Acórdão nº 273/03 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução28 de Maio de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão Nº 273/03

Procº nº 212/2003.

  1. Secção.

    Relator:- BRAVO SERRA.

    1. Na acção, seguindo a forma de processo ordinário, que A., residente no concelho da Praia da Vitória, intentou, pelo Tribunal de comarca de Angra do Heroísmo, contra o Governo dos Estados Unidos da América, e por intermédio da qual peticionou que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte do réu e que este fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização global de Esc. 6.437.764$00, além de juros, o Juiz daquele Tribunal, por despacho de 22 de Janeiro de 2003, considerou territorialmente competente o Tribunal de Trabalho de Lisboa.

    Para assim decidir, recusou, por inconstitucionalidade, a aplicação do nº 1 do artº 17º constante do Acordo Laboral, incluído no Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 38/95, de 11 de Outubro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 72/95, de 11 de Outubro, entrado em vigor em 21 de Novembro de 1995, de acordo com o Aviso nº 23/96, emanado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Pode ler-se, em dados passos e para o que ora releva, nesse despacho:-

    “........................................................................................................................................................................................................................................................................................

    B

    O Acordo Laboral de 1995, estando as partes acordantes determinadas em promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, pretendeu regular as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses - cfr. o Preâmbulo e art.º 1º, n.º 1, do Acordo referido.

    Contudo, a propalada igualdade não é assegurada, se tivermos em consideração a posição de qualquer outro trabalhador na ordem jurídica portuguesa que não preste o seu trabalho às Forças americanas. Nomeadamente, e para o que aqui nos interessa, em termos processuais.

    É que dispunha do seguinte modo o Código de Processo de Trabalho em vigor em 1998 (DL 272-A/81, de 30/09), data da entrada em juízo da presente acção:

    - Art.º 14º, n.º 1: ‘As acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes’.

    - Art.º 15º, n.º 1: ‘As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor’.

    As regras de determinação da competência territorial obedecem a critérios de justiça e de razoabilidade, norteando-se igualmente pela comodidade das partes e pelo interesse da boa administração da justiça (nesse sentido, Antunes Varela, ‘Manual de Processo Civil’, 2ª Ed., pág.219). Cumulativamente, e no direito laboral, acresce o interesse e a conveniência do trabalhador, tendo em conta a estrutural debilidade contratual existente entre aquele e a sua entidade patronal (Leite Ferreira, ‘Código de Processo do Trabalho Anotado’, 4ª Ed., pág. 87).

    O princípio da igualdade está sobejamente tratado na jurisprudência do Tribunal Constitucional. ............................................

    ..........................................................................................................................................................................................................................................................................................

    No caso em análise, constata-se uma discrepância entre o tratamento dado ao trabalhador por conta da Força americana e o trabalhador em geral. A este são disponibilizados, para sua conveniência no acesso à justiça laboral e em alternativa, três foros competentes para apreciação do litígio que mantenha com a sua entidade patronal; ao primeiro somente um e que, para mais, nenhuma conexão razoável mantém com a fonte do litígio.

    Desta forma, o trabalhador ordinário que houvesse prestado trabalho na Base Aérea n.º 4, sita na freguesia das Lages, Praia da Vitória, por conta, v. g., da Força Aérea portuguesa e tivesse ido residir para Bragança, poderia intentar uma acção laboral na Praia da Vitória e em Bragança (sendo Réu o Estado português, ao domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor - art.º 86º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1º, n.º 2, al. a), do CPT). O trabalhador por conta das Forças dos Estados Unidos teria forçosamente de instaurar a sua acção em Angra do Heroísmo.

    Tal discrepância não encontra arrimo em qualquer diferença existente na prestação laboral levada a cabo por uns e por outros.

    Se o objectivo buscado pelas partes acordantes foi o de ‘promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, regulando-se as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses’, a necessidade de criar uma determinada relação jurídica reguladora das relações entre a Força americana e os seus trabalhadores civis portugueses adveio da específica natureza da entidade empregadora – uma força militar de um Estado estrangeiro sediada em território nacional - não das diferenças existentes entre o contrato de trabalho celebrado entre as partes, pois, quanto a este, nada distingue o previsto no art.º 6º, n.º 1, do Acordo Laboral de 1995 do [ ] art.º 1º da LCT (DL 49.408, de 24/11/69).

    Poder-se-ia argumentar que o Acordo de 1995, como fonte de direito supra legal, não estaria vinculado à regulamentação mais favorável ao trabalhador levada a cabo por um instrumento que lhe é hierarquicamente inferior. Contudo, e como vimos, aquele deve obediência aos ditames constitucionais; ora, face a este diploma, não existe critério diferenciador que autorize distinto tratamento para os trabalhadores por ele vinculados; ou seja, e por outras palavras, o Acordo Laboral poderia estabelecer direitos diferentes dos consagrados para os trabalhadores em geral, não menos direitos, não uma sua posição mais fragilizada face aos demais.

    Por outro lado, o Acordo Laboral ao restringir a um só o foro competente para decidir das causas dele emergentes - o de Angra do Heroísmo - cria um verdadeiro impedimento de o trabalhador da Base aceder em termos razoáveis e proporcionais à justiça laboral, já que atribui competência a um foro que com aquela problemática nenhuma conexão mantém, retirando-a ao foro ‘naturalmente’ competente: o previsto nos art.º 14º e 15º do CPT. É de referir que menos desproporcionado do ponto de vista que tratamos era o foro estabelecido no Acordo Laboral de 1984, já que previa o seu art.º 94º o recurso ao tribunal com jurisdição sobre a Base Aérea nº4, não se encontrando no Acordo de 1995 qualquer fundamentação para a alteração entretanto operada. Esta arbitrariedade legislativa não tem, cabe concluir, um fundamento razoável. Se a área territorial da Base Aérea é coberta por um tribunal com jurisdição laboral – o da comarca da Praia da Vitória – por que razão foi alterada essa competência pelo Acordo de 1995?

    Como tal, e por acordo Laboral descriminar negativamente os trabalhadores abrangidos pelo Acordo de 1995 face a todos os outros trabalhadores e restringir arbitrariamente o seu acesso aos tribunais, é de recusar a aplicação ao caso sub judice da norma do seu art.º 17º, n.º 1, com fundamento na inconstitucionalidade material da mesma – art.º 204º da CRP - por violação do princípio constitucional da igualdade.

    1. Tribunal territorialmente competente.

    Qual então o tribunal territorialmente competente para apreciar a presente acção?

    Abra-se aqui uma nota para referir que a questão da competência internacional se encontra já resolvida, por decorrência directa do Acordo Laboral.

    Há que recorrer às regras laborais gerais para o determinar, mais concretamente ao art.º 14º, n.º 1, do CPT, a qual atribui como regra geral a competência ao tribunal do domicílio do réu.

    O réu, nestes autos, são os Estados Unidos da América, um estado soberano, o qual não tem, por natureza, domicílio, pelo que aquela regra não tem aqui aplicação.

    Cabe lançar mão então das regras subsidiárias do CPC, por força do que dispõe o art.º 1º, n.º 2, al. a), do CPT.

    Contudo, nem as regras especiais constantes dos art.ºs 73º...

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