Acórdão nº 7/99 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução12 de Janeiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº7/99

Proc. nº 403/91

  1. Secção

Relator: Cons.Sousa e Brito

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :

I

RELATóRIO

1. F..., foi - em processo tranmitado ao abrigo do Código de Processo Penal de 1929 (CPP 1929) - pronunciado, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio voluntário, na forma tentada, previsto e punido nos termos da aplicação conjugada dos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal (adiante CP, referindo-se à versão deste anterior ao DL nº 48/95, de 15 de Março), e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 260º CP, conjugado com o artigo 3º nº 1 alínea f) do DL nº 207-A/75, de 17 de Abril.

No julgamento, realizado em processo de querela pelo Colectivo Tribunal da mesma cidade, foi o arguido absolvido relativamente ao crime de detenção de arma proibida, consignando-se quanto ao mais na parte decisória do Acórdão (de fls. 132/134) julgar-se :

" (...) parcialmente procedente e provada a acusação e, consequentemente, como autor material de um crime previsto e punido no artigo 144º nº 2 do Código de Processo Penal de 1929) condena-se o réu (...) na pena de 10 (dez) meses de prisão (...)"

Este trecho decisório do Acórdão é fundado na seguinte passagem da mesma peça processual :

"Os factos provados não integram (...) o crime de homicídio tentado, imputado ao réu, porque se não demonstrou a intenção de matar.

Integram, antes, um crime de ofensas corporais com dolo de perigo previsto e punido no artigo 144º nº 2 e 1 do Código Penal, pois o réu, voluntária e corporalmente, ofendeu o Miguel Fernandes, causando-lhe ferimentos que lhe determinaram dez dias de doença com impossibilidade para o trabalho, usando, para o efeito, a carrinha que conduzia, que, para o efeito, é considerada meio particularmente perigoso, sobretudo quando em movimento, não só pelas suas dimensões como pelo perigo que representa em movimento pelas regras próprias da dinâmica."

Este enquadramento legal correspondeu, na matéria de facto, à resposta de «não provado» aos seguintes quesitos, decorrentes da querela provisória, posteriormente convertida em definitiva e transpostos para a pronúncia :

"-------------------------------------------

  1. - Querendo matar o ofendido, só não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade ?

  2. - Representando, antes, a morte do ofendido como consequência necessária da sua conduta ?

  3. - Ou, pelo menos, como consequência possível da mesma, conformando-se com tal resultado ?

    --------------------------------------------"

    Adicionalmente à factualidade emergente da pronúncia formulou o Tribunal os seguintes dois quesitos, a que respondeu «provado» :

    "-------------------------------------------

  4. O réu quis apenas agredir voluntária e corporalmente o Miguel Fernandes ?

  5. Sabendo que o veículo usado na agressão é um instrumento muito perigoso para o efeito, sobretudo quando em movimento ?

    2. Deste Acórdão interpôs a arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, formulando, com interesse para o presente recurso, as seguintes conclusões :

    "I - O tribunal deu como provada, no quesito 15º, matéria que não constava da acusação nem da defesa e cuja introdução tardia no thema decidendum lhe alterou radicalmente os contornos transferindo o núcleo da factualidade atendível para um domínio tipológico substancialmente diferente do constante da pronúncia.

    II - Tal não é compatível com o princípio da vinculação temática que ilumina o processo penal, nem cabe na previsão da parte final do artigo 448º do Código de Processo Penal de 1929. Ainda que assim não fosse :

    III - a convolação, na sua vertente não meramente qualificativa, não é compatível com o princípio acusatório, nem com os direitos de defesa e de contraditório consagrados na Constituição da República Portuguesa.

    IV - A parte final daquele artigo 448º enferma de inconstitucionalidade material, por violação dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que permite que o Tribunal, por sua iniciativa e à revelia da vontade dos titulares da acção penal e da defesa, carreie para o processo factos novos não vertidos na acusação nem na pronúncia, nem aduzidos pela defesa, e ainda na medida em que permite que o Arguido seja surpreendido a final por factos essenciais que nada garante que tenha considerado na sua

    defesa ou que estivesse preparado para deles se defender com eficácia.

