Acórdão nº 466/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução14 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 466/2003 Processo nº 125/2002 3ª Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Por sentença do Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa de 21 de Maio de 1998, de fls. 159, foi julgada improcedente a impugnação judicial que A. deduziu contra o acto de liquidação de Imposto Automóvel praticado pela Direcção-Geral das Alfândegas, devidamente identificado nos autos, no valor de 450.314$00, relativo à admissão de um veículo automóvel proveniente da Alemanha, ?alegando, em síntese, que o disposto no DL 40/93, quando aplicado a veículos automóveis usados provenientes de outros países comunitários, viola o princípio da livre circulação de mercadorias e da não discriminação fiscal estabelecido no Tratado CEE, bem como o direito de propriedade? (sentença referida). A sentença considerou, para o efeito, que não ocorria, nem qualquer violação do direito de propriedade, nem qualquer violação do ?disposto nos artigos , , 12º e 95º do Tratado CEE? pelo Decreto-Lei n.º 40/93, na versão posterior à Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, cuja tabela de desvalorização foi aplicada no caso dos autos.

    Inconformada, A. recorreu para o Tribunal Tributário de 2ª Instância; mas o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida, para cuja fundamentação remeteu, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil.

  2. A. recorreu, então, para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, secção que, por acórdão de 20 de Junho de 2001, de fls., concedeu provimento ao recurso, ?julgando procedente a impugnação, mais declarando o direito da impugnante a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 24º do Código de Processo Tributário?.

    Para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se nos seguintes termos:

    3.1. Estamos perante impugnação da liquidação de imposto automóvel efectuada a propósito da introdução no consumo, em Portugal, pela impugnante, de um veículo automóvel usado proveniente da Alemanha, deduzida com fundamento na nulidade de todo o procedimento da Administração, por ofensivo do direito à propriedade privada constitucionalmente garantido, ofensa do caso julgado constituído pelo acórdão proferido por este STA no recurso n° 14542 após reenvio prejudicial ao TJCE, e violação dos artigos 30° e 95° do Tratado da União Europeia.

    O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da sentença da 1ª instância que julgara improcedente a impugnação, por considerar constitucionalmente legítimas restrições ao exercício do direito de propriedade como as que resultam do Decreto-Lei n° 40/93, e por não entender que o Decreto-Lei n° 40/93, na versão posterior à Lei 75/93, viole o disposto nos artigos , , 12° e 95° do Tratado CEE.

    No presente recurso, a recorrente continua a defender que é nulo o procedimento administrativo, devendo ser-lhe restituído o IA pago; e que, caso assim se não entenda, deve declarar-se ineficaz, com a consequente não aplicação, o artigo 1º, nºs 1, 4 e 5 do Decreto-Lei n° 40/93, anulando-se o acto de liquidação, com restituição do IA pago; por último, e para o caso de o Tribunal a entender útil, afirma não se opor a que se proceda a reenvio prejudicial para o TJCE, conquanto o considere desnecessário.

    3.2. Este Tribunal suscitou, recentemente, sobre as questões de interpretação do direito comunitário aqui pertinentes, a pronúncia do TJCE, no reenvio prejudicial no processo nº 22364.

    Recebido que foi o correspondente acórdão do TJCE, dispõe-se já da interpretação desse Tribunal das normas comunitárias relevantes, pelo que não faz sentido suscitar nova pronúncia do TJCE.

    3.3. Apesar de a recorrente continuar a formular um pedido complexo, incluindo uma alternativa, a verdade é que estamos no âmbito do contencioso de anulação, em que ao tribunal apenas cabe anular ou declarar a nulidade do acto tributário impugnado, sendo o demais mera consequência dessa declaração. Por sua vez, o recurso jurisdicional não visa mais do que a reapreciação da decisão recorrida, estando fora do seu âmbito a apreciação de questões novas, por ela não decididas.

    No caso vertente, o acórdão recorrido confirmou a sentença que julgara improcedentes todos os fundamentos da impugnação do acto de liquidação de IA, e, por isso, não o anulou. A recorrente, por seu turno, não contesta, nas conclusões das suas alegações de recurso, senão o decidido quanto à incompatibilidade das disposições nacionais ao abrigo das quais foi efectuada a liquidação com a legislação comunitária pertinente, e a ofensa do direito de propriedade que entende resultar da impossibilidade legal em que ficou de usar o veículo que importou.

