Acórdão nº 375/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução15 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 375/03

Processo n.º 513/99

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

C..., V..., J... e S... intentaram, em 30 de Maio de 1989, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra R..., EP, acção declarativa, com processo ordinário, pedindo: (i) a sua reclassificação (os 1.º, 2.º e 4.º autores desde Dezembro de 1981 e o 3.º autor desde Dezembro de 1980) na categoria de “técnico de grau III”, prevista no Acordo de Empresa (AE) celebrado entre a ré e vários sindicatos do sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, de 8 de Janeiro de 1983, e alterações subsequentes, aplicável às relações entre autores e ré, ou, se assim se não entender, na categoria de “técnico de grau II”, prevista no mesmo AE; (ii) a passagem ao “escalão B” da categoria em que forem reclassificados um ano após as datas referidas e ao “escalão C” dois anos após a passagem ao “escalão B”; e (iii) a condenação da ré no pagamento das diferenças salariais vencidas e vincendas, decorrentes da discrepância entre as remunerações correspondentes à categoria profissional de “técnicos auxiliares de nível C” que a ré erradamente lhes vinha atribuindo e as correspondentes à categoria de “técnico de grau III” a que têm direito.

A ré contestou, propugnando a improcedência da acção, por as funções efectivamente exercitadas pelos autores corresponderem à categoria profissional, que lhes estava atribuída, de “técnicos auxiliares C”, de acordo com o aludido AE, cuja aplicação às respectivas relações deu por adquirida.

Em apenso, foram julgadas habilitadas para contra elas prosseguir a acção as empresas – resultantes da cisão da primitiva ré –, E..., SA, L..., SA, T..., SA, e A..., SA, nas quais haviam sido colocados, respectivamente, os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º autores.

Efectuada audiência de julgamento, foi proferida, em 30 de Abril de 1993, sentença a julgar a acção parcialmente procedente e as rés condenadas a reclassificarem os autores na categoria de “técnico de grau II”, com direito ao “escalão C”, e a pagarem-lhes as diferenças salariais que se apurarem em execução de sentença.

Contra esta sentença deduziram as rés L..., SA, e A..., SA (fls. 347 a 350), e a ré E..., SA (fls. 351 a 364), recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, as primeiras pedindo a declaração de nulidade da sentença e todas a sua revogação, por considerarem correcta a classificação dos autores como “técnicos auxiliares”. Os autores interpuseram recurso subordinado, insistindo na atribuição da categoria de “técnicos de grau III”.

Entretanto, o autor J... e a ré A..., SA, celebraram auto de conciliação (fls. 414 e 415), no qual acordaram em rescindir o contrato de trabalho que os vinculava, pagando a ré ao referido autor a indemnização de 3 500 000$00 pelos prejuízos decorrentes das questões em causa nesta acção e desistindo do restante do pedido. E por auto de fls. 427, o autor J... e a ré T..., SA, chegaram a acordo quanto à fixação da indemnização a que esta fora condenada na sentença da 1.ª instância, que fixaram no montante de 4 000 000$00.

Tendo a ré E..., SA, junto ao autos (fls. 435) documento de transacção extrajudicial celebrada com o autor C... (no qual acordavam em rescindir o contrato de trabalho que os vinculava, pagando a ré ao referido autor a indemnização de 2 800 000$00 pelos prejuízos decorrentes das questões em causa nesta acção e desistindo este do restante do pedido), e, com base nela, requerido a declaração da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, esta pretensão veio a ser indeferida por despacho de 21 de Janeiro de 1997, que não julgou válida aquela transacção. Deste despacho interpôs a referida ré recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de 18 de Março de 1998, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento à apelação das rés e negou-o ao recurso subordinado dos autores, revogando a sentença apelada e absolvendo as rés dos pedidos, e negou provimento ao recurso de agravo da ré E..., SA.

