Acórdão nº 410/00 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Outubro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução03 de Outubro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 410/00

Processo nº 364/99

  1. Secção/Plenário

Rel. Cons. Tavares da Costa

(Cons. Messias Bento)

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I

1. - J..., na qualidade de dono e legítimo possuidor de três prédios urbanos, identificados nos autos, sitos na freguesia e concelho da Póvoa do Varzim, submeteu a apreciação e aprovação da respectiva Câmara Municipal um projecto de construção de um edifício com rés do chão e três andares, destinado a habitação, escritórios e comércio, a emergir na área de implantação daqueles imóveis, após demolição destes, sendo-lhe, em consequência, concedido alvará de licença de construção, condicionada ao prévio pagamento de uma taxa especial, referente à área total dos pisos, no valor de 671.210$00, de uma taxa especial, respeitante à demolição a efectuar, no valor de 44.640$00, e da taxa municipal de urbanização, no montante de 9.277.000$00, tudo ascendendo a 9.992.850$00.

O interessado recorreu contenciosamente do respectivo acto administrativo para o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, defendendo que o mesmo padece de nulidade absoluta, por vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

Pormenorizando, o acto em causa seria absolutamente nulo por violação do disposto no nº 1 do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, na alínea b) da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, na alínea c) do nº 1 do artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e no artigo 133º, nºs. 1 e 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo (CPA); seria ainda, absolutamente nulo por ser praticado a coberto de uma norma, a da alínea a) do artigo 3º do Regulamento Municipal da Taxa de Urbanização, norma ilegal, por violar o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 11º daquela Lei nº 1/87 e no artigo 32º do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei nº 302/94, de 11 de Dezembro – que seria alterado, por ratificação, pelo artigo 1º da Lei nº 26/96, de 1 de Agosto -, e as normas respeitantes ao lançamento de impostos, designadamente o artigo 1º, nº 1, da citada Lei nº 1/87, como decorre do preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84 e o artigo 133º, alínea b), do CPA; e, finalmente, seria inconstitucional, por violar o disposto no nº 2 do artigo 106º e na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República (CR).

O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por sentença de 25 de Janeiro de 1999 (1º Juízo), julgou a impugnação procedente porque provada e, em consequência, anulou a liquidação das taxas acima identificadas.

No que ora releva, a decisão proferida não aplicou o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim por o entender inconstitucional, formal e organicamente, considerando, respectivamente, o disposto nos artigos 115º, nº 7, e 168º, nº 1, alínea i), da CR – no texto oriundo da revisão constitucional levada a efeito pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.

2.1. - O magistrado do Ministério Público competente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do assim decidido, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento (como posteriormente se explicitou) em inconstitucionalidade formal e orgânica, decorrente da violação dos artigos 115º, nº 7, 106º, nºs. 2 e 3, e 168º, alínea i) – aliás, 168º, nº 1, alínea i) - da Lei Fundamental, pelas normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do indicado Regulamento, uma vez que se considerou que, para além de tal regulamento não indicar a respectiva lei habilitante, a «taxa de urbanização aí estabelecida a favor do município reveste a natureza de imposto, estando consequentemente subordinada aos imperativos da "Constituição fiscal".

2.2. - Neste Tribunal, apenas alegou a entidade recorrente, que formulou as seguintes conclusões:

"1º - Constando expressamente do preâmbulo ou introdução do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim referência à lei habilitante, surgindo a edição de tal regulamento fundada na alínea a) do nº 2 do artigo 39º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e na alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, não ocorre a inconstitucionalidade formal de tal regulamento, por falta de menção ou indicação da respectiva lei habilitante.

  1. - Como se decidiu no acórdão nº 639/95 do Plenário deste Tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra-estruturas urbanísticas que visem facultar aos munícipes a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.

  2. - Tais receitas – independentemente do modo ‘presumido’ como são calculadas, com base em indícios estabelecidos em regulamento – têm natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como ‘impostos’, cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.

  3. - A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas.

  4. - Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Juntou-se certidão do texto integral do Regulamento em causa, tal como foi publicitado no respectivo edital.

Apresentou-se projecto de acórdão que, submetido à intervenção do Plenário, nos termos do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, não obteve vencimento, pelo que ocorreu mudança de relator.

Decidindo.

II

1. - O objecto do presente recurso de fiscalização concreta consiste na apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim, na versão em vigor na data da liquidação impugnada, do seguinte teor:

"Artigo 1º

(Conceito)

Constitui Taxa Municipal de Urbanização, a seguir designada por Taxa de Urbanização, a compensação devida ao Município pela realização de infraestruturas urbanísticas na área do Concelho da Póvoa de Varzim.

Artigo 2º

(Infraestruturas Urbanísticas)

Consideram-se infraestruturas urbanísticas para efeito deste Regulamento:

  1. A execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nele se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos;

  2. A execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins;

  3. A construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores;

  4. A construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas;

  5. A execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EN, bem como respeitantes à iluminação pública;

  6. A recolha e tratamento de lixo;

  7. Aquisição de terrenos para equipamentos.

    Artigo 3º

    (Âmbito de Aplicação)

    1. Estão sujeitos à Taxa de Urbanização, nos termos do presente Regulamento:

  8. As obras de construção ou ampliação de edifícios;

  9. As obras de reconstrução, quando determinem qualquer alteração estrutural do edifício primitivo e que não consista no simples cumprimento do RGEU e demais legislação aplicável.

    1. A Taxa de Urbanização não substitui a cobrança de outros encargos de âmbito municipal, sujeitos a regime próprio, designadamente os referentes a taxas ou tarifas relacionadas com ligação à rede de esgotos e a sua conservação bem como de outros relativos a reembolsos com a execução de ramais de água e de saneamento."

      De acordo com estas normas, estão sujeitas à taxa de urbanização as obras de construção e ampliação de edifícios, bem como as de reconstrução, quando determinam qualquer alteração estrutural do edifício primitivo e que não consistam no simples incumprimento do RGEU e demais legislação aplicável. Essa taxa, de montante calculado nos termos do artigo 5º do Regulamento, é cobrada no momento da emissão do alvará de licença de construção, de acordo com o artigo 7º deste diploma.

      Prevê-se a possibilidade do pagamento em prestações do montante da taxa, se este for superior a 2.500 contos (artigo 8º), havendo apenas lugar a cobrança adicional, se a construção exceder a área sobre a qual foi calculada a taxa, no caso de a construção se fazer em lote titulado por alvará de loteamento passado há pelo menos 5 anos, tendo-se cobrado, então, taxa de urbanização (artigo 4º).

      2. - A questão de inconstitucionalidade formal

      2.1. - Nos termos do nº 7 do artigo 115º da Constituição – na versão resultante da Revisão Constitucional de 1989, à qual corresponde hoje o nº 8 do artigo 112º - "os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão".

      A norma constitucional exprime, assim, o princípio da precedência ou da primariedade da lei, que Gomes Canotilho considera um dos instrumentos utilizados pela Constituição "para restringir o amplo grau de liberdade de conformação normativa da administração, pouco compatível com um Estado de direito democrático" (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1ª edição, Coimbra, 1998, pág. 734).

      A exigência de indicação da lei habilitante visa não só disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, mas também, como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantir "a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevantes à luz da principiologia do Estado de direito democrático" (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág. 516).

      Este dever de citação deve ser...

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