Acórdão nº 521/03 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução29 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 521/2003

Processo n.º 471/97

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção deste Tribunal Constitucional:

A – O relatório

1. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo recorreu para este Tribunal Constitucional do Acórdão proferido por aquele Tribunal, de 22 de Maio de 1997, proferido no recurso contencioso interposto por A., identificado com os demais sinais dos autos, o qual recusou, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, a aplicação das normas do art.º 92º, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo DL. n.º 231/93, de 26 de Junho, e do artº 5.º do Estatuto do Militar da Guarda, aprovado pelo DL. n.º 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos “militares da Guarda”, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no Regulamento de Disciplina Militar e, como consequência de tal interpretação, declarou nulo o despacho concretamente recorrido, traduzido num despacho proferido pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, de 24/7/95, de indeferimento do recurso hierárquico interposto de decisão do Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, de 30/06/94, que negou provimento à reclamação deduzida pelo recorrente do despacho de 6/6/94, que lhe aplicou a pena de 20 dias de prisão disciplinar agravada.

2. O acórdão recorrido estribou-se, em síntese, na consideração de que emerge do art.º 270º da CRP uma clara destrinça entre os militares e os agentes militarizados, ao falar distintamente das duas categorias.

Por outro lado, a lei fundamental limitou a possibilidade da aplicação das penas disciplinares de prisão, a que a alude a previsão da al. c) do n.º 3 do art.º 27º da CRP, apenas aos militares, por razões históricas, de cobrir uma prática existente, condicionando-a, de qualquer modo, à garantia de recurso contencioso para o tribunal competente. Fora desse âmbito pessoal, a pena disciplinar de prisão atentaria contra o princípio consagrado no art.º 27º n.os 1 e 2 da CRP, ou seja, de que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade a não ser em consequência de sentença condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. E acabou por julgar materialmente inconstitucionais, na senda da jurisprudência que citou, relativa a casos análogos, as normas do art.o 92º, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo DL. n.º 231/93, de 26 de Junho e do art.º 5º do Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo DL. n.º 265/93, de 31 de Julho e por anular o despacho recorrido por lesar o núcleo essencial de um direito fundamental.

  1. Pelo despacho de fls. 101, o então Relator ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo para efeitos da eventual aplicação da amnistia decretada pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, tendo esse tribunal decidido não ser a amnistia aplicável ao caso dos autos.

  2. Nas suas alegações de recurso, neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto concluiu que “as normas constantes do artigo 92º, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º do Estatuto do Militar da Guarda, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no RDM, são organicamente inconstitucionais, por preterição do disposto no art.º 168º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa, na versão vigente à data da edição daqueles diplomas.

5. Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

B – A fundamentação

6. A questão decidenda

É a de saber se as normas constantes do artigo 92º, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º do Estatuto do Militar da Guarda, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no RDM, são orgânica ou materialmente inconstitucionais.

7. A problemática da constitucionalidade da previsão da medida de prisão disciplinar, constante, igualmente, de outros diplomas legais relativamente aos «agentes militarizados» de outras forças de segurança, já foi objecto de apreciação por este Tribunal Constitucional. Assim, no Acórdão n.º 103/87, publicado no BMJ n.º 365º, pp. 314 e ss. e 402º, pp. 83 e ss. e, mais recentemente, nos versados nos Acórdãos n.os 725/95 e 119/96, publicados, no DR., II, Série, respectivamente, de 22/03/96 e 07/05/96 e no Acórdão n.º 500/98 (inédito). Em todos eles, e para além de outras adrede postas, sempre esteve presente a questão de saber se a medida de prisão disciplinar imposta a militares das Forças Armadas (com garantia de recurso para o tribunal competente), que foi introduzida no art.º 27º, n.º 3, alínea c), da Constituição da República, na revisão de 1982, e posteriormente sempre mantida em outras alíneas do mesmo artigo, era de aplicar ao pessoal de outros Quadros com funções, mormente de segurança, ditos de forças ou corpos militarizados, como o pessoal do Quadro Militarizado da Marinha (Acórdão 308/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º volume, págs. 97 e segs., e BMJ 402º, págs. 83), aos agentes militarizados da Polícia de Segurança Pública (Acórdão, referido, n.º 103/87) e «aos militares» da Guarda Fiscal, na situação da reserva (Acórdãos, referidos, n.os 725/95 e 119/96), corpo esse entretanto extinto pelo DL. 230/93, de 26 de Junho e integrado na GNR, onde passou a constituir uma nova unidade operacional designada de Brigada Fiscal.

