Acórdão nº 308/01 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Julho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução03 de Julho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 308/01 Processo nº 450/92 Plenário

Relator: Conselheiro Tavares da Costa

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I Relatório

  1. - Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República (CR) e no artigo 51º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, "da parte da norma que se encontra contida no artigo 11º, nº 1, alínea b) [na versão originária, hoje alínea c)] do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares” (IRS),aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que determina a incidência do IRS sobre as "pensões de preço de sangue".

  2. - Considera o requerente que a norma em referência é materialmente inconstitucional, com base nos seguintes fundamentos:

    – Violação do princípio da legalidade tributária (art. 106º, hoje, art. 103º, nº 2, CR), nas suas dimensões de princípio da “tipicidade” e, em particular, de “determinabilidade” (que é um corolário da ideia de Estado de direito: cfr. art. 2º CR) da norma de “incidência” tributária [cfr. art. 168º, hoje, art. 165º, nº 1, alínea i), CR] – na medida em que essa insuficiente densificação do preceito questionado permite (ou permita) subsumir na sua previsão as "pensões de preço de sangue";

    – Violação dos fins constitucionais globais do sistema fiscal e dos específicos do imposto sobre o rendimento, pois que, e respectivamente: – não podendo aceitar-se que seja legítimo ao legislador tributar todos os acréscimos patrimoniais, a tributação das pensões de preço de sangue colide com a finalidade daquele sistema de promover uma “repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art. 106º, hoje, art. 103º, nº 1, CR), porquanto “não se vê que possa ser justa a repartição de uma compensação pelos danos morais que sofreram e sofrem os beneficiários de uma pensão de preço de sangue”; – visando o imposto sobre o rendimento “a diminuição das desigualdades” (art. 107º, hoje, art. 104º, nº 1, CR), e visando as pensões de preço de sangue, por seu turno, compensar os respectivos beneficiários pelo desigual encargo que o interesse público já sobre eles fez recair, “escapa ao bom entendimento que tais pessoas tenham de contribuir, nessa parcela do seu património, para a satisfação das necessidades públicas e correcção das desigualdades”;

    – Violação do princípio geral da igualdade (art. 13º CR): é que, configurando-se a pensão de preço de sangue como uma verdadeira indemnização por danos não patrimoniais, a sua tributação representa uma discriminação arbitrária, face à norma de delimitação negativa da incidência do IRS, constante do nº 1 do artigo 13º (refere-se o artigo 14º, mas por manifesto lapso) do respectivo Código, a qual exclui generalizadamente dessa tributação “as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título”, salvas as situações aí mesmo previstas, entre as quais se não pode incluir a das pensões em causa.

  3. - O Primeiro-Ministro, notificado, nos termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, impugnou desenvolvidamente a procedência de todos os fundamentos de inconstitucionalidade invocados, e juntou cópia de um estudo sobre tributação das pensões nos países da União Europeia. Sustentou, em síntese, e no essencial, o seguinte:

    – quanto à violação do princípio da legalidade tributária: depois de questionar que “o conceito de pensão seja um exemplo paradigmático de conceito vago e indeterminado”, reconduz o problema em apreço ao de saber “se a formulação da alínea b) do nº 1 do artigo 11º é ou não suficientemente determinada para incluir nela as pensões de preço de sangue e preencher as exigências constitucionais de fechamento do tipo em matéria de incidência dos impostos”, mas salienta que nessa indagação não pode tratar-se apenas de averiguar o sentido do preceito legal, antes importando considerar todo o conjunto de dados do sistema. Nestes dados põe particularmente em destaque o facto de não se haverem retomado ou ressalvado, seja no Código do IRS (em confronto com o antigo Código do Imposto Complementar), seja no Estatuto dos Benefícios Fiscais, as normas expressas de isenção tributária das pensões de preço de sangue, existentes ao tempo da emissão desses diplomas – não deixando, nesse contexto, de chamar-se a atenção para que “a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Código do IRS não inova, na sua redacção”, em relação ao artigo 15º do antigo Código do Imposto Complementar. Conclui assim que "as disposições de que resulta a norma de tributação das pensões de preço de sangue consentem uma aplicação imediata a essas pensões", tendo assim a incidência do imposto sido “de facto determinada no plano legal” e não por um alargamento administrativo do significado literal das normas aplicáveis;

    – quanto à violação dos fins constitucionais do sistema fiscal e do imposto sobre o rendimento pessoal: começa por salientar que nem só os carenciados de protecção social são beneficiários de pensões de preço de sangue, pelo que, “por muito apelativo” que isso seja, não se pode reconduzir o “ser tributário de respeito pelo sacrifício abnegado de um ente próximo" a “dever ser merecedor de um especial tratamento fiscal"; e, neste contexto, chama à colação o exemplo de outras pensões (algumas previstas no mesmo diploma legal) a que não é conferido tratamento fiscal especial, e que nenhuma razão haveria para distinguir, desse ponto de vista, das “pensões de sangue”. Em suma: há uma “inadequação de base”, na invocação dos princípios constitucionais ora referidos como fundamento de um tratamento tributário especial para as pensões em causa: eles visam “alterações quantitativas quando o que aqui se joga é puramente qualitativo”. Entretanto, dito isso, não deixa de lembrar que a transição (dessas pensões) da situação de isenção expressa para a de tributação “foi acompanhada por uma adequada majoração”, para, depois, concluir que “todos os argumentos de justiça invocados provam de mais” e que "a aferição da validade do sistema à luz de uma qualquer concepção de justiça provocaria a maior insegurança na sua aplicação";

