Acórdão nº 304/03 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução18 de Junho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 304/2003

Processo n.º 381/03

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

1.1. O Presidente da República requer ao Tribunal Constitucional - nos termos do artigo 278° nºs 4 e 6 da Constituição e dos artigos 51º n° 1 e 57° n° 1 da Lei sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional - a apreciação da constitucionalidade de algumas das normas constantes do Decreto da Assembleia da República n° 50/IX que lhe fora remetido para ser promulgado como lei orgânica - a Lei dos Partidos Políticos.

Explica o Requerente que pela “importância vital para a vida democrática, pela sua íntima associação ao exercício dos direitos fundamentais de participação política e pelas funções constitucionalmente atribuídas aos partidos políticos - designadamente o exclusivo da apresentação de candidaturas à Assembleia da República -, bem pode dizer-se que a lei dos partidos políticos agora aprovada pela Assembleia da República é um diploma estruturante do regime democrático”, facto que “por si só, seria razão bastante para dedicar uma especial atenção ao esclarecimento prévio de eventuais dúvidas de constitucionalidade que algumas das suas normas podem suscitar, tanto mais quanto se pretende proceder a uma substituição global da primeira lei dos partidos políticos oriunda de 1974”.

Por outro lado - prossegue - “independentemente do largo apoio que suscitou na votação parlamentar, não pode esquecer-se que estamos num domínio em que importa sobremaneira garantir que os direitos das associações ou partidos políticos minoritários não sejam ilegitimamente afectados. Mais ainda, a extrema sensibilidade deste domínio, em que há que compatibilizar a liberdade e autonomia de organização interna com as exigências acrescidas que os fins dos partidos políticos em regime democrático lhes impõem, aconselha a uma verificação prévia das inovações susceptíveis de gerar mais controvérsia,” em ordem a impedir que a entrada em vigor da nova lei dos partidos políticos seja ensombrada “por dúvidas não previamente esclarecidas de constitucionalidade”.

São estas as razões que o Presidente da República liminarmente convocou para requerer a apreciação preventiva das seguintes normas do aludido diploma:

  1. a norma da alínea c) do n° 1 do artigo 18° - que determina a extinção de partido político que não apresente candidaturas a duas eleições gerais sucessivas para a Assembleia da República - que pode, eventualmente, violar os artigos 2°, 46° n° 2 e 51 n° 1 da Constituição;

  2. as normas do n° 1 do artigo 32° - que determinam a destituição de titulares dos órgãos partidários por efeito de condenação por crime de responsabilidade ou por efeito de condenação por participação em associações constitucionalmente proibidas - que, em dada perspectiva, poderão ofender a garantia consagrada no artigo 30° n° 4 da Constituição. E, por fim,

  3. a norma do artigo 34°, que, na medida em que impõe que as eleições partidárias se realizem por sufrágio pessoal e secreto, pode violar a garantia consagrada no artigo 46° n° 2 da Constituição.

    1.2. Quanto ao primeiro caso, especifica o Presidente da República que, sendo certo que a Constituição dá aos partidos políticos a competência exclusiva de apresentação de candidaturas à Assembleia da República, será também certo, em seu entender, que “em lado algum os obriga à apresentação de candidaturas”. O facto de, nos termos do artigo 10° n. 2 da Constituição, os partidos políticos concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular “não pode eliminar, em regime democrático, o momento e a margem interna de livre decisão política” que remete para o próprio partido político e para os seus órgãos legitimamente constituídos a decisão sobre os termos, as condições e o grau de participação nas eleições.

    Ora, poderá acontecer que um determinado partido político, sobretudo quando se trata de partido minoritário, considere que a melhor forma de concorrer, em determinado momento, para a formação da vontade popular seja a não apresentação de candidaturas às eleições parlamentares, com, por exemplo, um eventual apoio a outras forças concorrentes sem que, com isso, pretenda renunciar à hipótese de futuramente se apresentar a eleições. Nessa altura, pode suscitar-se a dúvida de saber se a determinação legal de extinção quando tal se verifique em duas eleições sucessivas não constituirá uma restrição excessiva da livre prossecução dos fins associativos garantida pelo artigo 46° n. 2 da Constituição e da livre instituição e conformação de partidos políticos, bem como da liberdade de decisão e organização internas e da margem de autonomia partidária própria do Estado de Direito democrático pluralista consagradas respectivamente no artigo 51º n. 1 e no artigo 2°, ambos da Constituição.

    Assim, a norma do artigo 18° n. 1 alínea c) pode, eventualmente, violar os artigos 2°, 46° n. 2 e 51º n. 1 da Constituição.

    1.3. Quanto ao segundo caso, as normas do artigo 32° n.1 - que determinam a destituição de titulares dos órgãos partidários por efeito de condenação por crime de responsabilidade ou por efeito de condenação por participação em associações constitucionalmente proibidas - parecem constituir situações configuráveis enquanto perda de direitos “como efeito necessário” da condenação em certo tipo de crimes, o que, não assentando aqui numa habilitação constitucional específica - diferentemente do que acontece expressamente com a perda do mandato ou a destituição do cargo previstos no artigo 117° n. 3 da Constituição -, suscita a dúvida de saber se com a previsão legal daquele efeito não se estará a violar a garantia do artigo 30° n° 4 da Constituição.

    1.4. Por último, e quanto à norma do artigo 34° - na medida em que impõe que as eleições partidárias se realizem por sufrágio pessoal e secreto -, sustenta o Requerente que “um dos aspectos mais delicados do nosso Estado de Direito democrático tem sido a dificuldade em compatibilizar o princípio da autonomia e liberdade de organização interna dos partidos políticos com o princípio da sua necessária democraticidade. Se o primeiro é um corolário da liberdade de associação (e também da associação política) própria do Estado de Direito, o segundo surge como exigência de adequação da organização e estrutura interna dos partidos políticos às funções que lhes são reconhecidas e atribuídas no Estado democrático” exigência a que a revisão constitucional de 1997 deu corpo, com o novo n. 5 do artigo 51º ao impor aos partidos políticos "os princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas".

    A fonte da preocupação do Presidente da República sobre a conformidade constitucional da norma reside precisamente na dificuldade em definir as “fronteiras entre o que constitui densificação desta exigência e aquilo que poderia já ser uma regulamentação excessiva comprometedora da autonomia partidária”. Assim, no caso em apreço, pode colocar-se a dúvida de saber “se a imposição de realização das eleições partidárias (de todas elas) por sufrágio pessoal e secreto se situa para aquém ou para além daquelas fronteiras”, questão cuja importância “aconselha o esclarecimento preventivo dessas dúvidas por parte de quem tem a competência para o fazer”.

    Importará, pois, saber se a norma do artigo 34°, enquanto impõe a realização das eleições partidárias por sufrágio pessoal e secreto, viola ou não a garantia constitucional do artigo 46° n. 2 da lei fundamental.

    1.5. Cumprido o disposto no artigo 54º da LTC, respondeu o Presidente da Assembleia da República a oferecer o merecimento dos autos; fez juntar os Diários da Assembleia da República “que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação”.

    2.1. Para responder às questões suscitadas pelo Presidente da República importa antes de tudo ter em mente as linhas de força que a evolução do sistema político tem provocado no enquadramento legal dos partidos. É que, conforme sublinha Marcelo REBELO DE SOUSA - Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, 1983, fls. 7 - “com a transição do Estado Liberal para o Estado Social a matéria referente aos partidos políticos ganhou uma dignidade jurídico-constitucional de que se encontrava carecida na segunda metade do Século XIX e nas primeiras décadas do Século XX”.

    Este “ganho” foi, entre nós, particularmente evidente no âmbito da IV revisão constitucional, conforme claramente decorre das actas das reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, visando-se então [cfr. Acta da Reunião de 18 de Setembro de 1996, in Diário da Assembleia da República II Série-RC, n. 24 de 19 de Setembro de 1996] a “transposição explícita de princípios constitucionais para a vida interna dos partidos” como, por exemplo, a exigência de “mecanismos cada vez mais aperfeiçoados de pluralismo interno, policentrismo, transparência, organização rigorosamente democrática”, tudo correspondente a uma “nova fase da vida do sistema político, maxime do sistema partidário” [Deputado Alberto Martins], tendo “como pano de fundo a importância que os partidos políticos têm na organização do Estado e a influência que a vontade de cada um dos partidos tem dentro da arquitectura constitucional em que estão inseridos” [Deputado Miguel Macedo].

    Reconheceu-se ainda que actualmente os partidos são titulares de direitos próprios da maior relevância e que o Estado tem determinadas obrigações para com os partidos, designadamente quanto ao respectivo financiamento, património

    e contas, razão pela qual “os princípios democráticos de organização partidária” deverão ser “obrigatórios” para todos os partidos, e que estes se devem reger “por regras de transparência, de organização e gestão democrática, pelo direito de participação de todos os seus membros” [Deputado Luís de Sá].

    Este pensamento, com naturais nuances, proveio de uma larga maioria do leque político-partidário com assento parlamentar, materializando-se posteriormente, na lei...

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