8. No acórdão n.º 103/87, o Tribunal, em provimento do pedido efectuado pelo Presidente da Assembleia da República, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de todas as normas do Regulamento Disciplinar do Pessoal da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto n.º 40 118, de 6 de Abril de 1955, ou seja, das normas dos artigos 27º, 33º e do art.º 52º, esta na parte em que prevê a aplicação de penas disciplinares sem dependência de processo, salvo enquanto aplicável à pena de admoestação.

No caso apreciado pelo Acórdão n.º 308/90, este Tribunal Constitucional, conhecendo de pedido efectuado pelo Provedor de Justiça, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do art.º 4º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 282/76, de 20 de Abril, que dispõe que o pessoal do Quadro de Pessoal Militarizado da Marinha fica sujeito ao foro militar, na parte aplicável a militares, em função das equivalências entre as suas categorias funcionais e os postos militares da Armada, por violação dos artigos 27º e 215º da Constituição. Ou seja, o Tribunal encaminhou-se pela via da inconstitucionalidade material da norma questionada que previa a aplicação daquela pena de prisão disciplinar.

9. Nos demais casos resolvidos nos Acórdãos proferidos por este Tribunal, todos relativos a «militares» da Guarda Fiscal, na situação de reserva, o tribunal decidiu-se pela inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto na alínea c) do artigo 167º da versão originária da Constituição, da norma do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 143/80, de 21 de Maio, enquanto determina a aplicabilidade a cabos e soldados da Guarda Fiscal, na situação de reserva, das penas de prisão e prisão disciplinar agravada nos artigos 27º e 28º do regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/77, de 9 de Abril.

10. Ora, cabe antes de mais notar que não será possível sustentar, no caso sub judicio, a inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos art.os 92º, n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, e 5º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, enquanto determinando a aplicação aos militares da Guarda Nacional Republicana do Regulamento de Disciplina Militar ao abrigo do qual A. foi condenado a pena de prisão disciplinar agravada.

E diz-se que não pode porque, nesta matéria, tais preceitos nada inovaram. Na verdade, a disciplina jurídica que deles emerge pode ser colhida directamente do disposto nos art.os 69º, n.º 1, e 32º, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro) e do preceituado nos art.os 2º, alínea e), 4º, 5º e 16º da Lei n.º 11/89, de 1 de Junho.

Naquele sentido, e com referência aos militares do serviço efectivo da Guarda Fiscal, mas perfeitamente transponível para o presente contexto, pode ler-se no citado acórdão n.º 119/96:

De facto, só esta disposição [está a referir-se ao art.º 1º do Decreto-Lei n.º 143/80, de 21 de Maio] torna aplicável aos oficiais, sargentos e praças da Guarda Fiscal, no activo, na reserva e na reforma, o Regulamento de Disciplina Militar, ao passo que o art.º 69º, n.º 1, da Lei n.º 29/82 - ao remeter para o n.º 1 do art.º 32º da mesma Lei - só torna aplicável o Regulamento de Disciplina Militar “aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo [...] na Guarda Fiscal” [...]

.

Poderá objectar-se que a normatividade que deflui da conjugação do disposto no art.º 62º com o estabelecido no art.º 32º da referida Lei de Defesa Nacional não tem a natureza de um comando imediatamente prescritivo, quanto à aplicação aos militares da GNR do Regulamento de Disciplina Militar e do Código de Justiça Militar, que seja regulador das relações jurídicas e como tal aplicável imediatamente, mas antes simplesmente que externa uma opção político-legislativa quanto ao regime a...

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