Acórdão nº 69/99 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução03 de Fevereiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 69/99

Proc. nº 69/97

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

(Consª Maria Fernanda Palma)

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I

1. - O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, deduziu querela provisória contra A..., identificado nos autos, e outro, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de quatro crimes de burla e quatro crimes de abuso de confiança, previstos e puníveis nos termos dos artigos 313º e 314º, alínea c), e 300º, nºs. 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal (texto de 1982), respectivamente.

Ao prestar, pela primeira vez, declarações no processo, o arguido e ora recorrente, afirmou que apenas responderia às perguntas que lhe iriam ser formuladas na presença do seu advogado, dr. J..., indicando o domicílio profissional deste.

Nas declarações que posteriormente veio a prestar, foi o arguido assistido por esse advogado que assinou o respectivo auto conjuntamente com ele, protestando juntar procuração forense, o que não veio a suceder.

2. - Declarada aberta a instrução contraditória, foi nomeado defensor oficioso ao arguido o dr. JA..., expedindo-se concomitantemente ofício precatório para a notificação do arguido na morada que constava dos autos.

Uma vez que o ofício foi devolvido, por desconhecimento do paradeiro do notificando, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa solicitou à DGRN-DSIC e ao ACRI informação sobre a morada do arguido, tendo-se apurado apenas que a morada constante do pedido de renovação do bilhete de identidade era a mesma que constava dos autos.

Em consequência, foi ordenado o prosseguimento dos autos, nos termos do § 2º do artigo 352º do Código de Processo Penal de 1929.

A instrução contraditória foi declarada encerrada, sendo a querela provisória convertida em definitiva. Tais actos foram notificados ao defensor oficioso.

3. - Remetidos os autos à 2ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido despacho de pronúncia, datado de 20 de Março de 1995, no qual se confirmou a querela provisória.

Após a prolação do despacho de pronúncia, veio este juntar aos autos procuração forense a favor do dr. O... (fls. 1161).

4. - O arguido interpôs recurso do despacho de pronúncia, bem como das decisões de fls. 1058 e 1059 (prosseguimento dos autos sem ter ocorrido a sua notificação e conversão da acusação provisória em definitiva).

Nas respectivas alegações, o ora recorrente sustentou a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 22º e 352º do Código de Processo Penal de 1929, tal como foram interpretadas pela decisão recorrida, por violação das garantias de defesa (artigos 2º, 3º, 12º, 13º, 18º, 20º, 24º, 25º, 26º, 27º e 32º da Constituição).

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Março de 1996, negou provimento ao recurso, tendo procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido: considerou que os factos indiciados integram a prática de um crime de burla agravada, na forma continuada.

Requerida a aclaração do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1996, foi a mesma indeferida por acórdão de 24 de Abril de 1996.

5. - O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1996 (complementado pelo acórdão de 24 de Abril de 1996), ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 22º, § 1º, 99º, 53º, 100º e 352º, § 2º, do Código de Processo Penal de 1929, tal como foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida.

Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluíu do seguinte modo:

  1. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou, implicitamente, as normas constantes do artigo 22º e seu § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhes foi dada pelo mesmo Tribunal e que determinou que, contrariamente ao disposto nos artigos 352º, 370º e 380º, do mesmo Código, nem o arguido, ora recorrente, nem o seu advogado constituído tivessem sido notificados quer da acusação deduzida pelo Digno Ministério Público quer da querela, quer da abertura e do encerramento da instrução contraditória, e que o seu advogado mandatário constituído tivesse sido notificado do despacho de pronúncia, é inconstitucional - e como tal deve ser declarada -, por terem sido violados princípios e preceitos constitucionais (cfr. artigo 32º, nºs. 1, 2 e 4, CRP) e de direito internacional que vinculam o Estado português (cfr. o artigo 6º, nº 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

  2. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que aplicou as normas constantes do artigo 99º, § 3º e do artigo 100º, do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhes foi dada por esse Tribunal, também viola os princípios e preceitos constitucionais e de direito internacional acima aludidos; pois essa interpretação dada pelo Tribunal da Relação induz que as apontadas faltas de notificação do arguido e do advogado por si escolhido - apesar de se tratar ou estarem em causa actos absolutamente essenciais no processo penal, como sejam os referidos -, não constituem nulidades principais e insanáveis, por entender (a decisão recorrida, aliás criticavelmente) poderem ser supridas ou sanadas mesmo sem a realização de tais notificações, além de considerar, aliás sem razão, que tais ilegalidades não influem no exame e decisão da causa - com o que violou o artigo 32º nº 3 (v.g. 2ª parte da Constituição).

  3. A aplicação e interpretação das citadas normas processuais penais com o sentido que lhes foi dado pelo Tribunal recorrido determina a inconstitucionalidade directa por violação do cit. artigo 32º, nº 3 da Constituição e a inconstitucionalidade indirecta por violação do artigo 6º, nº 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  4. Uma tal interpretação conjugada das normas acima citadas do Código de Processo Penal de 1929 - nos termos exactos em que o Tribunal a fez - viola a injunção constitucional do artigo 32º, nº 1, segundo a qual o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, bem como o princípio do contraditório garantido pelo artigo 32º, nº 5, da Constituição, uma vez que não tendo sido notificado de todos os actos do processo, designadamente não lhe sendo notificada a acusação, a querela e o despacho de abertura e encerramento da instrução contraditória, ficou o arguido impedido de assegurar uma defesa efectiva e de contraditar as imputações que ali lhe foram feitas, nomeadamente não podendo, como pretenderia fazer caso fosse notificado, suscitar nulidades ou requerer...

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