Contra este acórdão, na parte em que concedeu provimento à apelação das rés e negou provimento ao recurso subordinado dos autores, interpuseram os autores C... e V... recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que a categoria profissional que melhor se adapta às funções por eles exercidas é a de “técnico de grau III” ou, se assim se não entender, pelo menos a de “técnico de grau II”, com direito ao “escalão C” na categoria em que forem reclassificados.

A ré E..., SA, contra-alegou, propugnando a negação da revista.

Por acórdão de 14 de Abril de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça, embora por fundamento diverso do do acórdão recorrido, negou provimento ao recurso. Para chegar a este resultado, após reproduzir a matéria de facto fixada pelas instâncias, desenvolveu a seguinte argumentação:

“Considerando que, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente e atendendo que ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, cabe aplicar o direito aos factos, artigos 85.º do CPT e 729.º, n.º 1, do CPC, é com base na factualidade assim descrita que importa conhecer da questão a resolver nos presentes autos e que se prende com o pedido (agora apenas dos 1.º e 2.º autores) de reclassificação de acordo com a categoria de técnico de grau III, ou subsidiariamente a de técnico de grau II, para além da atribuição do nível C, da categoria a que ascenderem.

Na realidade, foi diverso o entendimento das instâncias.

Com efeito, enquanto que em sede de sentença, indicada sequencialmente a actividade dos autores, se concluiu que as suas funções se enquadravam na categoria de «técnico de grau II», com direito ao escalão C, o acórdão impugnado considerou que os autores não tinham provado e até mesmo articulado factos que se integrassem no descritivo de funções, quer de técnico de grau II, quer de técnico de grau III, referindo que de acordo com a análise da matéria apurada, os mesmos não tinham capacidade de iniciativa, não chefiavam, não tinham funções de coordenação, antes limitando-se a elaborar relatórios de averiguações, prestando informações sobre o andamento dos processos que lhes estavam confiados. Quanto ao escalão C, atribuído mediante avaliação de mérito, não provaram os autores que tivessem sido objecto de tal avaliação. Concluiu-se, deste modo, que os autores estão devidamente enquadrados na categoria de «técnicos auxiliares».

Analisando a pretensão.

Decorre da própria definição de contrato de trabalho, constante do artigo 1.º da LCT, que os autores se obrigaram, mediante retribuição, a prestar a sua actividade, intelectual e/ou manual, para a empregadora, sob a sua autoridade e direcção.

O poder de direcção, legalmente reconhecido e que corresponde à titularidade da empresa, desdobra-se em vários, nomeadamente no designado poder determinativo da função, pelo exercício do qual é atribuído ao trabalhador um certo posto ou categoria na organização concreta da empregadora, equivalente a determinado tipo de actividade, delimitada pelas necessidades da empresa e pelas aptidões próprias daquele. Esta posição do trabalhador corresponderá, nestes termos, à sua categoria profissional, sendo certo que não é inequívoco o sentido àquela atribuído.

Falando do essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pela celebração do contrato de trabalho ou conforme as alterações decorrentes da sua dinâmica, e constituindo a efectiva determinação qualitativa da prestação de trabalho, temos a designada categoria contratual ou categoria-função.

Já quando se pretende determinar a posição do trabalhador pela correspondência entre as funções desempenhadas e uma definição ou categoria estatuída em termos legais ou de regulamentação colectiva, a qual procede a uma discriminação de tarefas típicas, falamos de categoria-estatuto, que se repercute na relação laboral, impondo-lhe uma disciplina específica, merecedora de tutela legal.

A categoria como conceito normativo deverá corresponder à verdadeira e real expressão funcional do trabalhador, no âmbito da estrutura empresarial em que o mesmo está inserido.

Atende–se deste modo para a definição da categoria aos dois aspectos que interagem, a matéria de facto e o direito.

Quanto ao primeiro, isto é, a matéria de facto, o mesmo desdobra-se, principalmente, nas funções ou tarefas para que o trabalhador foi contratado e as que exerce efectivamente.

Já em sede do direito, deverá ser feita a busca das disposições legais ou convencionais que, em abstracto, estabelecem a moldura funcional nas diversas categorias.

Entende-se, em termos de princípios...

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