Acórdão nº 479/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução15 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 479/2003

Proc. n.º 20/03

  1. Secção

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, na 2ª Secção deste Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

  1. A., identificado com os demais sinais dos autos, recorre para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Militar, de 14 de Novembro de 2002, que, concedendo parcial provimento ao recurso do acórdão, de 06 de Junho de 2002, do Tribunal Militar da Marinha que o havia condenado como autor material de um crime de corrupção, pp. pelo art.º 191.º, n.os 1 e 2 do CJM, na pena de um ano de prisão militar, o condenou, como autor material de um crime pp. pelo art.º 167.º, n.os 1 e 2 do Código de Justiça Militar (doravante designado apenas por CJM), na pena de seis (6) meses de prisão militar.

  2. O recurso vem interposto ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alíneas b) e g) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na actual versão, pretendendo o recorrente a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas e com os seguintes fundamentos:

    1. ao abrigo da alínea b) do n.º 1 deste artigo: - das normas dos art.os 309.º e 313.º do CJM, por violação dos art.os 213.º e 165.º, n.º 1, al. p) da Constituição da República Portuguesa; - do art.º 377.º, n.º 1 do CJM, por violação dos art.ºs 219.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa; - do art.º 191.º, n.os 1 e 2 do CJM, por violação dos art.º 13.º da Constituição, ao criar um tipo legal de crime em função de critérios funcionais e subjectivos; - do art.º 167.º, n.os 1 e 2 do CJM, por violação do art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.

      Estas inconstitucionalidades foram todas suscitadas na alegação do recurso da sentença proferida pela 1ª instância para o Supremo Tribunal Militar (doravante designado apenas por STM), à excepção da última que o foi apenas no requerimento de arguição da nulidade do acórdão recorrido por a mesma haver sido inovadoramente invocada apenas no acórdão recorrido.

    2. Ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º da LOTC, da norma do art.º 418.º do CJM, enquanto ?norma que foi, por evidente violação dos princípios do contraditório e do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, ao convolar a moldura penal aplicável sem conferir ao arguido oportunidade de se defender da mesma, quando aplicada naquele sentido e com aquela interpretação (já julgada) inconstitucional pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional de 7.5.1992, 31.5.1995, 27.6.1995, 17.4.1996, 14.1.1997 e 5.3.1997, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 18.9.1992, 28.7.1995, 16.11. 1995, 6.7.1996, 28.2.1997 e 19.4.1997?.

  3. O recorrente sustenta a sua pretensão nas razões expostas nas suas alegações e que condensou nas seguintes conclusões:

    ?

    1. Os art.os 309.º e 313.º do CJM, ao atribuírem competência aos Tribunais Militares para julgarem crimes que se encontram igualmente previstos na jurisdição penal comum, revelam-se inconstitucionais, por violarem os art.os 213.º e 165.º, n.º 1, al. p) da Constituição da República Portuguesa, chamando para a jurisdição militar situação dela excluídas constitucionalmente;

    2. de facto, aos tribunais militares cabe, exclusivamente, o julgamento dos crimes estritamente militares, ou seja, daqueles próprios e que apenas em sede militar têm previsão legal em função da especificidade das situações (nomeadamente, a vigência de estado de guerra), o que se compreende em virtude de, sendo a lei penal militar especial, a mesma cede lugar à lei penal comum;

    3. ao ponto da própria Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, no seu artigo 197.º, falar em crimes estritamente militares e não essencialmente militares;

    4. aplicando-se a lei penal geral aos funcionários, logo, também aos militares, que o são em termos legalmente uniformes;

    5. do mesmo modo, o art.º 377.º, n.º 1 do CJM, ao atribuir competência ao promotor público, sob ordem superior, para deduzir a acusação, viola o princípio da exclusividade do Ministério Público para a dedução da acusação, consagrado no art.º 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

    6. constituindo a autonomia do Ministério Público uma componente essencial das garantias de defesa dos arguidos, evitando o exercício da justiça penal privada e de interesse, não se pode conceber que um subalterno hierárquico, sem autonomia e com completa dependência, se veja constrangido (coagido) a deduzir uma acusação que, de imediato, determina o julgamento criminal do arguido, à revelia dos ditames mais elementares componentes do Estado de direito democrático;

    7. também os art.os 191.º, n.os 1 e 2 e 167.º. n.os 1 e 2 do CJM, ao estabelecerem uma moldura penal mais gravosa do que a lei penal comum para a prática de um mesmo facto, violam o art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, quando este consagra o princípio da legalidade e da universalidade da lei;

