Acórdão nº 423/01 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Outubro de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução09 de Outubro de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 Nº 423/01

Proc. nº 774/99

Plenário

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. O pedido

    O Provedor de Justiça, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281º, nº 2, alínea d), da Constituição, veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro (Reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade), e do artigo 1º do Decreto-Lei nº 319/84, de 1 de Outubro (Torna extensíveis as disposições do Decreto-Lei nº 43/76 aos cidadãos portugueses que, como elementos pertencentes a corporações de segurança e similares ou como civis, colaborando em operações militares de apoio às Forças Armadas nos antigos territórios do ultramar, adquiriram uma diminuição da capacidade geral de ganho em resultado de acidente), na parte em que reservam a nacionais portugueses a qualificação como deficiente das Forças Armadas ou equiparado.

    Estas normas dispõem o seguinte:

    Decreto-Lei nº 43/76

    Artigo 1º, nº 1

    O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social.

    Decreto-Lei nº 319/84

    Artigo 1º

    Aos cidadãos portugueses que como elementos pertencentes a corporações de segurança e similares ou como civis, colaborando em operações militares de apoio às Forças Armadas nos antigos territórios do ultramar, adquiriram uma diminuição da capacidade geral de ganho em resultado de acidente ocorrido nas condições definidas nos artigos e do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, é reconhecido o direito à percepção de uma pensão de invalidez, bem como ao gozo dos direitos e regalias constantes das disposições aplicáveis dos artigos 4º, 5º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º do mesmo diploma.

  2. Fundamentos do pedido

    O Provedor de Justiça impugna a constitucionalidade das normas atrás referidas com fundamento em violação dos artigos 13º e 15º da CR, com o seguinte fundamento:

    - o nº 1 do artigo 15º da Lei Fundamental consagra o princípio da equiparação de direitos dos estrangeiros e dos apátridas que se encontrem ou residam em Portugal relativamente aos cidadãos portugueses, sendo um reflexo dos princípios da universalidade e igualdade constitucionalmente consagrados (artigos 12º e 13º) e enformadores de todo o regime dos direitos fundamentais;

    - a atribuição da posição jurídica de deficiente das Forças Armadas não pode ser enquadrada nas excepções ao princípio da equiparação entre nacionais e estrangeiros previsto no artigo 15º da CR: não é um direito político e não corresponde ao exercício de funções públicas destituídas de carácter predominantemente técnico;

    - a CRP admite, é certo, a intervenção do legislador no sentido de reservar aos cidadãos portugueses o gozo de certos direitos; mas essa restrição não pode escapar ao quadro geral das restrições aos direitos fundamentais;

    - por outro lado, de harmonia com o princípio da igualdade, são proibidas quaisquer discriminações constitucionalmente ilegítimas, devendo qualquer diferenciação de tratamento ser razoavelmente fundada e visar a protecção de um valor ou interesse constitucionalmente relevante;

    - no caso em apreço, está em causa a atribuição de um determinado estatuto [de deficiente das Forças Armadas], consistindo num conjunto de posições jurídicas de natureza assistencial, entre os quais avulta o pagamento de determinada pensão - trata-se da reparação por parte do Estado das consequências de lesões irreversíveis que alguns cidadãos portugueses, que o eram então todos, sofreram ao seu serviço, em situação de risco extremo como é a guerra;

    - em face da natureza do estatuto de deficiente das Forças Armadas, a diferenciação de tratamento entre os nacionais portugueses e os não-nacionais prevista nas normas sub judicio configura uma diferenciação discriminatória por restringir com base na cidadania o acesso à reparação dos danos sofridos ao serviço do Estado português;

    - deste modo, verifica-se uma violação do princípio da igualdade, que não pode ser justificada pela exigência da manutenção da nacionalidade portuguesa: a manutenção da nacionalidade não é um critério material suficiente e idóneo para, no quadro das valorações constitucionais, definir quem tem ou não direito ao tipo de reparação atribuído pelo estatuto de deficiente das Forças Armadas;

    - qualquer invocação da ideia de Pátria como tentativa de explicação da restrição a cidadãos nacionais da reparação da deficiência como consequência do cumprimento de serviço militar, este sim limitado a cidadãos nacionais, claudica quando pretende grosseiramente ignorar que o facto justificativo da reparação não é a prestação de qualquer serviço posterior ao facto originador da deficiência mas sim este mesmo facto - ora, durante as campanhas do ultramar todos os militares eram cidadãos portugueses e nessa qualidade lhes foi pedido pelo Estado português o seu contributo para o esforço de guerra;

    - para mais, na larga maioria se não totalidade dos casos, a perda de nacionalidade portuguesa ocorreu ope legis e não ope voluntatis, em virtude da independência das ex-colónias e em aplicação do regime do Decreto-Lei nº 308-A/75, de 24 de Junho;

    - em conclusão, a restrição aos cidadãos portugueses do estatuto de deficiente das Forças Armadas, prevista no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, viola o disposto nos artigos 13º e 15º da CR;

    - o mesmo tipo de considerações vale, mutatis mutandis, para a norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 319/84, de 1 de Outubro, neste caso no âmbito do pessoal das forças de segurança e dos civis.

  3. Resposta do órgão autor da norma

    Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro veio responder do seguinte modo:

    - o conjunto de posições jurídicas de garantia social vertidas no estatuto dos deficientes das Forças Armadas deve ser analisado à luz do princípio constitucional do nº 7 do artigo 276º da CRP, segundo o qual nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua colocação, nos seus benefícios ou no seu emprego permanente por virtude do cumprimento do serviço militar, a que corresponde a garantia de segurança no emprego, a garantia dos direitos adquiridos e a garantia do direito a retomar as funções exercidas à data da chamada ao cumprimento do serviço militar;

    - um dos objectivos primordiais do Decreto-Lei nº 43/76 (que designa como Estatuto dos Deficientes das Forças Armadas – EDFA) é a reabilitação dos deficientes militares, que consiste no desenvolvimento e completo aproveitamento das capacidades restantes do deficiente e é continuada até que seja recuperado o máximo possível de eficiência física, mental e vocacional, com o fim de obter, por meio de trabalho remunerado, a melhor posição económica e social possível para o militar (artigo 4º, nº 1, do EDFA);

    - por outro lado, os deficientes das Forças Armadas são militares que poderão exercer, após a reabilitação médica, o direito de opção entre a continuação no serviço activo, a passagem à situação de reforma extraordinária ou à de beneficiário da pensão de invalidez;

    - nesta medida, os deficientes das Forças Armadas não podem deixar de estar sujeitos ao regime constitucional e legal do direito e dever fundamentais de todos os portugueses de defesa da Pátria, em que se integra a prestação do serviço militar - artigo 276º, nºs 1 e 2, da CRP; artigo 1º da Lei nº 174/99, de 21 de Setembro (Lei do Serviço Militar - LSM); e artigo 7º e artigo 9º do Decreto-Lei nº 236/99, de 25 de Junho (Estatuto dos Militares das Forças Armadas - EMFA);

    - há que ter em conta, a este propósito, que as Forças Armadas são constituídas exclusivamente por cidadãos portugueses;

    - sendo inegável e indesmentível a conexão entre a situação jurídica do cidadão qualificado como deficiente das Forças Armadas e a condição de cidadão-militar, podendo até verificar-se o reingresso daquele em lugar das Forças Armadas compatível com o grau da sua incapacidade [ou seja, o deficiente das Forças Armadas pode ser chamado ao desempenho de cargos ou funções nas Forças Armadas que dispensem a plena validez - artigo 7º, nº 1, alínea a)1) do EDFA], logo segue-se que a reserva legal de cidadania portuguesa no acesso à primeira possui credencial constitucional suficiente na reserva constitucional do direito e dever fundamental de defesa da Pátria e do direito fundamental de prestar serviço no quadro das Forças Armadas;

    - em nome da independência e da soberania nacionais, e do princípio democrático, a Constituição reserva aos cidadãos portugueses a participação nas Forças Armadas, pelo que a lei não poderia defraudar tal prescrição constitucional, concedendo aos não nacionais a outorga de um estatuto - o de deficiente das Forças Armadas - que pressupõe ou possibilita o (re)ingresso nas fileiras (activas) das Forças Armadas;

    - acresce que o deficiente das Forças Armadas é titular de um conjunto de direitos e deveres próprios da condição militar (artigos 9º a 25º do EMFA), de que se destaca a sujeição ao comando hierárquico (artigo 26º do EMFA), podendo até ser investido em posições de chefia ou comando [cf. artigo 7º, nº 1, a)1) do EDFA e artigo 10º do EMFA), o que significa que tal estatuto consagra, por opção do particular, a faculdade de acesso a funções públicas que implicam o exercício de poderes de autoridade;

    - bem se compreende, pois, a subsunção do EDFA ao regime constitucional de proibição do acesso de estrangeiros e apátridas a funções públicas que impliquem o exercício de poderes de autoridade - artigo 15º, nº 2, segundo segmento...

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