    – quanto à violação do princípio da igualdade: por um lado, põe em relevo o que se chama de “reversibilidade do argumento” da igualdade, e as suas implicações (num quadro de análise de legislação tributária), para concluir que é "demasiado temerário" formular “um juízo de insusceptibilidade de tributação com base na inexistência de uma norma de tributação para uma situação análoga – ou com base na existência de uma norma de isenção para uma situação análoga”; por outro lado, chama a atenção para uma pretensa “aporia” (mas sem se lhe dar o nome), decorrente da ressalva “quando este Código disponha diferentemente”, que na norma de delimitação negativa de incidência do artigo 13º do Código do IRS se faz: é que “a invocação da inconstitucionalidade (...) da alínea b) do artigo 11º (...) com fundamento numa alegada indevida inclusão das pensões de preço de sangue obsta a que se invoque, ao mesmo tempo, a prevalência de uma norma de isenção que supõe a inexistência dessa inclusão”.

  4. - Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal, nos termos do artigo 63º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação maioritária do Tribunal, cumpre proceder à prolação do correspondente acórdão e decisão .

    II Questões prévias

  5. - Delimitação do objecto do pedido - Indicou-se acima como objecto do pedido a norma do artigo 11º, nº 1, alínea (então) b), do Código do IRS, na parte em que determina a incidência desse imposto sobre as "pensões de preço de sangue".

    Ora, a verdade é que o Provedor de Justiça não o delimita exacta e expressamente nesses termos, referindo-se antes – de modo que comporta alguma ambiguidade – à “parte da norma de incidência que está contida na alínea b) do nº 1 do [dito] art. 11º” (assim, nas conclusões, e, de modo quase igual, na “abertura” do seu requerimento). E a isso acresce poder dizer-se que o alcance de um dos fundamentos da inconstitucionalidade invocados pelo requerente – o relativo ao princípio da legalidade tributária – vai virtualmente além desse segmento normativo da mesma alínea b).

    Por outro lado, o diploma legal – o Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro, no momento do pedido, e o Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro, hoje – que prevê e regula a atribuição das “pensões de preço de sangue” abrange igualmente as "pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País", estabelecendo um regime em grande parte comum a ambos os tipos de pensões, e atribuindo-lhes (dir-se-á) uma natureza em quase tudo semelhante. E o facto é que o requerimento inicial contém referências a disposições daquele primeiro diploma aplicáveis a ambos os tipos de pensões.

    Pesem estas considerações (e a argumentação ex adverso que a partir delas se poderia pretender extrair), entende-se que o objecto do pedido e, portanto, da apreciação do Tribunal não pode deixar de ser fixado senão nos termos precisamente indicados: ou seja, o pedido do requerente deverá ser interpretado como incidindo sobre a referida disposição do Código do IRS na parte em que determina a incidência deste imposto sobre (apenas) as "pensões de preço de sangue" [não devendo alargar-se, seja a toda a (então) alínea b) do artigo 11º do Código do IRS, seja, em todo o caso, à presumível abrangência, por esse preceito, das restantes pensões regidas pelo Decreto-Lei n º 404/82 e, agora, pelo Decreto-Lei nº 466/99]: é que a essas considerações sempre sobrelevará o sentido geral do requerimento do Provedor de Justiça, o qual é absolutamente inequívoco quanto a que se pretende pôr em causa tão-só a tributação em IRS daspensões de preço de sangue. O entendimento expresso na resposta do Primeiro-Ministro não parece, aliás, ter sido outro. É, pois, de harmonia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 08766/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Março de 2013
    • Portugal
    • 21 Marzo 2013
    ...falecimento em serviço público, que deve cobrir os danos causados decorrentes dessa perda de remuneração pela família da vítima. (Vd. Ac. TC nº 308/2001 de 3/7 e ac. Do STA de 14 de Fevereiro de 2002 (JSTA00057313) 6º A natureza reparadora da pensão é, pois, hoje consensualmente aceite na J......
1 sentencias
  • Acórdão nº 08766/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Março de 2013
    • Portugal
    • 21 Marzo 2013
    ...falecimento em serviço público, que deve cobrir os danos causados decorrentes dessa perda de remuneração pela família da vítima. (Vd. Ac. TC nº 308/2001 de 3/7 e ac. Do STA de 14 de Fevereiro de 2002 (JSTA00057313) 6º A natureza reparadora da pensão é, pois, hoje consensualmente aceite na J......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT