Acórdão nº 436/00 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Outubro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução17 de Outubro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 436/00

Processo nº 309/95

Plenário

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I

1. - Um grupo de Deputados à Assembleia da República requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do nº 1 e da alínea f) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República (CR), e do nº 1 do artigo 51º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas "da alínea d) do nº 2 do artigo 36º e (d)os artigos 80º, 82º e 138º a 143º do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, que reformula a Lei do Jogo e altera o Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro", com o fundamento na "violação do disposto nos artigos 13º, 26º, nº 2, 27º, 53º e nº 1 e nº 3 do artigo 58º, 59º e alínea d) do nº 1, nº 2 e nº 3 do artigo 168º, todos da Constituição da República Portuguesa".

Na verdade, e mais correctamente, o que se pretende é obter a declaração de inconstitucionalidade das aludidas normas que, no entanto, integram o Decreto-Lei nº 422/89 – conhecido por Lei do Jogo –, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 10/95.

2. - Dispõem essas normas como segue:

Artigo 36º

(Restrições de acesso)

1 - ...

2 - Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogo, designadamente, aos indivíduos:

-----------------------

  1. Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço.

    Artigo 80º

    (Outros empregados que prestam serviço nas salas de jogos)

    1- Sem que façam parte dos quadros das salas de jogos, a solicitação das concessionárias, poderá a Inspecção Geral de Jogos autorizar a admissão nas mesmas salas de outros empregados, sejam ou não da concessionária, que ali assegurem a execução de tarefas necessárias.

    2- A Inspecção Geral de Jogos poderá revogar a autorização concedida ao abrigo do número anterior quando se torne inconveniente a presença daquele pessoal nas referidas salas.

    Artigo 82º

    (Deveres dos empregados que prestam serviço nas salas de jogos)

    Todos os empregados que prestam serviço nas salas de jogo são especialmente obrigados a:

    ......................

  2. Cuidar da sua boa apresentação pessoal e usar, quando em serviço, o trajo aprovado pela concessionária, o qual, com excepção de um pequeno bolso exterior de peito, não poderá ter qualquer bolso.

    Por sua vez, as normas dos artigos 138º a 143º integram a Secção III – "Contra-ordenações praticadas pelos empregados das concessionárias" – do Capítulo IX do diploma, epigrafado "Ilícitos e sanções".

    Os artigos 138º a 140º definem, como contra-ordenação, a violação, pelos empregados das concessionárias, de deveres que a Lei de Jogo faz impender sobre os mesmos e prevêem as correspondentes coimas e sanções acessórias. São preceitos que respeitam ao incumprimento de normas relativas à exploração prática do jogo (artigo 138º), à violação de outros deveres (artigo 139º), à participação no jogo ou nas receitas do jogo (artigo 140º), a empréstimos (artigo 141º), à posse ilegal de valores e à solicitação de gratificações (artigo 142º), e, finalmente, à sanção acessória de interdição temporária do exercício da profissão (artigo 143º).

    3. - Os requerentes fundamentam do seguinte modo o seu pedido:

    a) a alínea d) do nº 2 do artigo 36º do diploma, ao vedar a entrada nas salas de jogos aos empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço (incorrectamente, alude-se a "empregados de concessionários que prestem serviço em salas de jogos"), configura um tratamento discriminatório e injustificado, violando, nessa medida, o "princípio da igualdade e do direito à liberdade individual", consagrado no nº 2 do artigo 27º da Constituição da República (CR);

    b) o artigo 80º, ao permitir uma admissão condicionada às salas de jogos, de empregados que não façam parte dos quadros dessas salas, configura uma forma de recrutamento de pessoal que, dadas as características específicas do trabalho em causa, coloca trabalhadores que executam o mesmo trabalho em situação de desigualdade, quer do ponto de vista de progressão na carreira, quer do salário e até da protecção no emprego, o que se tem por violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º, do direito ao trabalho, no que diz respeito ao disposto nos nºs. 1 e 3 do artigo 58º (na numeração anterior ao texto da última revisão constitucional) e dos direitos dos trabalhadores consignados no artigo 59º, todos da CR;

