:

«1ª - No aliás douto acórdão recorrido foi decidido que, aos artigos 82º e 84º do CIVA não se aplicaria o regime e princípios válidos em matéria de processos de natureza sancionatória, porquanto, aqueles normativos não regulam um processo de tal natureza, mas tão só estabelecem “em que casos e por que meios pode a Administração Fiscal repor a realidade da situação tributária do contribuinte em sede de IVA”.

2ª - Entende, porém, a recorrente que tal interpretação contende com o preceituado no n.º 2 do art.º 32º da Lei Fundamental, violando-se concomitantemente, o princípio “in dubio pro reo” aí consagrado.

3ª - Na verdade, aquelas normas estabelecem uma presunção de comportamento contra-ordenacional, que nos termos do citado Código constitui uma infracção fiscal, presunção essa de um comportamento culposo e, mais grave que tudo, estatuído antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, estando assim plenamente justificado o recurso às normas constitucionais de protecção do cidadão em matéria penal.

4ª - É consabido que, face à nossa lei, também as infracções fiscais, porque punidas com pena de multa, apresentam natureza criminal (cfr. António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. II, págs. 29), pelo que se defende a validade do princípio “in dubio pro reo” no domínio fiscal - vide Col. Jur., III, págs. 1117) acórdão do TC n.º 227/92, in Bol. Contribuinte, 1992, págs. 402.

5ª - Ademais, a evolução legislativa tem conduzido a uma cada vez maior aproximação, no tocante ao tratamento legal da violação dos comandos contidos nas normas tributárias, aos princípios e regras próprias ao direito penal comum.

6ª - In casu, concluiu-se a existência de vendas não contabilizadas, pela mera falta de inventário respeitante ao exercício em causa, bem como a elementos puramente extracontabilísticos, designadamente, ao volume de compras mais acentuado, porém inquestionável no último trimestre de 1995,

7ª - Violando-se, ainda, o disposto no art.º 129º do Código de Processo Tributário que, tratando expressamente da relação entre dúvidas fundadas e métodos indiciários, exige - sem margem de dúvida razoável - que se verifique o facto tributário, sob pena do acto impugnado ser anulado (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 19 de Dezembro de 2000, proferido no âmbito do processo n.º 4066/00).

8ª - Donde, dúvidas não restam quanto à necessidade de fundamentação da decisão quanto à avaliação indirecta, bem como do seu carácter de ultima ratio (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, pág. 281).

9ª - Por último se dirá, ainda, que os citados artigos 82º e 84º do CIVA, porque de normas infraconstitucionais se trata, sempre terão de ser interpretadas em conformidade com a Constituição, designadamente, em consonância com o disposto no art.º 32º da Constituição.

10ª - Tanto mais que, consubstanciando o sobredito normativo um direito fundamental dos cidadãos, sempre implicará a sua interpretação em termos mais favoráveis, devendo prevalecer aquela que, conforme os casos, restrinja menos tal direito e lhe dê maior protecção (vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, págs. 143).

11ª - Revestindo-se com o manto da inconstitucionalidade, aqueles mesmos artigos do CIVA não deveriam ter sido, na interpretação que lhes foi dada no douto aresto ora em crise, aplicados pelo Meretíssimo Julgador na formação da decisão».

3. A FAZENDA PÚBLICA, recorrida, não contra-alegou.

4. Dos fundamentos da decisão recorrida

Inconformada com o acórdão do TCA que negou provimento ao recurso interposto da decisão de improcedência da impugnação prolatada pela 1ª instância, a ora recorrente colocou ao Supremo Tribunal Administrativo, no recurso que para ele interpôs, entre outras que estão fora do objecto deste recurso de inconstitucionalidade, a questão da inconstitucionalidade dos art.ºs 82º e 84º do CIVA por violação do n.º 2 do art.º 32º da CRP.

E discreteando e decidindo sobre ela considerou esse tribunal o seguinte:

« O n.º 2 do art.º 32º da CRP, ao consagrar a presunção de inocência do arguido, é unicamente aplicável ao processo criminal, ainda que se deva entender, até por força do seu n.º 10, que alcança todas as espécies processuais de natureza sancionatória.

Basta, para deste modo concluir, a leitura da epígrafe do dito artigo: “Garantias de Processo Criminal”, e a letra dos seus vários números. Logo no primeiro se refere “o processo criminal”; no segundo fala-se no “arguido”; no quinto volta a referir-se “o processo criminal”; no sexto alude-se ao arguido ou acusado, no sétimo, ao “ofendido”; por último, no décimo, garantem-se ao “arguido nos processos de contra-ordenação e em quaisquer processos sancionatórios” direitos de audiência e de defesa.

Ora, do que se trata nos artigos 82º e 84º do CIVA, não é de regular um processo de natureza sancionatória, mas de estabelecer em que casos e por que meios pode a Administração Fiscal repor a...

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