    V - O Tribunal a quo fez, assim, errada aplicação do disposto no artigo 448º do Código de Processo Penal de 1929 que, em todo o caso sempre seria inaplicável, por estar ferido de inconstitucionalidade material.

    --------------------------------------------

    Através do Acórdão de fls. 188/197, a Relação do Porto negou provimento ao recurso confirmando, no que aqui interessa, a decisão aí recorrida. Desta decisão transcreve-se a seguinte passagem :

    "Na verdade, considerando-se que a parte final daquele artigo 448º não pode abranger factos novos que se traduzam numa interpretação completamente distinta da que constaria da acusação e sem qualquer relação com esta, mas tão-só os que têm por efeito modificar a acusação formulada e em favor do acusado (conforme ensinava o Prof.Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência ano 64º, pp 17 e ss.), não se vê motivo para detectar na referida norma qualquer inconstitucionalidade material, nomeadamente por suposta violação dos nºs 1º e 5º do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;

    não há ofensa das garantias de defesa nem do princípio da estrutura acusatória do processo, pois que os novos factos não alteram a essência da acusação - que era mais grave e conhecida do acusado - e deles deriva pena inferior à que lhe corresponderia pelo inicial crime.

    É esta, justamente, a hipótese dos autos, em que o R. era acusado de tentar matar o Miguel Fernandes, abalroando-o voluntariamente e por duas vezes com o referido veículo automóvel que conduzia, sendo que da discussão da causa não resultou provada a intenção de matar mas apenas de ofender corporalmente e sabendo que a viatura usada na agressão era instrumento muito perigoso para o efeito;

    no que concerne à provada "intenção de ofender corporalmente", o próprio R. reconhece que ela se contém e pressupõe na "intenção de matar", que constava da acusação, limitando-se a restringir esta; e assim é, efectivamente, não deixando de ser um facto novo a acolher pelo tribunal tendo em vista a adequada convolação com base no citado artigo 448º, pois que, sem dúvida, representava uma alteração da acusação a determinar pena inferior à prevista para a tentativa de homicídio;

    pelo que se refere ao apurado "conhecimento pelo R. da perigosidade do veículo que utilizou para agredir" (referenciado quesito 15º), não podemos

    aceitar o que alega o recorrente, no sentido de que essa matéria se apresenta com uma "natureza verdadeiramente inovadora ... por tal forma e com extensão tal que a sua introdução tardia no thema decidendum lhe alterou radicalmente os contornos"; na verdade e em rigor, o quesito em apreço nem teria que ser formulado, uma vez que a perigosidade do veículo, como instrumento de agressão, é notoriamente conhecida por todas as pessoas e não podia deixar de sê-lo pelo próprio R., quando abalroou o Miguel duas vezes e nas descritas circunstâncias; de toda a maneira, constando da acusação que o R. pretendera matar o ofendido através de dois mencionados abalroamentos com a carrinha, e apenas provado que, com essa conduta, ele só quis ofender corporalmente, nada obstava a que se quesitasse a suposta perigosidade do meio que utilizou para agredir, tanto mais que, sendo facto notório, não fora invocado na acusação de tentativa de homicídio, por desnecessário, ou melhor, por implicitamente se reconduzir à própria intenção de matar dada a sua adequação para tal fim.

    Temos, pois, que era dispensável quesitar a matéria vertida sob o nº 15º do questionário de fls. 128 e seguintes (cfr. artigo 514º, nº 1 do Código de Processo Civil), em nada saindo prejudicada a posição processual do R. com o ter-se formulado o mesmo quesito (ao que escalareceu o Mmo.Juiz Presidente do Colectivo, em fls. 176, apenas para explicitar a intenção de agredir)...

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