Acórdão nº 384/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução15 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 384/03 Proc. n.º 40/03 1ª Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A., Juiz de Direito, interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 21 de Janeiro de 1997, que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva (fls. 3 e seguintes).

    Na petição respectiva sustentou, entre o mais, que os artigos 82º, 85º, n.º 1, alínea f), e 95º, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, são inconstitucionais, ?por violação do disposto nos arts. 2º, 18º/2, 29º/1, 47º/1 e 2, 53º e 266º/1 e 2 da CRP, na versão em vigor ao tempo da prática da deliberação recorrida e do princípio segundo o qual as normas de direito disciplinar que prevejam medidas expulsivas têm de conter um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos a que elas podem aplicar-se? (fls. 5), bem como que ?[o] art. 82º do EMJ, se interpretado no sentido de que a divulgação pública de pensamentos e opiniões por Magistrados constitui infracção disciplinar, é manifestamente inconstitucional por violação do art. 37º da CRP, traduzindo-se ainda no exercício de censura, proibida pela nossa Lei Fundamental? (fls. 7).

    O representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer no sentido de que o recurso era legalmente inadmissível e padecia de inutilidade superveniente, uma vez que a deliberação que dele era objecto transitara em julgado em 5 de Março de 1998 e, além disso, o recorrente já fora desligado do serviço para efeitos de aposentação (fls. 72 e seguinte).

    Notificado para se pronunciar sobre estas questões prévias, veio o recorrente dizer, entre o mais, que a deliberação recorrida era nula, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado, bem como que mantinha todo o interesse na apreciação do mérito do recurso (fls. 75 e seguintes).

    Por despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça (fls. 90 e seguinte), foram as questões prévias julgadas improcedentes e ordenado o prosseguimento do recurso.

    Posteriormente, veio o Conselho Superior da Magistratura apresentar a resposta ao recurso (fls. 94 e seguintes), na qual sustentou nomeadamente que transitara em julgado a deliberação que aplicara ao recorrente a sanção disciplinar de aposentação compulsiva, bem como que improcediam as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente.

    Nas alegações que produziu (fls. 100 e seguintes), o recorrente reiterou as afirmações sobre a inconstitucionalidade dos artigos 82º, 85º, nº 1, alínea f), e 95º do Estatuto dos Magistrados Judiciais ?por violação do disposto nos arts. 2º, 18º/2, 29º/1, 47º/1 e 2, 53º e 266º/1 e 2 da CRP, na versão em vigor ao tempo da prática da deliberação recorrida e do princípio segundo o qual as normas de direito disciplinar que prevejam medidas expulsivas têm de conter um grau de precisão tal que permita identificar o tipo de comportamentos a que elas podem aplicar-se?.

    O Conselho Superior da Magistratura sustentou novamente, nas contra-alegações (fls. 135 e seguintes), que o recurso devia ser julgado improcedente.

    No mesmo sentido se pronunciou, no seu visto final, o representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 142 e seguinte).

  2. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002 (fls. 153 e seguintes), foi negado provimento ao recurso contencioso.

    Quanto à alegada ?inconstitucionalidade dos art°s 82° 85° n° 1 al. f) 95º do EMJ 85 por suposta violação do disposto nos artºs 2º, 18º nº 2, 29º nº 1, 47º nºs 1 e 2, 53º e 266° nºs 1 e 2 da CRP na versão de 89?, lê-se nesse acórdão:

    ?[...]

    O conceito de infracção disciplinar encontra-se genericamente contemplado no art° 82° do EMJ 85, nos termos do qual «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções». É, ademais, hoje incontroversa a relevância disciplinar dos actos da vida privada do magistrado que se repercutam negativamente na dignidade, prestígio e decoro do exercício do seu múnus profissional.

    Tal norma do artº 82° do EMJ 85 apenas pretende estatuir-prever a relevância disciplinar da violação dos deveres específicos que impendem sobre a categoria estatutária dos magistrados judiciais, sendo que a violação dos deveres gerais que recaem sobre todo e qualquer servidor público (v.g. o dever de correcção e de respeito para com os seus pares e superiores hierárquicos) se encontra abstractamente prevista no artº 3° do EDF 84. Abrange, pois, nessa previsão, toda uma panóplia de tipos de infracção disciplinar sem determinação da sanção a aplicar, isto é, sem qualquer tipificação concreta; essa concretização em termos de tipicidade de comportamentos censuráveis e respectiva gradação é efectuada pelos artigos subsequentes.

