Acórdão nº 43/01 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução31 de Janeiro de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 43/01

Processo nº 241/00

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

1.1. - MR, identificada nos autos, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Janeiro de 2000, proferido na acção, com processo sumário, que correu termos no Tribunal Judicial da comarca dessa cidade, intentada por DS e mulher, MS, onde se pede a resolução do contrato de arrendamento, em que são locadores e a ora recorrente é locatária, por falta de pagamento de renda, devendo ser decretado o despejo e esta última condenada a entregar àqueles o prédio devoluto e a pagar-lhes as rendas em atraso.

A acção foi julgada procedente, por provada, na 1ª Instância, por sentença de 4 de Maio de 1999, e, em consequência, foi declarada a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento "na falta de pagamento da renda no tempo e lugar próprios, considerando-se como não liberatórios os depósitos de rendas efectuados pela Ré, nos termos conjugados dos artºs. 64º, nº 1 a) e 22º, nº 1 do RAU, decretando-se, deste modo, o despejo do arrendado, e condenando-se ainda a Ré no pagamento das rendas vencidas desde Julho de 1998, e nas vincendas até ao momento da desocupação efectiva do arrendado, sem prejuízo das que já se encontrem depositadas que, nos termos do artº 28º, nº 1, do RAU, e em conformidade com o exposto, se autorizam a ser levantadas pelos Autores".

Inconformada, a ré apelou da sentença e nas alegações apresentadas suscitou a temática da constitucionalidade em termos que assim condensou nas conclusões 66ª e 67ª:

"LXVI. A sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente os artºs. 64º, nº 1, al. a) e 22º, nº 1, ambos do RAU, bem como os artºs. 841º, 1041º e 1048º do Código Civil.

LXVII. Tais normas, interpretadas e aplicadas como o fez a sentença recorrida, no sentido de permitir/fundamentar o despejo da Ré, são desconformes com a Constituição da República Portuguesa, por violação dos preceitos constitucionais ínsitos nos artºs. 2º, 9º, al. d) e 65º da nossa Lei Fundamental e como tal devem ser declaradas."

O Tribunal da Relação de Coimbra, no já citado acórdão de 11 de Janeiro de 2000, conheceu da apelação da sentença, bem como do recurso já interposto pela ré do saneador, e negou provimento a ambos os recursos, do mesmo passo que rejeitou a tese de inconstitucionalidade.

1.2. - Com o recurso para este Tribunal Constitucional pretende a recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 64º, nº 1, alínea a), e 22º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro), bem como dos artigos 841º, 1041º e 1048º do Código Civil, "quando interpretados nos termos em que o fez" o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Janeiro de 2000.

O requerimento de interposição de recurso mereceu, neste Tribunal, despacho do relator, nos termos e para os efeitos dos nºs. 1, 5 e 7 do artigo 75º-A da citada Lei nº 28/82.

Aí se observou, nomeadamente, competir à recorrente uma cabal identificação da norma a apreciar, no seu todo, em dado segmento ou na dimensão interpretativa impugnada, o que, de qualquer modo, sempre implicará a indicação precisa da questão de constitucionalidade.

O que se pretendeu – de resto, em harmonia com a jurisprudência assente deste Tribunal – foi obter uma indicação sintética e inequívoca da questão de constitucionalidade, em termos tais que não se suscitem dúvidas razoáveis a respeito do sentido das normas reputado de inconstitucional (cfr., por todos, o acórdão nº 178/95, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995).

Colhe-se, da leitura da resposta apresentada, que se pretende obter a "declaração" de inconstitucionalidade (das normas) dos artigos 64º, nº 1, alínea a), e 22º, nº 1, do RAU e dos artigos 841º, nº 1, 1041º, nº 1, e 1048º do Código Civil, reportadas a um sentido interpretativo que, oportunamente, será analisado.

2. - Entendeu o relator ordenar a notificação das partes para alegações.

Não obstante, desde logo se advertiu a recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a eventualidade do não conhecimento do objecto do pedido, no caso de se concluir pela ausência de um controlo normativo, sabido que o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não se destina a reapreciação da decisão recorrida, em si mesma considerada.

Alegou oportunamente a recorrente, lavrando conclusões que se expraiam do seguinte modo:

"I – O art. 64º, nº 1, al. a) do RAU, quando interpretado e aplicado com um sentido segundo o qual o não pagamento de algumas rendas em casa do senhorio, é justa causa para resolução do contrato de arrendamento, mesmo que tal pagamento tenha sido efectuado, em devido tempo, a título excepcional, por depósito em nome do senhorio na Caixa Geral dos Depósitos, é inconstitucional, por violação do art. 65º, nº 1, da CRP, pois permite que se agrida arbitrária e desnecessariamente o direito à habitação.

II – Com aquela interpretação e alcance a norma do art. 64º, nº 1, al. a), do RAU é ainda inconstitucional, pois viola também o art. 18º, nº 2, (ex vido art. 17º) da CRP, porquanto sacrifica desproporcionadamente o direito à habitação sem ser em defesa de um outro direito constitucionalmente consagrado.

III – O interesse dos senhorios em que a renda lhes fosse paga, em mão, em sua casa, é uma mera comodidade, não tem, obviamente, consagração constitucional e mesmo que o tivesse jamais revestiria dignidade suficiente para se sobrepor ao direito à habitação da ré/recorrente.

IV – A norma do art. 22º, nº 1 do RAU, quando interpretada e aplicada com um sentido segundo qual o depósito na CGD, em nome do senhorio, a título excepcional, de algumas rendas, ainda antes do respectivo vencimento, não é liberatório do dever de pagar as rendas e determina a constituição do inquilino em mora e o respectivo despejo, é inconstitucional por violação do art. 65º, nº 1, pois permite agredir arbitrária e desnecessariamente o direito à habitação da recorrente.

V – Com aquela interpretação a norma do art. 22º, nº 1, viola ainda o art. 18º, nº 2 (ex vi do art. 17º) da CRP já que restringe desnecessária e desproporcionadamente um direito fundamental da ré, em benefício apenas de uma mera comodidade dos autores/senhorios.

VI – Interpretadas e aplicadas com os sentidos e alcances supra assinalados, as normas dos arts. 64º, nº 1, al. a) e 22º, nº 1, ambas do RAU, são também inconstitucionais na medida em que ofendem o sub-princípio da confiança inerente ao princípio do Estado de Direito Democrático ínsito no art. 2º da CRP, já que o pagamento das rendas fora feito por depósito e este veio a ser considerado válido, a final, pela própria sentença.

VII – Nunca será Democrático, muito menos de Direito, um Estado com leis ordinários que possibilitem (mesmo que através das interpretações mais subversivamente legalistas e positivistas) o despejo de inquilinos por motivos tão fúteis e insignificantes.

VIII – Os depósitos das rendas efectuados pela recorrente deveriam ter sido considerados liberatórios, pelo menos até ser estabelecida a culpa pelo seu não pagamento em casa dos senhorios.

IX – Só depois de a culpa ter sido atribuída em exclusivo à ré, é que esta deveria ser obrigada a pagar a indemnização, até porque o montante relativo às rendas já se encontrava depositado.

X Ninguém, à face dos...

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