Acórdão nº 41/00 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Janeiro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução26 de Janeiro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 41/00

Proc. nº 481/97

  1. Secção

Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:

A - RELATÓRIO

1. Por despacho de 3 de Fevereiro de 1997, o Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca da Guarda deduziu acusação contra A. C. e outros, sendo o primeiro acusado da prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido pelo artigo 16º, nº 1, alíneas a) e b) da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, com referência ao disposto no artigo 26º, nº 7, alíneas a) e b) do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 2º e 17º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, e 4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 371/83, de 6 de Outubro.

Requereu o Ministério Público, desde logo, que fossem aplicadas ao arguido A. C. as medidas de coacção consistentes na prestação de caução no montante de 20.000.000$00, suspensão do exercício das funções de presidente da câmara, e proibição de se ausentar para o estrangeiro.

Admitida a instrução requerida pelos arguidos, o Mmº Juiz, por despacho de 21 de Março de 1997, impôs ao arguido A. C. a medida de obrigação de prestação de termo de identidade e residência e de prestação de caução no montante de 20.000.000$00, nos termos dos artigos 193º e 197º do Código de Pocesso Penal, além da obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, nos termos do artigo 200º, nº 1, alínea b), do CPP; e, por fim, considerando que os crimes indiciados teriam sido praticados no exercício das funções de presidente da Câmara Municipal de ..., ou por causa desse exercício, ordenou ainda a suspensão dessas mesmas funções pelo arguido, nos termos do disposto nos artigos 193º, 194º e 199º, nº 1, alínea a), do CPP.

2. O arguido A. C. interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra. Na respectiva motivação, suscitou a questão de inconstitucionalidade do artigo 199º do CPP, por violação dos artigos 120º e 121º da Constituição e formulou as seguintes conclusões:

C - Em concreto, o problema reside em saber se o conceito de "função pública", inserto no art. 199º do CPP, comporta ou não o cargo de presidente da câmara municipal.

D - "Uma das categorias integrantes da noção constitucional de cargos públicos são os cargos políticos (CRP, arts 120º e 121º) normalmente de carácter electivo, entre os quais se contam naturalmente os titulares dos órgãos do poder local, como expressamente decorre do art. 121º da CRP.

E - Revisto o elenco dos cargos políticos e tomando como referência os exemplos das Leis 4/83, de 2-4, e 34/87, de 16-7, e a Constituição (art. 249º), a conclusão a tirar é segura: à face da Constituição, o posto de Presidente da Câmara Municipal constitui um cargo político e não uma função pública (sublinhado dos signatários).

F - Também à face do direito penal não pode deixar de se estabelecer uma clara distinção conceitual entre as figuras da função pública e funcionário público, por um lado, e cargo político e titular de cargo político. O cargo de presidente da câmara municipal cabe indubitavelmente na categoria dos titulares de cargos políticos (assim expressamente o art. 3º da lei n.º 34/87); está por isso excluído do conceito de funcionário público, por mais abrangentemente que este fosse definido.

Por isso, as disposições penais respeitantes aos funcionários públicos não se aplicam, salvo equiparação expressa, aos titulares dos cargos políticos" (sublinhado dos signatários).

G - «O Juiz não pode aplicar aos arguidos titulares de cargos políticos, de natureza electiva ou não, a suspensão de funções com fundamento em que a sua condenação implica perda do cargo ou demissão»

H - Além de que na situação sub judice não pode aplicar-se por analogia uma medida de coacção aplicável a funcionário público. Acresce que a suspensão do exercício de um cargo político não é equiparável à suspensão do exercício da função pública.

I - À face da Constituição, o posto de presidente da câmara municipal constitui um cargo político e não uma função pública pelo que tal cargo não pode ser incluído no conceito de função pública utilizado no art. 199º do CPP.

J - Porque o despacho recorrido inclui em tal conceito o cargo de presidente da câmara ordenando a suspensão do respectivo mandato como medida coactiva viola o disposto nos arts 120º e 121º da CRP e art. 199º do CPP, por tal interpretação não ser conforme à Constituição nem aos indicados conceitos e normas.

K - A inconstitucionalidade da norma do art. 199º do CPP resulta da violação expressa dos arts 120º e 121º da CRP, e ainda da interpretação analógica (que os princípios da legalidade e da tipicidade proíbem) de que o despacho recorrido se socorre na aplicação de tal dispositivo.

