Acórdão nº 309/01 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Julho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução03 de Julho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 Nº 309/01

Proc. nº 59/00

TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

1 – Relatório

O Provedor de Justiça vem requerer ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 2, alínea d) da Constituição da República Portuguesa, a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das normas contidas no artigo 22º do Estatuto das Instituições Privadas de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 519-G2/79 de 29 de Dezembro (de ora em diante apenas referido como Estatuto de 79) que, segundo o requerente, violam as normas contidas nos artigos 2º, 13º e 18º, nº 2, da Constituição.

Alega, como fundamentos do seu pedido, em síntese, o seguinte:

- Os arrendamentos em que são arrendatárias as instituições particulares de solidariedade social (nova designação dada pelo Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro) constituem, de acordo com o disposto no artigo 3º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, arrendamentos de fim não especificado ou arrendamentos para outros fins

- A sujeição dos arrendamentos feitos pelas IPSS para o exercício das suas actividades ao regime dos arrendamentos habitacionais, operada pelo artigo 22º do Estatuto de 79, determinou, numa primeira fase, o congelamento das rendas em questão, em virtude da suspensão, quanto aos arrendamentos habitacionais, do regime de avaliações fiscais instituído pela Lei nº 2030, de 22/6/48, relativo à actualização quinquenal da renda.

- Determinou, depois, a impossibilidade de os respectivos senhorios requererem a avaliação fiscal extraordinária e de actualizarem a renda anualmente, a partir do valor locatício apurado, nos termos dos Decretos-Lei nºs 330/81, de 4 de Dezembro, 189/92, de 17 de Maio, 392/82, de 18 de Setembro e 436/83, de 19 de Fevereiro.

- Determinou, ainda, a actualização anual das rendas segundo coeficientes sensivelmente inferiores aos vigentes relativamente aos arrendamentos para outros fins, situação que se mantém até à data do pedido.

- O melhor tratamento concedido ao arrendatário, em confronto com o senhorio revela-se, também, no domínio da fixação da própria renda, comparando o regime aplicável aos arrendamentos habitacionais com o regime aplicável aos arrendamentos para outros fins (cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 445/74, de 12 de Setembro que qualificou como infracção criminal a estipulação de renda superior à praticada)

- Os nºs 2 e 4 do artigo 22º do Estatuto de 79 privam o senhorio de meios de cessação do contrato de arrendamento – se o legislador não tivesse consagrado a transmissão a que se reporta aquele nº 2 o senhorio poderia resolver o contrato em caso de cessação da posição contratual não consentida, sendo o cessionário IPSS ou serviço oficial de segurança social – consubstanciando limitações ao direito de resolução e ao direito de denúncia do contrato.

- Sendo certo que existem razões objectivas, alicerçadas em princípios e valores constitucionais, que justificam o tratamento de favor confere às IPSS – estas prosseguem fins de interesse público, de modo desinteressado – a verdade é que esse regime de favor foi, no caso, instituído à custa da imposição de um encargo especial aos senhorios.

- O encargo especial sobre determinado grupo de cidadãos para beneficiar especialmente um outro grupo só deve ser imposto pelo legislador quando esse for o único meio de que dispõe para poder dispensar o tratamento de favor que pretende instituir.

- O objectivo de poupar as IPSS a aumentos sensíveis das despesas de renda das suas habitações poderia ser conseguido mediante a instituição de um esquema de subsídios, tal como se fez em matéria de arrendamento para habitação quanto aos inquilinos mais pobres.

- Se nos arrendamentos outorgados após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 519-G2/79, o senhorio celebra o contrato consciente da aplicabilidade do regime previsto naquele diploma, já nos anteriores os senhorios vêem sujeitos os contratos a um estatuto diferente do previsto, com uma modificação substancial quanto ao sistema de actualização de rendas, a eles desfavorável, maxime se confrontado com aquele a que continuaram sujeitos os arrendamentos idênticos celebrados com inquilinos que não sejam IPSS.

- Atenta a sua imprevisibilidade, esta medida legislativa viola os princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição).

- Passando os arrendamentos às IPSS de não habitacionais a habitacionais, são as próprias linhas mestras da evolução do seu regime legal que se alteram, os interesses e forças em conflito que passam a ser outros, desaparecendo as já de si escassas possibilidades de prever e influenciar minimamente a evolução desse regime legal.

