Acórdão nº 91/01 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução13 de Março de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 91/01

Processo n.º 532/2000

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. C... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 1 de Junho de 2000), que negou provimento ao recurso por si interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo (de 27 de Maio de 1999), que, por sua vez, tinha negado provimento ao recurso contencioso que ele interpusera do despacho do MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 22 de Setembro de 1997.

      Pede se aprecie "a constitucionalidade das normas do artigo 94º do Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, e do artigo 75º do Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, com a interpretação que lhes foi dada no acórdão recorrido, a qual viola os preceitos constitucionais dos artigos 13º, 18º, nºs 1, 2 e 3, 168º, nºs 1, alíneas b), d) e v), 3 e 4, e 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa".

      Neste Tribunal, alegou o RECORRENTE, formulando as seguintes conclusões:

    2. O douto despacho recorrido fundamentou a dispensa de serviço do Recorrente nas normas do nº 4 do artº 94 do DL 231/93 de 26/6 e do nº 3 do artº 75 do DL 265/93 de 31/7.

    3. Tais diplomas estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de o Governo ter legislado com competência legislativa originária e não ter sido autorizado a fazê-lo pela Assembleia da República, em matéria de sua reserva relativa de competência legislativa (alíneas b), d) e v) do nº 1 do artº 168º da CRP ).

    4. O Recorrente é um agente militarizado integrado na força de segurança G.N.R..

    5. Só com a recentíssima publicação da notável Lei 145/99 de 1 de Setembro passou o Recorrente a estar sujeito a um regulamento disciplinar constante de diploma próprio, tal como já anteriormente acontecia para os militares, para os funcionários públicos e para os agentes militarizados da força de segurança P.S.P..

    6. A medida sancionatória que resultar de um processo disciplinar ou do processo próprio de dispensa de serviço é, pela sua própria natureza, sempre uma sanção de natureza estatutária, e porque em ambos os casos é afectada a carreira profissional e a situação funcional do militar, modificando-a em prejuízo do agente.

    7. O processo próprio de dispensa de serviço, por visar a aplicação de uma sanção estatutária, tem a natureza de um processo sancionatório tal como o processo disciplinar, por visar a aplicação de uma pena, tem também a natureza de um processo sancionatório.

    8. O facto de a sanção de dispensa de serviço prevista no nº 2 do artº 94 do DL 231/93, de 26 de Junho (LOGNR) ter a natureza de sanção estatutária não lhe retira o carácter de pena disciplinar e isto porque a sanção estatutária denominada "dispensa de serviço" constitui, tal como a pena disciplinar expulsiva, uma sanção estatutária expulsiva, não constituindo, enquanto tal, um género próprio, autónomo e distinto da pena disciplinar.

    9. Os referidos DL 231/93 (LOGNR) e 265/93 (EMGNR) são alegadamente resultado do exercício da função legislativa do Governo nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 201º da CRP ("Fazer decretos-lei em matéria não reservada à Assembleia da República"), como deles expressamente consta.

    10. E de ambos estes diplomas consta inegavelmente abundante matéria respeitante a direitos e garantias, ao regime estatutário geral e regime disciplinar dos agentes militarizados da G.N.R. (vg., alíneas a), b) e c) do nº 7 e nº 8 do artº 39º, e artºs 92º, 93º e 94º, todos da LOGNR – e artºs 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 14º, 15º, 19º, 22º e 75º do EMGNR).

    11. Tais normativos (direitos, liberdades e garantias, regime disciplinar e regime da função pública) constituem matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, como tal consignadas nas alíneas b), d) e v) do nº 1 do artº 168º da C.R.P..

    12. A reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta matéria vale não apenas para as restrições mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (vd. artºs do Título II da parte I, nº 8 (actual 10 do artº 32º), 17º, 18º, 20º, 21º, 22º e 23º da C.R.P., e – Vital Moreira – C.R.P. anotada, 3ª Edição – pág. 672).

    13. Igualmente, implicando a sanção de "dispensa de serviço" o termo da manutenção funcional, o "despedimento" do Recorrente, atinge irremediavelmente o seu direito à segurança no emprego consagrado no artº 53º da C.R.P..

    14. Por outro lado, no respeitante às alíneas d) e v) do artº 168º da C.R.P. cabe à Assembleia da República definir a natureza do ilícito e os tipos de sanções e as regras gerais do processo disciplinar relativos a todos os ordenamentos sectoriais públicos ou de carácter público, em cujo âmbito, no mínimo, se inclui a força de segurança GNR (cf. nº 4 do artº 272º - Título IX – Administração Pública, da C.R.P.).

