Acórdão nº 440/03 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Setembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução30 de Setembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 440/2003 Processo n.º 525/02 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1. A., melhor identificado nos autos, veio interpor no 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa recurso de decisão da Direcção-Geral de Viação que lhe aplicou uma coima de Esc. 30.000$00 e uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, por infracção ao disposto no artigo 27º, n.º 1 do Código da Estrada (excesso de velocidade), punível nos termos do n.º 3, alínea a), do artigo 27º e ainda por força do artigo 139º e da alínea b) do artigo 146º, todos do citado diploma legal.

    Por despacho de 4 de Janeiro de 2002, o recurso de impugnação judicial foi admitido e a audiência de julgamento foi dispensada nos termos do artigo 64º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, com a consequente notificação do arguido e do Ministério Público para no prazo de dez dias se oporem.

    Não tendo ocorrido tal incidente de oposição, em 25 de Fevereiro de 2002 o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa decidiu suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um ano, mediante a prestação de uma caução de 250 ?, mantendo contudo a coima de Esc. 30.000$00 (150 ?) aplicada pela Direcção-Geral de Viação.

    AUTONUM 2. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo a sua motivação de recurso com as seguintes considerações:

    ?1ª) Contrariamente ao que foi decidido no despacho recorrido, a decisão da autoridade administrativa não contém qualquer referência a um dos requisitos legais ? situação económica do infractor ? que devem determinar a medida da sanção;

    1. ) Sendo assim, não especificando os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada, é nula a decisão por falta de fundamentação;

    2. ) De qualquer modo, o art. 151º n.º 4 do C.E. está ferido de inconstitucionalidade;

    3. ) E contrariamente ao que foi decidido no douto despacho ora recorrido, qualquer tribunal pode declarar essa inconstitucionalidade e em consequência deixar de aplicar, em concreto, tal norma;

    4. ) Assim, deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma do art.º 151º n.º 4 do C.E. e decidir-se que o auto de notícia dos autos não faz fé em processo de contra-ordenação;

    5. ) Independentemente disso, o certo é [que] foram incorrectamente dados como por provados os factos constantes do douto despacho recorrido;

    6. ) Efectivamente, tendo a Mermª Juiz decidido a causa por simples despacho, apenas lhe era permitido conhecer de questões de direito;

    7. ) Na verdade, tendo o arguido impugnado expressamente no seu recurso de impugnação os factos que lhe são imputados pela autoridade administrativa (vide art.ºs 34 a 36 e conclusão 8ª do recurso de impugnação) e oferecido prova quanto a esses factos, só a prova produzida em audiência de julgamento poderia motivar a matéria de facto que sustenta a condenação do arguido;

    8. ) Sob pena de o arguido ser condenado, como foi, sem ter tido a possibilidade de se defender oferecendo os meios de prova quanto aos factos que lhe foram imputados pela autoridade administrativa, o que constitui uma clara violação das garantias de defesa do arguido e do princípio do contraditório (art.º 32º n.ºs 1 e 2 da CRP);

    9. ) Tanto mais que, e sem prejuízo do que atrás se deixou dito quanto à inconstitucionalidade, nunca o auto de notícia em causa faria fé nos presentes autos de contra-ordenação;

    10. ) Desde logo, não reúne os requisitos legais exigidos pelo art.º 151º do C.E. para que possa ter o valor probatório referido no n.º 3 da citada disposição legal.

    11. ) Efectivamente, não constando do mesmo que o agente da autoridade presenciou a infracção, o auto de notícia também não faz fé nos presentes autos de contra-ordenação;

    12. ) Acresce que o Arguido tem fundadas razões para pôr em causa o registo do aparelho, atendendo, além do mais, a que não foi aprovado nem certificado pela entidade com competência para tanto;

    13. ) Por tudo quanto vem de ser dito, as dúvidas existentes nos autos têm de presumir-se necessariamente em benefício do Arguido, não podendo deixar de ser absolvido;

    14. ) Decidindo, como decidiu, a decisão recorrida violou designadamente as normas do art.º 375º n.º 1 do CPP art.º 32 n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa; art.ºs 140º, 142º n.º1 e 151º do C.E.?

      O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Maio de 2002, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida. Na fundamentação deste acórdão pode ler-se:

      ?(...)

      Quanto à alegação de que o art. 151º, n.º 4 do actual CE está ferido de inconstitucionalidade, uma vez que o facto verificado no aparelho de radar ? a velocidade instantânea ? não é susceptível de ser repetido para efeitos de contraprova e que o regime de utilização do aparelho não permite que os cidadãos, em geral, e os arguidos, em particular, possam fazer comprovar a fiabilidade e estado operacional do aparelho que faz a leitura da velocidade que lhe é imputada, ficando assim afectado um dos requisitos essenciais das garantais de defesa ? a possibilidade efectiva de contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação ? e ainda, que o auto de notícia não faz fé em processo de contra-ordenação, dir-se-á que o art. 169º do Cód. Proc. Penal estabelece que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postos em causa.

      E, como se refere no Acórdão da Comissão Constitucional n.º 168, de 12 de Outubro de 1979 (no apêndice ao Diário da República, de 3 de Julho de 1980), ?a fé em juízo dos autos de notícia não acarreta ou envolve qualquer presunção de culpabilidade em processo penal?. Do que se trata na fé em juízo atribuída aos autos de notícia ?é só de um especial valor probatório ? aliás de modo algum definitivo, antes só prima facie ou de interim ? atribuído a certas comprovações materiais feitas presencialmente por certa autoridade pública.

      As garantias de defesa do arguido não são, pois, minimamente postas em causa, já que na audiência de julgamento ele pode fazer-se representar por advogado e produzir provas em ordem a infirmar o que consta do auto de notícia, estando, assim, a mesma subordinada ao princípio do contraditório. O arguido só o não fez, porque não quis.

      Por outro lado, a utilização de aparelho ou instrumento na fiscalização do trânsito, nomeadamente de radares, depende de prévia aprovação da Direcção-Geral de Viação, tratando-se de aparelhos ou instrumentos técnicos especializados, merecem especial credibilidade como é o caso dos radares; em caso de dúvida, poderá ser verificado o seu estado de funcionamento; por outro lado, o arguido sempre poderá questionar perante o juiz a correcta utilização do aparelho ou instrumento, assim como a fidelidade da transcrição dos dados por ele registados.

      Além de que, a utilização do radar pelas autoridades policiais não é um exame no sentido jurídico penal do termo e daí que não está sujeita às disposições legais que regulam a realização dos exames.

      Pelo exposto se entende que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade.?

      AUTONUM 3. Desta decisão, ?que aplica a norma do art.º 151º n.º 4 do Código da Estrada...

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