E juntou aos autos parecer do Prof. Vital Moreira, no qual este jurista formulou as seguintes conclusões:

1ª - O art. 199º do CPP só permite a suspensão do exercício de funções públicas;

2ª - No nosso direito (constitucional, administrativo, penal) existe uma clara distinção entre o exercício de funções públicas e o exercício de cargos políticos;

3ª - Em especial o art. 386ª do Código Penal, apesar do conceito amplo de funcionário público, que é tradicional no direito penal, exclui explicitamente os titulares de «funções políticas»;

4ª - De resto, a responsabilidade penal dos titulares de cargos políticos enquanto tais encontra-se regulada numa lei especial, a Lei n.º 34/87, de 16-7, pelo que não se verifica nenhuma equiparação deles aos funcionários públicos;

5ª - Os membros dos órgãos autárquicos são naturalmente titulares de cargos políticos, como de resto decorre da referida Lei n.º 34/87, uma entre várias outras que definem o estatuto jurídico especifico dos titulares de cargos políticos;

6ª - Desse modo, os presidentes da câmara municipal não podem ser suspensos das suas funções autárquicas, por falta de credencial legal para essa grave medida de coacção;

7ª - De resto, essa solução é tudo menos incongruente ou injustificável, estando a sua ratio legis na preocupação de proteger o titulares de cargos políticos perante medidas cautelares, que podem prejudicar irremediavelmente o cumprimento do mandato popular.

3. Na sua resposta àquela motivação de recurso, o Ministério Público concluiu pela não inconstitucionalidade da norma em causa e pela sua plena aplicabilidade ao caso. Aí afirmou:

É o próprio art.º 120º da Lei Constitucional que nos diz responderem, os titulares de cargos políticos, civil e criminalmente em conformidade com o que a lei ordinária dispuser e determinar.

Ora,

Como vimos, a lei ordinária -"maxime" os artºs 191º e segts do C. P. Penal; 66º, 67º, 69º e 437º do C. Penal de 1982; 66º, 67º e 386º do C. Penal, na revisão de 1995 e 32º da Lei 34/87, de 16 Julho – dispunha e determinava, dispõe e determina, consoante as situações e verificados os respectivos pressupostos, a aplicação das leis do processo penal, nomeadamente no que tange às medidas de coacção, aos titulares de cargos políticos.

De modo que,

A medida coactiva de suspensão do exercício de funções a que alude o artº 199º nº 1 al. a) do C. P. Penal aplicada ao arguido, "porque a interdição do exercício respectivo" pode vir a ser "decretada como efeito do crime imputado", é legal – nota 2 do citado artº, in Código de Processo Penal, Anotado, 3ª edição de 1990, pág. 296, do Exmo Conselheiro Maia Gonçalves.

Já na Relação de Coimbra, o Ministério Público elaborou parecer no sentido do improvimento do recurso.

4. Por acórdão de 25 de Junho de 1997, a Relação negou provimento ao recurso. Entendeu-se nesse aresto, e no que ao conceito de funcionário público concerne, distinguindo-o nomeadamente do conceito de agente administrativo, o seguinte:

Ao utilizar o conceito de organização do poder político (em vez do conceito tradicional de organização do Estado) e ao abranger nele realidades como os Tribunais, as Forças Armadas e a Administração Pública, a Constituição quer significar que a parte organizatória é globalmente a organização em sentido amplo o que implica a)-abandono da tradicional concepção restrita da Constituição como estatuto jurídico formal do Estado instituição ou Estado pessoa colectiva b)-Transferência para a esfera política, constitucionalmente relevante de aparelhos de Estado tradicionalmente relegados para o domínio extraconstitucional (v. g. Administração Pública; forças de segurança).

É nessa perspectiva, e em termos constitucionais, que a parte organizatória não regula apenas a organização do político, mesmo no sentido amplo que se acaba de assinalar. A organização do Estado-colectividade engloba vários domínios da vida social hoje em dia considerados como reentrantes no âmbito do público. É o caso de grupos e associações que além de constituírem formas de auto-organização da própria sociedade projectam a sua relevância na organização constitucional da poder político. Situando-se num plano intermédio entre o Estado e a sociedade várias organizações encontram guarida na parte organizatória da Constituição.

O sentido constitucional desta concepção extensa da organização do poder político – ordem global do público e do político – é uma nova manifestação da tentativa de conferir maior transferência constitucional ao sistema político real (Vital Moreira e G. Canotilho Fundamentos da Constituição pág. 179 e seg.)

*

Por seu turno a definição constitucional do conceito de função pública suscitou alguns problemas dada a diversidade de sentido com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos...

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