    15. Assim, o acto impugnado, ao ter fundamentado a "dispensa de serviço" aplicada ao Recorrente nos artºs 75º do EMGNR e 94º - 1, 2 e 4 da LOGNR, fundamentou-se em normas formal e organicamente inconstitucionais, por as mesmas respeitarem a direitos e garantias fundamentais, ao regime geral de punição de infracções disciplinares e bases do regime e âmbito da função pública, matérias de reserva relativa da Assembleia da República – alíneas b), d) e v) do artº 168º da C.R.P. (3ª Revisão) – o que inquina o acto recorrido de vício de violação de lei.

    16. O Governo legislador do EMGNR e da LOGNR quis prever um processo sancionatório e uma medida sancionatória com CARACTERÍSTICAS INOVADORAS, fazendo-o de uma forma subreptícia e ilegal ao redefinir a natureza do ilícito, definir o tipo de sanção e as regras gerais de outro tipo de processo – o processo próprio de dispensa de serviço.

    17. Mesmo que erroneamente se entendesse que de mera repetição e transcrição se tratara, sempre importaria saber se os diplomas, onde tal matéria tinha sido já anteriormente regulada e que em 1993 teriam sido "copiados", tinham sido proferidos pelas entidades com competência legislativa para os proferir, pois, o vício no caso inverso de incompetência originária contaminaria os diplomas que posteriormente os tenham vindo a acolher.

    18. O Governo não só inovou legislativamente em relação às normas constantes dos DL 333/83, 465/83 e 142/77, como também estes primeiros dois diplomas ora referidos foram decretados sem a indispensável autorização da Assembleia da República nos termos da C.R.P. então vigente (1982).

    19. Hoje em dia, no fundamental, não existe nenhuma diferença significativa, nem quanto à sua missão nem quanto à sua tutela, entre a força de segurança GNR e a força de segurança PSP (estas sim, distintas na missão – vd. artº 275º da CRP – e na tutela, das Forças Armadas).

    20. E o que também se constata, é que tanto para o comum trabalhador privado, como para o funcionário público em geral, como ainda também para o agente militarizado membro da força de segurança PSP, a ruptura do vínculo de emprego, fundada em justa causa, sempre se decide após a verificação e comprovação desta ser invariável e imperativamente apurada em sede de processo disciplinar integralmente assegurador das garantias de defesa do arguido.

    21. No entender do Recorrente não existe uma só razão distinta ou argumento plausível que justifique e legitime poder ter sido, como foi, decidida a ruptura do vínculo de emprego através da originalíssima dispensa de serviço, processo inexistente, ao invés do processo disciplinar, nos restantes casos supra indicados.

    22. A indevida sujeição dos membros da GNR à medida estatutária de dispensa de serviço constitui notória violação daquele requisito e dos princípios constitucionais da proibição do excesso e da salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental (vd, por todos J.J.GOMES CANOTILHO – Direito Constitucional, 4ª edição, págs. 482 a 493), ínsitos nos nºs 2 e 3 do artº 18º da CRP , consubstanciando inequivocamente a violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade arguida pelo Recorrente.

    23. Em boa verdade, além de deverem ter fundamento na Constituição, cumpre sempre apurar se a especificidade estatutária concreta exige aquela concreta restrição ao direito fundamental afectado (vd. J.J. GOMES CANOTILHO, ob. cit. págs. 501 a 503). No caso dos autos claramente se constata o desrespeito pelos princípios da exigibilidade e da salvaguarda do núcleo essencial, em virtude de, por maior que seja o persistente esforço, não se conseguir vislumbrar o que possa justificadamente exigir a existência da dispensa de serviço na GNR e a sua não existência na PSP, mas sobretudo e até nas próprias Forças Armadas!

    24. O Recorrente discorda fundamentadamente do modo processualmente ínvio como foi punido, e do tipo e da medida da sanção com que foi punido.

    25. Ao invés do considerado no douto Acórdão recorrido o princípio da igualdade foi ofendido, não porque não tenha sido aplicada a mesma medida a todos os membros da GNR envolvidos na prática de factos idênticos aos do Recorrente, mas precisamente porque o processo de dispensa de serviço em todos os casos seguidos e a medida de dispensa de serviço a todos aplicada resulta manifestamente excepcional e a sanção desigual e desproporcionada em relação comparada às aplicadas (penas de inactividade, suspensão e até prisão disciplinar) em abundantes e variados outros casos, públicos e notórios, a membros das forças de segurança GNR e PSP que cometeram ilícitos de muito maior gravidade (basta relembrar os casos do cabo Casca (homicídio de dois colegas da GNR – VINHAIS) e sargento Santos (homicídio e decapitação de um civil – SACAVÉM), pronunciados e até já condenados).

    26. O douto acórdão recorrido não reconhecendo a inconstitucionalidade das normas referidas tal como concretamente emergiram e foram aplicadas pelo despacho ministerial recorrido e negando provimento ao recurso contencioso, violou e fez errónea a aplicação dos artºs 13º, 18º nºs 1, 2 e 3, 168º nº 1 alíneas b), d) e v) e 277º nº 1 da...

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