Acórdão nº 556/03 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução12 de Novembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 556/03 Proc. n.º 188/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I ? Relatório.

  1. A. (ora recorrente), interpôs no Tribunal Central Administrativo recurso contencioso do despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros (ora recorrido), de 15 de Agosto de 1998, que indeferiu um seu requerimento em que solicitava que o seu nome fosse incluído no elenco dos conselheiros de embaixada a apreciar pelo Conselho Diplomático, para a promoção a Ministros Plenipotenciários.

  2. O Tribunal Central Administrativo, por decisão de 15 de Fevereiro de 2001, negou provimento ao recurso.

  3. Inconformado com esta decisão, o ora recorrente, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, na alegação aí apresentada, afirmado o seguinte:

    ?[...]

    8º Assim, o regime estabelecido no n.º 1 do art. 27 do Decreto-Lei 97/92 [em rigor, 79/92], motivador (pelo reconhecimento da sua inaceitabilidade) das alterações preconizadas pela Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro [], mas condicionante das disposições do Decreto-lei n° 40-A/98, de 27 de Fevereiro, viola o referido princípio da confiança jurídica, pois que não havia quaisquer motivos para esse drástico tratamento do recorrente e de outros diplomatas nas suas condições.

    Assentando na validade desse art. 27, n.º 1 e sentindo-se condicionado por ele, o acto recorrido sofre de violação de lei.[...]

    14º Quando a alínea b) do n.º 2 do art. 2º da Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro, refere ?progressão na carreira?, obviamente que está a referir-se a promoções. E isso mesmo reconhece o acórdão recorrido.

    Simplesmente, e contrariamente ao que esse acórdão entende, a autorização legislativa que a referida Lei encerra não se limita a permitir que o diploma autorizado consagrasse a promoção, antes impôs esse sentido ao diploma autorizado: o corpo do n.º 2 desse art. 2 da Lei n.º 4-A/98 diz, claramente, que o decreto-lei a aprovar deve, em especial, permitir, nomeadamente, a progressão na carreira. Não o tendo feito (e contrariamente ao acórdão recorrido)

    15º O art. 22 do Decreto-Lei n. 40-A/98 sofre de ilegalidade, por violação daquela lei de autorização (esta é, aliás, a opinião do Professor Canotilho, no documento, da sua autoria, junto aos autos, no qual, aliás, repudia a interpretação que o acto recorrido faz da sua opinião, o que, por si só, inquina esse acto de erro nos pressupostos de direito).

    Tendo-se baseado nesse preceito ilegal, o acto recorrido incorreu em violação de lei; acobertando essa base legal do acto recorrido, o acórdão ora impugnado é, ele também, ilegal.

    Conclusões

    1. O acórdão recorrido ignorou, pura e simplesmente, o facto (alegado pelo recorrente para definir o contexto legislativo e administrativo em que foi reduzida drasticamente a idade para passagem à disponibilidade dos conselheiros de embaixada) de não ter sido cumprida a regra da anuidade dos concursos, vinda da legislação anterior e mantida no n° 2 do art. 17 do Decreto-lei n° 79/92, de 6 de Maio; e que isso, como também foi alegado, não poderia ter sido ignorado pelo legislador; esses factos são essenciais - para a definição da violação do princípio da confiança jurídica (ínsito no do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2 da Constituição ), pois que

      II se essa regra da anuidade tivesse sido cumprida, o recorrente (como outros diplomatas) teria acedido muito mais cedo às categorias anteriores [à] de conselheiro de embaixada, a esta mesma categoria e, normalmente, à de ministro plenipotenciário (recorda o recorrente que sempre fora promovido por mérito ). III. Não conhecendo da arguida violação da regra da anuidade dos concursos (Conclusões anteriores), o acórdão recorrido não conheceu de questão de que devia ter conhecido, sofrendo, pois, da ilegalidade definida na alínea d) do n° 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil. IV. Desconsiderando aquele incumprimento da regra da anuidade dos concurso e as consequências de retardamento que isso teve nas carreiras de diplomatas como o recorrente, não atendendo, também, à idade destes, o n° 1 do art. 27.º do Decreto-lei n° 79/92, condicionante do regime do Decreto-lei n° 40-A/98, violou o referido princípio da confiança jurídica. Partindo da validade desse preceito e das suas repercussões sobre o regime adoptado no Decreto-Lei n° 40-A/98, o acto recorrido sofre de violação de lei.

      Acobertando esse entendimento, o acórdão impugnado é ilegal.

