Acórdão nº 485/03 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução21 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 485/2003

Proc. n.º 112/94

Plenário

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

A ? Relatório

  1. Requerente - Objecto do pedido

    O Procurador-Geral da República, no uso da competência estabelecida no art.º 281º, n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (doravante designada apenas por CRP), requereu a este Tribunal Constitucional que seja apreciada e declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da Portaria n.º 946/93, de 28 de Setembro, que tem o seguinte teor:

    Portaria n.º 946/93, de 28 de Setembro

    Tendo em atenção o conteúdo do Acórdão n.º 61/91, de 13 de Março de 1991, do Tribunal Constitucional e a necessidade de dar cumprimento ao artigo 115º da Constituição;

    Tendo sido publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, para apreciação pública, o projecto de portaria que esteve na base do presente diploma, cujos resultados foram devidamente ponderados :

    Manda o Governo, pelo Secretário de Estado do Tesouro, ao abrigo do Despacho n.º 18/91-XII do Ministro das Finanças, publicado em 27 de Dezembro de 1991 e nos termos do § único do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 26095, de 23 de Novembro de 1935, o seguinte:

    1. São aplicadas as tabelas anexas à Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, ao cálculo do valor do capital de remições autorizadas.

    2. A presente portaria entra em vigor na data da sua publicação.

  2. Fundamentação do pedido

    Fundamentando o seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou, em síntese, o seguinte:

    - O legislador pretendeu, através da Portaria n.º 946/93, de 28 de Setembro, ultrapassar os vícios formais e procedimentais que haviam conduzido à declaração de inconstitucionalidade, operada pelo Acórdão n.º 61/91 do Tribunal Constitucional, da alínea b), do n.º 3, da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro.

    - Efectivamente, verifica-se que a Portaria refere, no preâmbulo, a audição prévia das entidades representativas dos trabalhadores e, por outro lado, nela não se faz referência à regra da correspondência entre as provisões matemáticas das seguradoras e o capital da remição das pensões, que voltou a constar do Decreto-lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 304/93, de 1 de Setembro.

    - Sucede, porém, que a disciplina instituída pela Portaria n.º 946/93, ao repor em vigor as tabelas anexas à Portaria n.º 760/85, é materialmente inconstitucional, na medida em que determina a redução substancial do capital de remição das pensões por acidentes de trabalho ocorridos antes da sua entrada em vigor.

    - A aplicação das tabelas da Portaria n.º 760/85 vai implicar, para os trabalhadores sinistrados com menos de 77 anos de idade, uma substancial diminuição do montante do capital de remição devido, colidindo frontalmente com a tendência ascendente que, pelo menos desde os anos 30, se vinha verificando.

    - É legítima a expectativa do sinistrado não ver degradado o nível de protecção social a que teria direito na data do acidente, tendo em conta:

    - a) a tendência claramente ascendente das taxas utilizadas ao longo dos últimos anos - até 1994 - para o cálculo do capital de remição;

    - b) a inexistência de problemas financeiros sérios das entidades devedoras;

    - c) a evolução positiva da esperança média de vida;

    - d) a circunstância de não se vislumbrar - em 1994 - qualquer tendência ascendente na taxa de juros remuneratórios correspondentes às possíveis aplicações financeiras do capital de remição.

    - O alcance da Portaria n.º 946/93 ? ao mandar aplicar as tabelas anexas à Portaria n.º 760/85 ? é susceptível de colidir com o princípio constitucional da proibição do retrocesso social, porque a Portaria tem como efeito degradar, de forma sensível, a situação dos pensionistas com direito à remição, o que significa um evidente e desrazoável retrocesso da sua protecção social, não fundamentado em pertinentes dificuldades financeiras de quem deve suportar o pagamento do capital de remição.

    - Acresce que a aplicação imediata das tabelas postas em vigor pela Portaria n.º 946/93 à remição de pensões por acidentes de trabalho ocorridos quando ainda vigoravam as precedentes disposições regulamentares é susceptível de determinar uma frustração intolerável, arbitrária e desproporcionadamente opressiva de expectativas legitimamente adquiridas pelos sinistrados e, como tal, violadora do princípio constitucional da confiança.

    Partindo do princípio de que o direito à remição se constitui no momento do acidente e argumentando pelo modo exposto, o Procurador-Geral da República conclui no sentido da inconstitucionalidade da norma constante da Portaria n.º 946/93.

  3. Resposta do Primeiro-Ministro

    Notificado para responder (art.º 54º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, doravante designada apenas por LTC), veio o Primeiro-Ministro sustentar a não inconstitucionalidade da norma impugnada pelo requerente, com base, em resumo, nos seguintes fundamentos:

    - O Primeiro-Ministro não tem legitimidade para se pronunciar nos presentes autos, por não ser o autor do acto impugnado.