    Dentro deste espírito, não se mostra, desde logo, como possa o artº 85° do EMJ 85 ? ao sujeitar os magistrados judiciais à pena de aposentação compulsiva (al. f) ? enfermar «a se» de qualquer inconstitucionalidade material; tal diploma, aprovado pela Assembleia da República no uso da sua competência própria, contém ? teria necessariamente de conter e prever ? uma escala de penas determinada e graduada, em função e pela correspondência da gravidade das infracções cometidas, assim salvaguardando os princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da proporcionalidade (adequação) contemplados nos artºs 2° e 266° da CRP.

    Estabelece esse preceito o elenco das escalas das penas aplicáveis aos magistrados judiciais pela prática de infracções disciplinares, sendo que a concreta eleição de uma qualquer dessas penas é operada pelo órgão detentor do poder disciplinar por reporte, além do mais, à natureza e gravidade da infracção cometida (conf. respectivo art° 96°). Isto sendo sabido que na emissão do juízo qualificativo desses tipos infraccionais e na dosimetria concreta da pena a autoridade administrativa goza de uma ampla margem de liberdade de apreciação e avaliação, materialmente incontrolável pelos órgãos jurisdicionais, porque dependente de critérios ou factores impregnados de acentuado subjectivismo e, como tais, por sua natureza, imponderáveis; tudo isto salva a preterição de critérios (legais) estritamente vinculados ou ainda a comissão de erro palmar, manifesto ou grosseiro [...].

    Assim, nos artºs 91° a 95° do EMJ, delimita-se e precisa-se o campo de aplicação de cada uma das penas disciplinares estatutariamente previstas. [...]

    Prevêem-se n[o] n° 1 do artº 95° do EMJ 85 quatro situações-quadro passíveis da aplicação das penas de aposentação compulsiva e de demissão, o que não deixa de constituir uma concreta tipificação dos pressupostos de facto e de direito susceptíveis de sancionamento com as referidas penas de natureza expulsiva. E, evidentemente, como não podia deixar de ser, no mesmo se fixaram as situações-limite em que o magistrado arguido se encontre incurso e que, pelo seu acentuado grau de gravidade, sejam subjectiva e objectivamente consideradas como comprometedoras, de modo irremediável, da subsistência da relação funcional (conf. art° cit. n° 1 do artº 26° do EDF 84).

    Tudo numa relação «facto-dever» que, em derradeira «ratio», tem que ter presente a necessidade de salvaguarda dos superiores valores do prestígio, dignidade, decoro e credibilidade da função judicial, e da necessária confiança do público em geral e dos operadores e utentes em especial, na seriedade e eficácia dos administradores da justiça.

    Não se diga, em contrário, que tais preceitos, mormente o citado artº 82° do EMJ 85, representem uma mera norma «aberta» ou «em branco» desprovida de qualquer grau de tipicização, sempre de exigir no âmbito do direito sancionatório.

    [...]

    Na esteira do obtemperado pela entidade recorrida, «aceita-se que as normas que regulam o direito disciplinar devam ter um ?mínimo de determinabilidade? quando se trate de sanções disciplinares de carácter expulsivo, na medida em que afectam o direito de acesso à função pública, segurança no emprego e ao trabalho (art°s 47°, 53° e 58° da CRP). Mas não se torna necessária nem exigível uma tipificação exaustiva de todos os comportamentos dos magistrados judiciais susceptíveis de serem sancionados com tais medidas. E a previsão do art° 95° do EMJ determina com razoabilidade as quatro situações-quadro onde se podem integrar os comportamentos sancionáveis com tais medidas e permitem a um magistrado ? a quem é exigível compreensão dos deveres e um sentido ético e de dignidade acima do comum dos cidadãos ? saber discernir que factos, comportamentos ou actos concretos podem levar à aplicação de tais medidas» (sic).

    De qualquer modo, sempre se dirá que as infracções disciplinares ? contra o que sucede em direito criminal ? não se encontram sujeitas a uma tipicização absoluta como parece sugerir o recorrente. Com efeito, os deveres funcionais, são, na sua maioria, inominados, isto é, não individualizados e tipicizados, não se fazendo assim a determinação dos factos disciplinarmente ilícitos ou dos elementos que permitam uma tipicização...

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