    8. de facto, a condição militar ou a posse militar do bem protegido não constituem uma diferença objectiva legitimadora de uma mais grave punição, pois que as pessoas e bens inseridos na estrutura militar, que mais não são do que uma componente inserida na estrutura do funcionalismo público, não revestem maior dignidade ou interesse público que as demais estruturas desse mesmo funcionalismo;

    i ) a convolação efectuada pelo acórdão recorrido ao abrigo do art.º 418.º, n.º 2 do CJM, para além de violar as garantias do arguido em processo penal e de confrontar o princípio do contraditório, com especial consagração no art.º 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, faz aplicar norma julgada inconstitucional pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional de 7.5.1992, 31.5.1995, 27.6.1995, 17.4.1996, 14.1.1997 e 5.3.1997, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 18.9.1992, 28.7.1995, 16.11. 1995, 6.7.1996, 28.2.1997 e 19.4.1997?.

  4. O Ministério Público contra-alegou, defendendo, por um lado, a inverificação dos pressupostos do recurso fundado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 (questão prévia) e, por outro, o não provimento do recurso, concluindo assim as suas alegações:

    ?1 - A decisão recorrida não aplicou a norma constante do art.º 418.º, n.º 2 do CJM no sentido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 173/92, já que a convolação jurídica realizada implicou a subsunção dos factos a crime punido cm pena menos grave que a correspondente à qualificação que constava do libelo acusatório, não se verificando os pressupostos do recurso fundado na alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82.

    2 ? Perante a norma transitória do art.º 197.º da Lei Constitucional n.º 1/97, não padece de inconstitucionalidade a aplicação transitória das normas - substantiva ou adjectiva - que constam do CJM, até à publicação da legislação que regulamenta o disposto no n.º 3 do art.º 211.º da Constituição da República Portuguesa.

    3 ? Não é inconstitucional a tipificação, como crime essencialmente militar, do facto ou comportamento lesivo de bens ou valores conexionados directamente com a Defesa Nacional e as Forças Armadas e a respectiva punição, em medida diferenciada da estabelecida no direito penal comum, desde que não ocorra desproporção intolerável ou excessiva nas molduras penais?.

  5. O recorrente respondeu à alegação da referida questão prévia, dizendo que ?dos Acórdãos invocados como elemento condicionante da interposição de recurso não decorre, salvo o devido respeito, a questão nos termos em que o Ministério Público a equaciona? e que ?de facto, não apenas se poderá limitar a questão à condenação efectiva, mas à convolação em crime abstracto, como ainda se analisa a convolação em si, como meio de, em violação do contraditório, afastar os mais elementares meios de defesa do arguido, condenado de surpresa e de chofre?.

    B ? A fundamentação

  6. Da questão prévia da inexistência dos pressupostos do recurso fundado na al. g) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC

    Como deflui do relatado, o recorrente baseou a sua pretensão de conhecimento da inconstitucionalidade do art.º 418.º, n.º 2 do CJM na alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC ou seja, no preceito que prevê a possibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais ?que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional?.

    A situação só existirá quando se pretenda questionar constitucionalmente uma norma com o mesmo sentido com que a mesma já foi anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Está, assim, pressuposta uma identidade de sentidos normativos. Se, não obstante o preceito ser o mesmo, houver divergência entre o sentido normativo que foi anteriormente julgado inconstitucional e aquele cuja constitucionalidade se pretende ver agora apreciada, não estamos no domínio de aplicação desta alínea g).

    Ora, o recorrente questiona a constitucionalidade do art.º 418.º, n.º 2 do CJM quanto à sua dimensão, aplicada no caso concreto, de permitir a convolação, com violação das garantias do arguido em processo penal e do princípio do contraditório, consagrados em especial no art.º 32.º, n.os 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

    Todavia, o único aresto do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre a questão da constitucionalidade do mesmo artigo foi o Acórdão 173/92, publicado no DR, II Série, de 18 de Setembro de 1992, tendo julgado inconstitucional o regime (ou dimensão interpretativa aí prevista) - na parte em que permite ao tribunal condenar por infracção diversa daquela que o arguido foi acusado, caso os factos que preenchem o respectivo tipo incriminador constem do libelo acusatório - quando a diferente qualificação jurídico-penal dos factos pode conduzir à condenação do arguido em pena mais grave, sem se prever o exercício do contraditório quanto a tal inovatória subsunção jurídica.

    Não foi, porém, com este sentido, já julgado inconstitucional, que a norma em causa foi aplicada no acórdão recorrido. Na verdade, a convolação, cuja...

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