    c) ainda esta norma "põe em causa" o Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca nos Casinos, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) e aprovado em 27 de Julho de 1973;

    d) a mesma norma (rectius o nº 2 da mesma norma), ao admitir a dispensa de empregados quando se torne inconveniente a sua presença nas salas, configura uma situação de despedimento sem justa causa, violando, como tal, o disposto no artigo 53º da CR;

    e) a norma da alínea c) do artigo 82º, na sua parte final, ao dispor que o trajo profissional dos empregados das salas de jogos não tenham quaisquer bolsos, à excepção de um "pequeno bolso exterior de peito", afecta "a imagem social e fomenta uma suspeição sobre a idoneidade moral desses trabalhadores", o que se representa como violação dos seus direitos pessoais nomeadamente o direito ao bom nome e reputação e o direito à imagem, assim ofendendo o disposto no nº 1 do artigo 26º da CR;

    f) as normas dos artigos 138º a 140º do diploma em referência (integradas na Secção III – Violação dos deveres dos empregados – do Capítulo IX – Ilícitos e sanções), foram aditadas sem credencial parlamentar, de acordo com o disposto na alínea d) do nº 1 e nos nºs. 2 e 3 do artigo 168º da CR (redacção anterior à Quarta Revisão Constitucional).

    Com efeito – alega-se – as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 10/95, modificaram a disciplina então existente para um regime de ilícito contra-ordenacional, muito mais gravoso para os trabalhadores (com a transformação – escreve-se – da violação de determinados deveres dos funcionários das concessionárias "no pagamento de coimas cuja diferença de amplitude entre a máxima e a mínima é enorme"), do mesmo passo que "retiraram" todo o procedimento disciplinar anteriormente previsto, na versão originária do Decreto-Lei nº 422/89, não prevendo outro, mas apenas "coimas".

    Ora, observa-se, este procedimento do legislador governamental, à revelia de autorização legislativa da Assembleia da República, revela-se constitucionalmente desconforme, por ofensa aos citados preceitos do artigo 168º da CR;

    g) Acresce, por último, que sobre esta matéria não foi cumprido o disposto nos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei nº 16/79, de 26 de Maio, nomeadamente no que diz respeito à publicação dos projectos e das propostas de nova legislação laboral e do prazo de apreciação pública dessa matéria laboral.

    4. - O Primeiro-Ministro, notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nada disse.

    Discutido em plenário o memorando apresentado nos termos do nº 1 do artigo 63º deste diploma legal e fixada a orientação do Tribunal, cumpre decidir.

    II

    1. - A questão da constitucionalidade da norma do artigo 36º, nº 2, alínea d), da Lei do Jogo.

    1.1. - Consideram os requerentes que esta norma ofende o "direito à liberdade individual", nos termos acolhidos pelo nº 2 do artigo 27º da Constituição, em conjugação com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º do mesmo diploma.

    Do contexto argumentativo que desenvolvem retira-se que se visa acautelar a dimensão da liberdade individual consubstanciada no direito de livre acesso a um determinado espaço aberto ao público – no direito de "entrar e não entrar" no dito espaço: na sua matriz substantiva, a norma, ao vedar o acesso às salas de jogos dos casinos por parte dos trabalhadores das concessionárias que aí prestam serviço, na medida em que não o estejam a prestar, cerceará a "liberdade individual" dos seus destinatários e integrará o que se qualifica de "tratamento discriminatório e sem razão".

    A formulação irrestrita do direito, tal como o nº 1 do citado artigo 27º o contempla – "todos têm direito à liberdade" – será a sede positiva mais correcta para se aferir o parâmetro de constitucionalidade, em harmonia com o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde se garante o direito de todo o indivíduo à liberdade.

    Certo é que as salas de jogos dos...

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