Acórdão nº 365/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução14 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 365/2003 Processo n.º 241/02 3ª Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. A.., deduziu impugnação judicial contra a liquidação de taxa, efectuada pela Câmara Municipal de Matosinhos, no valor de Esc. 81.421.400$00 (posteriormente corrigida para 57.181.950$00, cfr. fls. 533), respeitante à ocupação do subsolo daquele município com condutas de combustível ? Pipeline --------- ? referente ao ano de 1999.

    Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, 1º Juízo, de 31 de Janeiro de 2002, de fls. 1717 e seguintes, foram julgadas ?inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 4 e 7 do artigo 36° do Anexo I ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, na redacção dada em sua deliberação de 28/12/98, publicada no aviso n.º 1610/99, do Apêndice n.º 31 ao DR n.º 61, II Série, de 13/03/99?, e procedente a impugnação, com a consequente anulação da liquidação.

    Em síntese, o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto entendeu que as referidas normas, ao abrigo das quais foi praticado o acto de liquidação em causa, envolvem a criação de um imposto, criação essa que se encontra "reservada à Assembleia da República ou ao Governo por ela devidamente autorizado ? artigo 168°, nº 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (até à revisão de 1997), actual artigo 165°, nº 1, alínea i)?. Assim sendo, "tais normas são organicamente inconstitucionais, pois que o Regulamento criador emanou de mera deliberação da Assembleia Municipal, no caso, do município de Matosinhos". E que, ainda que se entendesse diferentemente, seriam materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade: ?do confronto dos valores fixados com os estabelecidos nos artºs 36º a 38º do Regulamento na sua anterior redacção com os estabelecidos no artº 36º na redacção actual constata-se que, pese embora os aumentos aprovados se apliquem a muitas outras situações, a alteração de valores fixada para as outras condutas é praticamente irrisória quando comparada com o aumento destinado às condutas utilizadas pela impugnante?.

  2. Desta sentença veio o Ministério Público recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (requerimento de fls. 1737).

    O recurso foi admitido. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações.

    O Ministério Público concluiu nos seguintes termos:

    "1º - A concepção constitucional de 'taxa' pressupõe ? face ao entendimento da jurisprudência constitucional ? a necessidade de existência de uma relação sinalagmática, a desnecessidade de uma exacta equivalência económica, a aferição do respectivo montante em função não só do custo, mas também do grau de utilidade prestada, e a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na sua fixação.

    1. - A taxa devida pela utilização do subsolo viário municipal, através da instalação de condutas subterrâneas para o transporte de produtos petrolíferos, tem natureza sinalagmática, já que é devida em função de uma utilização individualizável de um bem do domínio público municipal.

    2. - A circunstância de na fixação do montante de tal taxa se ponderar a utilidade económica que, para o utente, decorre do consentimento na utilização do subsolo municipal ? não atendendo apenas a outras prestações ou custos devidos ou suportados pelo município e às áreas físicas ocupadas ? não implica 'manifesta desproporção' da taxa fixada pela norma regulamentar objecto do presente recurso.

    3. - Não podem invocar-se como parâmetros de uma alegada desproporcionalidade os montantes originariamente fixados, há várias décadas, como contrapartida de tal utilização do subsolo, nem as decorrentes das restantes utilizações alternativas do subsolo municipal, já que o montante das taxas não pode considerar-se 'cristalizado' em função das circunstâncias existentes no momento da sua criação, nem é vedado à Administração ponderar os riscos e utilidades que decorrem das várias utilizações possíveis do subsolo municipal, reflectindo-os no respectivo montante.

    4. - Termos em que deverá proceder o presente recurso."

    A recorrida A.. contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade das normas impugnadas e exprimindo concordância com a decisão recorrida. Em síntese, chamando a atenção para a matéria de facto que foi considerada provada, a recorrida frisou que o montante a pagar pela utilização do subsolo foi actualizado por diversas vezes, não sendo exacto que o aumento em apreciação, que não reflecte qualquer alteração nas relações com o município, venha ultrapassar qualquer ?cristalização? de um valor há muito fixado.

