Acórdão nº 32/02 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução22 de Janeiro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 32/02 Processo n.º 787/98 Plenário Relator - Paulo Mota Pinto

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.O Provedor de Justiça, “no uso da sua competência prevista no art.º 281º, n.º 2, al. d), da Constituição da República Portuguesa” veio requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da norma contida no n.° 3 do Despacho 5/SEAE/97, de 21 de Janeiro (publicado no Diário da República [DR], II Série, de 10 de Fevereiro), que é do seguinte teor:

    “1– Aplica-se aos docentes em exercício efectivo de funções que se aposentem ao abrigo do art. 121º do Dec.-Lei 139-A/90, de 28-4, o disposto no art. 79º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Dec.-Lei 498/72, de 9-12.

    2– A remuneração prevista no número anterior é processada nos termos da legislação aplicável aos docentes no activo.

    3– O presente despacho produz efeitos a 1-1-97.”

    O requerente entende que este n.º 3 é inconstitucional, por violar o princípio do Estado de Direito, na sua vertente da proibição do arbítrio, consagrado no artigo 2° da Constituição, e o princípio da igualdade, recebido nos artigos 13° e 266°, n.° 2, da Lei Fundamental. Como fundamentação, alegou, em síntese:

    “- Em reclamação apresentada ao Provedor de Justiça, foi posto em causa o não pagamento de qualquer remuneração adicional aos docentes que se aposentassem antes do final do ano lectivo, mas que, por exigência do artigo 121° do Estatuto da Carreira Docente (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril), permaneciam em serviço efectivo de funções até essa altura

    - Na sequência dessa reclamação, o Provedor de Justiça formulou a Recomendação n° 2/94 (publicada no Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República – 1994, págs. 59 e segs.), dirigida à Ministra da Educação, onde se defendia que, na ausência de norma especial que afastasse a acumulação-regra do artigo 79° do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), seria esta a norma aplicável aos casos em questão

    - A Secretaria de Estado do Orçamento, porém, propunha solução alternativa da feitura de legislação especificamente direccionada a resolver a situação criada

    - O Provedor de Justiça formulou, então, a Recomendação n° 46/B/95 (publicada no Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República – 1995, págs. 192 e segs.), onde se alertava para a necessidade de feitura de legislação especial

    - O Secretário de Estado da Administração Educativa entendeu, então, como necessário ouvir o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República

    - Este órgão consultivo pronunciou-se em 14 de Junho de 1996, através do Parecer n° 24/96 (cfr. DR, II Série, de 5 de Abril de 1997), o qual foi homologado pelo Secretário de Estado da Administração Educativa em 30 de Dezembro de 1996, nos termos e para os efeitos do artigo 40°, n° 1, da Lei 47/86, de 15 de Outubro, tornando-se interpretação oficial, vinculativa para os serviços públicos dependentes da direcção daquele membro do Governo

    - Este parecer optou pela solução primitivamente proposta pelo Provedor de Justiça, isto é, pela aplicabilidade do artigo 79° do Estatuto de Aposentação

    - Posteriormente, em 21 de Janeiro de 1997 foi assinado o questionado Despacho 5/SEAE/97, que determina, nos seus n°s 1 e 2, a observância da doutrina do parecer, cumprindo-se os trâmites procedimentais em vigor para os professores no activo

    - Contudo, no seu n° 3, dispõe o mesmo despacho que a sua produção de efeitos apenas se reporta a 1 de Janeiro de 1997, sendo certo que o efeito jurídico que se visa inequivocamente produzir com esta norma é o de limitar o efeito temporal do entendimento ora vinculativo para a Administração, tornando-o aplicável apenas para as situações que se verifiquem após 1 de Janeiro de 1997, implicitamente indicando que entendimento diverso pode e deve ser seguido quanto às situações verificadas antes dessa data

    - O despacho em causa traduz a expressão geral e abstracta de um entendimento da Administração, constituindo um conjunto de normas administrativas – ou seja, um regulamento –, sujeitas a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade

    - «Ao reconhecer como correcta uma interpretação da lei a partir de certo momento, implicitamente reconhecendo-a como incorrecta, não aplicável ou menos adequada para o passado, não se tendo produzido qualquer alteração relevante na esfera legal, não pode deixar de se reconhecer a ilegalidade da norma ora em apreciação, ao traduzir-se num comando à administração para não aplicar a lei como se reconheceu, no n° 1, que ela impõe»

    - Para além de ilegal, a norma impugnada afronta directamente a Constituição

    - Com efeito, sem que tenha ocorrido qualquer alteração legislativa, tal norma opera uma divisão entre as situações jurídicas dos vários professores que sofram os efeitos do artigo 121° do Estatuto da Carreira Docente: quando a sua aplicação seja posterior a 1 de Janeiro de 1997, reconhece-se a aplicabilidade do artigo 79° do Estatuto da Aposentação; quando a sua aplicação foi anterior a essa data, nega-se a aplicabilidade desse mesmo artigo 79°

    - Tal significa que duas situações materialmente idênticas, às quais, pela pura aplicação do artigo 121° do Estatuto da Carreira de Docente e do artigo 79° do Estatuto da Aposentação corresponderia o direito a receber certa remuneração, sofrerão um tratamento pela Administração Pública perfeitamente inverso, conforme os factos se tenham produzido antes ou depois de 1 de Janeiro de 1997 – data fixada com absoluta carência de fundamentação reportada a critérios objectivos

    - Assim, decidindo ao arrepio de qualquer critério material constitucionalmente aceitável, a norma do n° 3 do Despacho 5/SEAE/97 viola o princípio da igualdade de tratamento, consagrado constitucionalmente como estruturador do quadro de direitos fundamentais no artigo 13° da CRP, e imposto especificamente como princípio estruturante de toda a actividade administrativa no artigo 266°, n° 2, da mesma Lei Fundamental

    - Esse principio é afectado se a Administração, unilateralmente, define quem considera como merecedores da tutela legal, sem qualquer base material e juridicamente sustentada

    - Ao fazê-lo sem qualquer critério, mostra-se ainda violado o artigo 2° da Constituição (princípio do Estado de Direito), na sua vertente da proibição do...

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