    2. A situação do recorrente não é assimilável à de funcionários eventuais ou a exercerem funções fora da carreira, ou aposentados: o recorrente permanece na carreira, tem as mesmas obrigações de conteúdo e de dependência que as de qualquer diplomata não na disponibilidade que tenha exercido ou exerça essas funções, tem os mesmos encargos (ADSE, Caixa Geral de Aposentações, etc.); só não tem (embora não tenha sido nomeado a seu pedido)...o direito a promoção. Não há, pois, razão para tratamento discriminatório de pessoas na situação do recorrente, o que leva a que o próprio art. 22.º do Decreto-lei n° 40-A/98 viole o princípio da igualdade. Aplicando este preceito[], o acto contenciosamente recorrido sofre de violação de lei; acobertando essa aplicação, o acórdão recorrido é ilegal.

    3. O n° 2 e sua alínea b) do art. 2 da Lei de autorização n° 4-A/98, de 20 de Janeiro, não se 1imitou a permitir, antes indicou e impôs o sentido do diploma autorizado que, segundo esses preceitos, não poderia, tão-só, mas tinha que prever a promoção dos funcionários diplomáticos na disponibilidade em serviço. Não tendo cumprido essa indicação, o art. 22.º do Decreto-lei n° 40-A/98, de 27 de Fevereiro é ilegal; baseando-se nesse preceito, sem atender a essa ilegalidade, o acto contenciosamente recorrido sofre de violação de lei. Dando cobertura a esse entendimento, o acórdão recorrido sofre de ilegalidade. Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido ou, quando assim se não entenda, revogando-se o mesmo acórdão e anulando-se o acto administrativo contenciosamente recorrido neste processo, como é de Justiça.?

      4 ? O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 3 de Dezembro de 2002, decidiu negar provimento ao recurso. Na fundamentação dessa decisão, ponderou aquele Tribunal:

      ?[...]

      Quanto à violação do princípio da confiança jurídica- conclusão IV:

      Segundo o recorrente o acórdão recorrido errou, ao acolher o entendimento defendido no acto administrativo recorrido, de que o regime estabelecido no n.º 1 do art° 27° do DL n.º 67/92, motivador das alterações preconizadas pela Lei n.º 4-A/98 e condicionante das disposições do DL nº 40-A/98, não viola o princípio da confiança jurídica.

      Já vimos que o recorrente sustentou a ilegalidade do despacho administrativo recorrido, além do mais, no facto de se ter apoiado na validade do citado n.º 1 do art° 27° do DL n° 79/92, preceito que considera violador do princípio da confiança jurídica, por haver reduzido drasticamente de 65 para 60 anos a idade limite para a passagem à disponibilidade na categoria de conselheiro de embaixada, quando o recorrente tinha à data 58 anos.

      O acórdão recorrido, sufragando o entendimento constante do parecer de que se apropriou o despacho administrativo impugnado e invocando jurisprudência deste Supremo, considerou, em síntese, não ocorrer a pretendida violação, quer porque a situação jurídica do funcionário público é de natureza estatutária, sendo por essa razão, em princípio, livremente modificável ou revogável pela lei, sem prejuízo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, designadamente quanto à garantia da segurança no emprego, quer porque a redução para 60 anos do limite de idade em causa, não constitui uma frustração intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva das expectativas dos destinatários, já que, em primeiro lugar , a entrada em vigor desse regime foi deferida para 01-01-95, ou seja, três anos de vista e não tornou inviável a promoção almejada, se dentro de 3 anos (e não dentro de 2, como o recorrente afirmou) se verificassem os respectivos pressupostos. Se o recorrente conseguir afirmar que teria direito à promoção então a sua não efectivação ter-se-á ficado a dever a outras causas, porventura ilegais mas não invocadas, mas não certamente ao facto da alteração legislativa. Por outro lado, entendeu o Tribunal "a quo" que a norma em apreço não introduz uma alteração na ordem jurídica estabelecida, apenas a adapta às exigências do interesse público e à crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos, como é justificado no preâmbulo do diploma, o que seria justificável face à jurisprudência do Tribunal Constitucional que também cita.

      Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente:

      Segundo a jurisprudência abundante do Tribunal Constitucional, no princípio do Estado de direito democrático contido no art. 2° da CR, está «entre o mais, postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Por isso, a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» [1]

      Ainda segundo o Tribunal Constitucional, há dois critérios, que se completam, para determinar se ocorre uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas jurídicas:

      a) afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar, e ainda,

      b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar...

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