Acórdão nº 345/02 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução11 de Julho de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 345/02

Processo nº 819/98

Plenário

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I

1. - O Provedor de Justiça vem requerer, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 2, alínea d), da Constituição da República e do artigo 51º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril – recte, da norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 22º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (doravante Estatuto), aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril – por entender que essa norma viola os artigos 13º, 18º, nº 2, 47º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea b), do texto constitucional.

2. - O Decreto-Lei nº 139-A/90 foi editado pelo Governo, sob a invocação da alínea c) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), aplicando-se o Estatuto por ele aprovado aos docentes em exercício efectivo de funções nos estabelecimentos de educação ou de ensino públicos, entre outros (cfr. o seu artigo 1º).

O diploma enuncia, no seu artigo 2º, o que se entende, para efeitos do Estatuto, por pessoal docente e no artigo 3º afirma que a actividade desse pessoal desenvolve-se de acordo com os princípios fundamentais constitucionalmente consagrados e, bem assim, no quadro dos princípios gerais e específicos constantes dos artigos e da Lei de Bases do Sistema Educativo, após o que lhe garante os direitos estabelecidos para os funcionários e agentes do Estado em geral e os direitos profissionais especificamente decorrentes do Estatuto – artigo 4º – vinculando-o, por outro lado, ao cumprimento dos deveres estabelecidos para os funcionários e agentes do Estado em geral e aos deveres profissionais decorrentes do seu texto – artigo 10º.

Avultam, entre aqueles direitos, o direito de participação no processo educativo (artigo 5º), o direito à formação e informação para o exercício da função educativa (artigo 6º), o direito ao apoio técnico, material e documental (artigo 7º), o direito à segurança na actividade profissional (artigo 8º) e, enfim, o direito à negociação colectiva (artigo 9º).

No elenco dos deveres funcionais específicos dos educadores de infância e dos professores do ensino básico e secundário, salientam-se:

- contribuir para a formação e realização integral dos alunos, promovendo o desenvolvimento das suas capacidades, estimulando a sua autonomia e criatividade, incentivando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida da comunidade [artigo 10º, nº 2, alínea a)];

- reconhecer e respeitar as diferenças culturais e pessoais dos alunos e demais membros da comunidade educativa, valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo processos de exclusão e discriminação [artigo 10º, nº 2, alínea b)];

- colaborar com todos os intervenientes no processo educativo, favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo, em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal não docente [artigo 10º, nº 2, alínea c)];

- participar na organização e assegurar a realização das actividades educativas [artigo 10º, nº 2, alínea d)];

- gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas definidos, procurando adoptar mecanismos de diferenciação pedagógica susceptíveis de responder às necessidades individuais dos alunos [artigo 10º, nº 2, alínea e)];

- contribuir para a reflexão sobre o trabalho realizado individual e colectivamente [artigo 10º, nº 2, alínea g)];

- enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos meios de ensino que lhe sejam propostos, numa perspectiva de abertura à inovação e de reforço da qualidade da educação e ensino [artigo 10º, nº 2, alínea h)];

- actualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos, capacidades e competências, numa perspectiva de desenvolvimento pessoal e profissional [artigo 10º, nº 2, alínea j)];

- empenhar-se nas e concluir as acções de formação em que participar [artigo 10º, nº 2, alínea l)];

- assegurar a realização, na educação pré-escolar e no ensino básico, de actividades educativas de acompanhamento de alunos, destinadas a suprir a ausência imprevista e de curta duração do respectivo docente [artigo 10º, nº 2, alínea m)];

- cooperar com os restantes intervenientes no processo educativo na detecção da existência de casos de crianças ou jovens com necessidades educativas especiais [artigo 10º, nº 2, alínea n)].

3.1. - O preceito questionado insere-se no Capítulo IV do referido Estatuto, epigrafado "Recrutamento e selecção", e dispõe na parte que interessa, relativa aos requisitos gerais e específicos:

"1. São requisitos gerais de admissão a concurso de provimento:

  1. Ter nacionalidade portuguesa ou ser nacional de país que, por força de acto normativo da Comunidade Económica Europeia, convenção internacional ou lei especial, tenha acesso ao exercício de funções públicas em Portugal;

(...)."

3.2. - Sendo esta a norma objecto do pedido e que, assim, o delimita, a entidade requerente fundamenta-o com a seguinte ordem de argumentos:

a) a norma em causa afasta da docência todos os nacionais de países terceiros aos quais nenhum acto de direito internacional, comunitário ou legislativo interno confira expressamente a possibilidade de acesso à função pública portuguesa, deste modo não observando o princípio da equiparação de direitos e deveres entre nacionais e estrangeiros constante do nº 1 do artigo 15º da Constituição;

b) o exercício de funções docentes de educador de infância e de professor dos ensinos básico e secundário respeita a uma função predominantemente técnica, onde o carácter técnico da função prevalece sobre a componente de autoridade do cargo, pelo que não se verifica, sequer, uma situação enquadrável na excepção prevista no nº 2 daquele artigo 15º, relativa ao exercício de funções públicas destituídas de carácter predominantemente técnico;

c) se é certo que a parte final do nº 2 do artigo 15º permite que o legislador ordinário intervenha no sentido de restringir a equiparação de direitos entre nacionais e estrangeiros, não menos exacto é que o direito de acesso à função pública, como um dos "direitos, liberdades e garantias", beneficia do regime específico de

protecção constante do nº 2 do artigo 18º da Constituição;

d) a norma em questão, ao excluir da admissão à carreira docente os estrangeiros e apátridas que não beneficiem de acto normativo comunitário, convenção internacional ou lei especial, restringe o universo daqueles que poderiam, sem a sua existência, concorrer às vagas em concurso, assim diminuindo o âmbito subjectivo do direito fundamental consagrado;

e) se, no caso concreto, pode afirmar-se encontrar-se prevista, no nº 1 do artigo 47º da Constituição, uma autorização para restringir, já que o acesso à função pública deve enquadrar-se no plano mais amplo da liberdade de acesso à profissão, a restrição a operar há-de obedecer aos requisitos da proporcionalidade, necessidade e adequação, o que implica averiguar se existem razões de interesse colectivo ou inerentes à própria capacidade dos cidadãos afastados que a justifiquem;

f) ora, não pode acolher-se como justificação razoável a salvaguarda dos valores da soberania e da independência nacionais, uma vez que estes já são acautelados através da subtracção ao princípio da equiparação das funções públicas em que o exercício de autoridade se sobrepõe ao aspecto técnico, o que não é o caso, não se vislumbrando outro interesse colectivo legítimo que se possa querer salvaguardar em função da...

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