  3. Não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso, cabe começar por fixar o respectivo objecto.

    É o seguinte o texto das normas impugnadas (n.ºs 4 e 7 do artigo 36° do Anexo I ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos, na redacção dada pela deliberação da Assembleia Municipal de 28.12.98, publicada no Aviso n.º 1610/99, do Apêndice n.º 31 ao Diário da República, II Série, n.º 61, de 13 de Março de 1999):

    Artigo 36º Construções ou instalações no subsolo

    1 ? Depósitos subterrâneos não destinados a bombas abastecedoras, por metro cúbico ou fracção e por mês ? 5000$00.

    2 ? Tubos, condutas, cabos e semelhantes sem fins industriais:

    Até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano ?100$;

    Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 40$.

    3 ? Tubos, condutas, cabos e semelhantes com fins industriais ou comerciais, nomeadamente para abastecimento de água, salvo ligações aos colectores municipais:

    Até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano ?1500$;

    Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 500$.

    4 ? Tubos, condutas, cabos e semelhantes com fins industriais ou comerciais para abastecimento com produtos derivados do petróleo ou químicos, por m/l ou fracção e por ano - 15.000$00.

    5 ? Tubos, cabos e semelhantes de comunicações e afins:

    Até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano ?220$;

    Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 60$.

    6 ? Tubos, cabos, condutas subterrâneas de abastecimento domiciliário de gás:

    Até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano ?220$;

    Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 60$.

    7 ? Condutas subterrâneas de produtos petrolíferos e afins destinados à refinação ou armazenagem:

    Até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano ?50.000$;

    Por cada 5 cm a mais de diâmetro - 4.000$.

    8 ? Câmaras, caixas de visita ou afins, por metro cúbico ou fracção e por ano ? 5.000$00.

    (...)

    Constituem o objecto deste recurso, assim, as normas constantes dos n.ºs 4 e 7 do artigo 36º, cuja aplicação foi recusada pela sentença recorrida porque, ao implicarem "um aumento desmesurado e totalmente desproporcionado", "várias vezes superior a 1.000%", das taxas nelas previstas, "sem qualquer alteração das condições de ocupação do subsolo, afigura-se-nos que sob o 'rótulo' de taxas (alteração), aquela entidade [Câmara Municipal de Matosinhos] mais não fez do que lançar um imposto sobre a impugnante, ou, pelo menos, uma ?contribuição especial???.

    Tratando-se, portanto de um imposto, o diploma que o criou haveria de ter sido emitido pela Assembleia da República, ou pelo Governo ao abrigo de autorização legislativa daquela, de acordo com o disposto no artigo 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição. Não o tendo sido, estão as normas contidas nos n.ºs 4 e 7 do artigo 36° do Anexo I do referido Regulamento feridas de inconstitucionalidade orgânica; e, em qualquer caso, como já se disse, de inconstitucionalidade material.

  4. Convém ter presente que, na versão imediatamente anterior deste Regulamento, as normas correspondentes tinham o seguinte teor (cfr. Regulamento a fls. 147 e segs.):

    Artigo 36º Construções ou instalações especiais no solo ou subsolo 1 ? Depósitos subterrâneos com excepção dos destinados a bombas abastecedoras

    - por metro cúbico ou fracção e por mês ? 4.500$00

    (...)

    5 ? Outras construções ou instalações especiais no solo ou no subsolo:

    1. Por metro quadrado ou fracção e por ano ? 1.070$00.

      Artigo 37º Ocupações diversas

      (...)

      3 ? Tubos, condutas, cabos condutores e semelhantes:

      Por metro linear ou fracção e por ano

    2. Até 20 cm de diâmetro ? 90$;

    3. Com diâmetro superior a 20 cm - 170$.

      (...).

      ...

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