    Daí que essas sejam as únicas questões a decidir. Começaremos pela alegada contrariedade entre o artigo 7° n° 1 do Decreto-Lei n° 40/93, de 18 de Fevereiro, e o artigo 95° do Tratado de Roma.

    3.4. O imposto automóvel é, como se sabe, um imposto interno, especial, monofásico, variável em função da cilindrada dos veículos automóveis. Recai sobre o seu consumo, quer nele sejam introduzidos novos, quer usados, sendo devido aquando dessa introdução, independentemente do país em que foram fabricados ou montados.

    Deste modo, o imposto não incide sobre as transacções internas de veículos automóveis, ou seja, sobre as transacções de veículos usados já antes introduzidos no consumo. Mas só daí não resulta que os veículos usados importados sejam penalizados relativamente aos também usados já introduzidos no consumo. Todos os veículos novos pagam IA, quando introduzidos no consumo, quer tenham sido fabricados ou montados em Portugal, quer no exterior, uma vez que esse é o momento em que o imposto é devido, por incidir, não sobre as transacções de veículos, mas sobre a sua introdução no consumo.

    Assim, os veículos já introduzidos no consumo seriam penalizados relativamente aos usados importados se, aquando da sua transacção como usados, fosse novamente exigido IA. Por seu turno, os usados importados, que nunca suportaram IA, sairiam beneficiados se, quando introduzidos no consumo, ficassem fora do âmbito de abrangência do imposto.

    Ora, o artigo 95° do Tratado, na redacção dada pelo Tratado de Amsterdão, em que tomou o n° 90°, dispõe que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos de outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções".

    Suscitada a questão da compatibilidade do imposto automóvel incidente sobre os veículos usados provenientes de outros Estados-membros, face àquele artigo 95°, o TJCE, chamado a interpretar o direito comunitário, ainda que em caso em que fora aplicada a legislação nacional anterior sobre aquele imposto, pronunciou-se no sentido de só considerar impedida pelo artigo 95° do Tratado CEE a cobrança, por um Estado-membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-membro, "quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional" ? cfr. o acórdão de 9 de Março de 1995 proferido no processo C-345/93, em reenvio prejudicial suscitado por este STA no recurso de 14542.

    E a jurisprudência nacional, partindo da interpretação feita pelo TJCE do direito comunitário, vinha entendendo que o IA só defrontaria o artigo 95° do Tratado CEE se o seu montante excedesse o residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em Portugal ? vd. os acórdãos deste STA de 14 de Fevereiro de 1996, 1 de Abril, 1 de Julho, 30 de Setembro, 14 e 28 de Outubro, e 2 e 9 de Dezembro de 1998, proferidos nos recursos nºs 15467, 22372, 22396, 22365, 22451, 22645, 22374 e 22452, respectivamente, que traduzem jurisprudência ao tempo uniforme do Tribunal.

    É certo que o IA não contempla a depreciação efectiva do veículo usado proveniente do exterior, o seu valor real de mercado aquando da importação. Porém, como se nota no acórdão de 1 de Abril de 1998 referido, "se as percentagens de redução de Imposto Automóvel previstas no n° 7, do artigo 1º, do Decreto-Lei n° 40/93, estivessem em relação directa com a presumível depreciação do veículo, a aplicação das taxas em vigor no momento da importação traduzir-se-ia num desagravamento fiscal para os veículos importados em estado de usados percentualmente equivalente ao valor da inflação acumulada desde o momento da 1ª matrícula até ao da importação".

    Por esta razão, a tabela do referido artigo 1º n° 7 estabelece uma percentagem de redução do IA, para os veículos importados usados, que tem em atenção o tempo de uso, com o que se atende a vários factores, entre eles a depreciação dos veículos e a variação monetária havida entre a data da primeira matrícula e a da importação.

    No caso vertente, a tributação foi feita com base nesse mesmo Decreto-Lei n° 40/93, de 18 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n°75/93, de 20 de Dezembro, de tal modo que ao veículo, pela primeira vez matriculado em 1990, quando introduzido em Portugal, no ano de 1996, foi aplicado imposto automóvel com uma percentagem de redução de 41% relativamente ao que seria devido se se tratasse de um veículo novo.

    Essa lei estabelece que os veículos automóveis usados, originários ou em livre prática nos Estados-membros, beneficiam, relativamente ao que incide sobre veículos novos, de reduções do imposto automóvel, fixando-as em oito percentagens, de 18% a 67%, de acordo com a idade do veículo, de tal modo que quanto maior for o tempo de uso maior será a redução, sendo que, a...

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