    - A eventual existência de um princípio, constitucionalmente consagrado, de proibição do retrocesso em relação aos avanços atingidos nos campos dos direitos económicos e sociais constitui hoje uma tese que se apresenta mais do que duvidosa, face à crise que atravessa, não só a sociedade portuguesa, mas todo o mundo ocidental.

    - Na verdade, aquele princípio encontrava-se directamente ligado à ideia do progresso económico de sentido contínuo, compreendendo-se hoje que o progresso não é inelutável e que condições aparentemente estruturais das sociedades actuais, como taxas de crescimento reduzidas ou mesmo negativas, podem constituir factores de degradação permanente das condições de vida, em termos de não ser possível confirmar as anteriores expectativas de progresso infinito.

    - De qualquer forma, mesmo que um tal princípio existisse, nunca no caso dos autos se poderia dizer ocorrer a sua violação, uma vez que a norma em causa mais não fez do que adequar os valores das provisões matemáticas, que as companhias seguradoras têm que criar, às novas realidades de natureza económica e financeira verificadas desde 1971, pondo fim a uma distorção que aumentava, sem justificação técnica, o nível das provisões matemáticas das seguradoras, e que feria ainda os objectivos de equidade e igualdade dos cidadãos perante a lei, atentas as diferenças entre os pensionistas que podiam remir o capital das pensões e aqueles que tinham de recebê-las através de rendas vitalícias.

    - Quanto ao princípio da protecção da confiança, esclarece-se, desde logo, que só é possível, mesmo em abstracto, falar em expectativas relativamente ao valor do capital de remição das pensões depois de conhecido o grau de revalorização fixado, já que, até aí, o incapacitado não sabe sequer se legalmente poderá haver lugar à remição.

    - Quer isto dizer que, para os acidentes ocorridos antes da entrada em vigor da Portaria n.º 946/93 e que determinaram uma incapacidade não superior a 10% fixada antes de 28 de Setembro de 1993, em que a remição é obrigatória, o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade apresentado pelo Procurador-Geral da República não apresentará qualquer interesse prático, dado o disposto no n.º 3 do artigo 282º da Constituição.

    - Quanto aos casos de desvalorização entre 10% e 20% fixadas anteriormente à entrada em vigor da Portaria n.º 946/93 e em que os pedidos de remição só tenham sido autorizados após a entrada em vigor do diploma, a questão que se põe é a de saber se as expectativas desses sinistrados ? de o capital de remição das suas pensões ser calculado segundo as bases anteriormente vigentes ? serão juridicamente relevantes.

    - A resposta é seguramente em sentido negativo, desde logo porque, nos termos da lei, a remição daquelas pensões não depende exclusivamente da vontade dos interessados, mas igualmente do preenchimento de determinados requisitos legais que têm que ser judicialmente reconhecidos. Só então é que nascerão expectativas merecedoras de tutela jurídica, e não com a ocorrência do sinistro ou com a fixação do grau de desvalorização.

    - A expectativa que legalmente deve ser tutelada, no campo da remição das pensões, só pode ser a de que, através do capital obtido com a remição, o sinistrado consiga obter um capital de que possa resultar para ele um rendimento igual ao valor fixado para a pensão.

    - Com a elevação das taxas de juro, cujo aumento relativamente às de 1971 é notório, é necessário um capital menor para se obter idêntico rendimento. Assim, o pedido do Procurador-Geral da República teria de demonstrar: a) que a alteração processada no montante da taxa de juro considerada não assenta numa base técnica correcta; b) ou que o rendimento obtido pelo sinistrado com a aplicação normal do seu dinheiro não seria suficiente para garantir um rendimento correspondente ao valor da pensão remida e à correspondente redução na capacidade de ganho sofrida pelo trabalhador sinistrado.

    - Não se demonstrando nenhum dos pontos acima referidos não pode nunca falar-se em qualquer frustração de expectativas dos pensionistas e, consequentemente, de qualquer violação do princípio da confiança.

    - O princípio de adequação à evolução temporal que presidiu à alteração das taxas de juro técnicas na Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, e que passaram a ser aplicáveis por força da Portaria n.º 946/93, verificou-se igualmente na utilização da tábua de mortalidade 1960-64, que substituiu a de 1946-49, constante da tabela anexa à Portaria n.º 632/71, de 19 de Novembro.

    - Ao contrário, pois, do que entende o Procurador-Geral da República, a pretensão de que os pensionistas possam ter expectativas de obter um capital de remição que exceda o necessário à obtenção de um rendimento maior do que o postulado pela redução na capacidade de ganho, ela sim, é que tem como consequência a criação de intoleráveis situações de desigualdade que afectariam todo o equilíbrio do...

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