- Mesmo que não se entenda que o artigo 22º do Estatuto de 79, na sua dimensão retroactiva, não viola o princípio da confiança, ele colocou numa situação de desfavor, assente numa categoria meramente subjectiva, certos senhorios, de entre os que haviam celebrado contratos para fins não habitacionais, de forma discriminatória, colocando-os naquela situação sem fundamento material bastante, o que constitui uma diferenciação irrazoável e arbitrária que afronta o princípio da igualdade – a lei estabelece um tratamento diferenciado injustificado, enquanto viola os princípios da proporcionalidade e da justiça.

- Estando em causa a concessão de um tratamento de favor a instituições que prosseguem as suas atribuições em benefício da comunidade e consequente imposição de um encargo especial a um determinado grupo de cidadãos, deveria este ser compensado, tal como o exige uma proporcionada repartição dos encargos públicos entre os cidadãos, postulada pelo princípio da igualdade perante esse encargos.

- Ao optar pela lesão dos direitos patrimoniais dos senhorios em vez do recurso à subsidiação das IPSS inquilinas, o legislador não respeitou os princípios da proporcionalidade e necessidade que devem reger, segundo o artigo 18º nº 2 da Constituição, as restrições de direitos, liberdades e garantias, devendo os direitos patrimoniais (artigo 62º da Constituição) beneficiar do regime do referido artigo 18º.

Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º nº 3 da Lei nº 28/82, o Primeiro--Ministro respondeu, sustentando, em síntese, o seguinte:

- Ao determinar a aplicação do regime dos arrendamentos para habitação aos arrendamentos em favor de IPSS, o legislador ordinário limitou-se a optar – de entre os sub-regimes básicos do arrendamento urbano, o do arrendamento para habitação e o do arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal – por um regime (o do arrendamento para habitação) que tem plena justificação na natureza, no tipo de actividades e nos fins das IPSS, não violando os princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da necessidade das restrições de direitos, liberdades e garantias, tendo o Tribunal Constitucional já reconhecido a não inconstitucionalidade do regime em causa no Acórdão nº 50/88, de 3 de Março de 1988.

- A natureza, os objectivos e as actividades das IPSS justificam uma regulamentação e protecção, desde a atribuição da natureza de instituições de utilidade pública, adquirida automaticamente, até exigências de forma, de fundo, de gestão e de tutela nas regras respectivas e a uma cooperação intensa e apoio por parte do Estado e das entidades públicas que se traduz em importantes comparticipações financeiras nos investimentos e no funcionamento e pelo reconhecimento de relevante intervenção no domínio de direitos muito importantes dos utentes.

- A questão meramente formal da colocação sistemática do tipo de arrendamento em causa não detém virtualidades de limitar a respectiva regulamentação possível em termos de a mesma ser igual para todos, pois ali se contém uma variedade de situações que reclamam, por isso mesmo, regulamentações diversificadas.

- Não contendo o RAU mais do que regulamentação por remissão para o arrendamento “para outros fins não habitacionais”, estando ele assim sujeito às regras gerais do arrendamento, a regras por que as partes podem optar e a regras para cada situação que a lei determine, nada mais do que isto o artigo 22º do Estatuto de 79 fez quando remeteu para as regras do arrendamento para habitação.

- Privilegiando o legislador, na regulamentação do arrendamento para habitação, em alguns aspectos, a posição do inquilino, em desfavor do senhorio, também o fez, e bem, concedendo protecção semelhante, não propriamente às IPSS mas àqueles que são seus utentes e beneficiários da sua actividade.

- Através da protecção às IPSS, o que se protege são os seus beneficiários – idosos, crianças, jovens, doentes, deficientes – sendo que, muitas vezes é da habitação propriamente dita dessas pessoas que se trata.

- Também no arrendamento para habitação há um certo grau de desprotecção do senhorio em função dos interesses vitais dos arrendatários, podendo também aí o Estado assumir os custos de tal protecção, mas tanto neste caso como no do arrendamento às IPSS se o Estado assume alguma medida de protecção, também projecta, em alguma medida a protecção em sacrifício exigido ao senhorio.

- Os nºs 2 a 4 do artigo 22º em causa são medidas que têm em conta circunstâncias que dizem especificamente respeito às IPSS.

- A transmissão do arrendamento justifica-se por ser o Estado ou uma outra IPSS que assumirá no mesmo local as mesmas funções ou funções semelhantes em benefício dos mesmos utentes ou de utentes em situações semelhantes, continuando a privilegiar-se a situação destes face à situação do senhorio, sendo certo que também o trespasse de estabelecimento comercial ou industrial (artigo 115º do RAU) ou a cessão de posição de arrendatário em caso de exercício de profissão liberal (artigo 122º do RAU) se podem...

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