Acórdão nº 135/99 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução03 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 135/99

Proc. nº 846/93

  1. Secção

    Relator: Cons. Sousa e Brito

    Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:

    I – Relatório

    1 – Por decisão do 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, de 14 de Julho de 1993, foi o ora recorrente, J..., condenado:

    1. pela prática de um crime continuado de burla, previsto e punido pelo artigo 204º, alínea b), do Código de Justiça Militar (CJM), na pena de três anos e seis meses de prisão, a qual foi substituída por igual tempo de presídio militar;

    2. pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 193º, nº 1, alínea d), do Código de Justiça Militar, na pena de nove meses de presídio militar;

    3. pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 167º, nºs 1 e 2, do mesmo Código de Justiça Militar, na pena de seis meses de prisão militar.

    Em cúmulo, efectuado nos termos do artigo 40º do Código de Justiça Militar, foi o arguido condenado na pena única de quatro anos de presídio militar, tendo-lhe sido perdoado um ano nos termos dos artigos 14º, nº 1, alínea b), 2º, 4º e 15º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho. Ordenou ainda o Tribunal que fosse descontado o tempo de prisão preventiva por ele sofrida e a prisão disciplinar que lhe foi imposta.

    2 – Desta decisão apenas o arguido apresentou recurso. Nas respectivas alegações suscitou o recorrente desde logo a questão da inconstitucionalidade da norma que se extrai do artigo 419º do Código de Justiça Militar, por, no seu entender, ser violadora dos artigos 13º, 32º, nº 1, e 208º da Constituição.

    3 – Já no Supremo Tribunal Militar o Promotor de Justiça, no seu parecer de fls. 499 a 502, defendeu o agravamento das penas parcelares aplicadas ao réu pela prática dos crimes previstos nos artigos 193º e 204º do Código de Justiça Militar para, respectivamente, dois anos de presídio militar e oito anos de prisão maior. Propôs ainda que fosse mantida a pena aplicada pela prática do crime previsto no artigo 167º do Código de Justiça Militar e que do cúmulo jurídico a efectuar não resultasse pena inferior a oito anos e dois meses de prisão maior.

    3 – Notificado, ao abrigo da alínea b) do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, para responder ao parecer do Promotor de Justiça, o recorrente veio sustentar a inconstitucionalidade do nº 2 do artigo 440º do Código de Justiça Militar, por entender que tal norma é violadora dos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição.

    4 – O Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 18 de Novembro de 1993, concedeu parcial provimento ao recurso, dizendo, sobre as questões de constitucionalidade suscitadas, o seguinte:

    Quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 419º do Código de Justiça Militar:

    "No que toca à falta de fundamentação, este Supremo, pelo Acórdão de 24 de Maio de 1990 (Colecção de Acórdãos, 1º vol., 1990, pp. 238 e seguintes), decidiu que o dever de fundamentação é aplicável ao processo criminal militar nos termos do artigo 374º, nº 2, do Código de processo Penal, subsidiariamente aplicado.

    No aludido acórdão entendeu-se que existe lacuna no Código de Justiça Militar relativamente à fundamentação, pelo que aquele artigo 374º, nº2, tem aplicação e, consequentemente, constitui nulidade a falta de fundamentação ex vi do disposto no artigo 379º, alínea a), também do Código de processo Penal.

    Apreciando agora a questão, considera este Supremo Tribunal dever alterar este entendimento.

    De facto, o artigo 419º do Código de Justiça Militar tem redacção muito próxima do artigo 450º do Código de processo Penal de 1929, tal como a primeira parte do artigo 418º, nº 2, daquele Código é muito semelhante ao artigo 469º deste diploma.

    Sempre se entendeu que o Código de processo Penal de 1929 não obrigava ou até proibia a fundamentação das respostas aos quesitos, mesmo após a entrada em vigor do Código de processo Civil de 1962, subsidiário do Código de Processo Penal e que impõe tal fundamentação (...).

    Decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de maio de 1963 (Boletim 128, p. 378) que o julgamento da matéria de facto pelo Tribunal Colectivo, em processo penal, não obedecia ao sistema do artigo 653º do Código de Processo Civil, que impõe a fundamentação.

    Ora, esta não aplicação do dito artigo 653º só pode suceder porque não existe lacuna no Código de processo Penal de 1929 e, pelas mesmas razões, também não há lacuna no Código de Justiça Militar ao não prever, no seu artigo 419º como matéria a integrar o acórdão condenatório a fundamentação dos factos provados.

    Alega, porém, o recorrente ser inconstitucional o dito artigo 419º, na interpretação que acaba de ser dada, por violação dos princípios contidos nos artigos 13º, 32º, nº 1 e 208º da Constituição.

    Mas, salvo melhor opinião, não tem razão.

    De facto, importa não esquecer que os processos penais comum e militar têm âmbito de aplicação diferentes, aplicável aquele aos crimes comuns e este aos essencialmente militares.

    A diferente estrutura de crimes sub judicio e a diversa composição dos tribunais que os julgam, justificam e até, por vezes, impõem regimes separados dos dois processos.

    Assim, pode o legislador impor a fundamentação dos factos provados no processo penal comum e não impor no processo penal militar, sem atingir o princípio da igualdade, já que se trata de processos desiguais.

    E também é necessário recordar que os cidadãos estão sujeitos aos dois processos, independentemente de serem ou não m8ilitares, já que, como se sabe, os crimes essencialmente militares podem ser praticados (pelo menos alguns deles) por cidadãos não militares, tal como os crimes comuns podem ser cometidos por elementos das Forças Armadas.

    O Tribunal Constitucional julgou ser constitucional o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, entendendo não ser inconstitucional a inexistência da fundamentação (acórdão nº 207/88, de 12 de Outubro de 1988, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º volume, págs. 609 e seguintes).

    Pelas mesmas razões, para as quais se remete, não são inconstitucionais os artigos 418º, nº 2 e 419º do Código de Justiça Militar, quando não contemplam a fundamentação dos factos provados.

    Efectivamente, também não é violado o artigo 32º da Constituição já que a citada fundamentação não atinge as garantias de defesa do acusado ou o due process of law, nem o artigo 208º, nº1, da Lei Fundamental dado que a fundamentação das decisões dos tribunais existe somente nos casos e nos termos previstos na lei.

    Conclui-se, assim, que o tribunal recorrido não cometeu qualquer nulidade ao não fundamentar a decisão factual que tomou, pois a ela não era obrigado".

    Quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 440º, nº2, alínea b) do Código de Justiça Militar:

    "O artigo 440º, nº2, alínea b), do Código de Justiça Militar preceitua que a proibição da reformatio in pejus, imposta pelo nº 1 do mesmo artigo, não se verifica quando o Promotor de Justiça, no visto inicial do processo, se pronunciar fundamentadamente pela agravação da pena.

    Esta norma, porém, é rotulada de inconstitucional pelo recorrente, que alega violar elo os princípios da igualdade e as garantias de defesa do arguido, previstas respectivamente, nos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição.

    Quanto àquele princípio da igualdade já se referiu que ele não impõe a coincidência dos princípios contidos nas leis penal e processual comum e militar.

    Se tal coincidência fosse constitucionalmente imposta o Código de Justiça Militar não podia existir ou funcionava de forma idêntica à lei penal e era inútil ou desta divergia e era inconstitucional.

    Também não há violação do artigo 32º, nº1, da lei Fundamental.

    Como se afirma no já citado acórdão nº 297/88 do tribunal Constitucional: «A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além dos consignados no nº 2 e seguintes do artigo 32º - será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimo, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido».

    Ora, a reformatio in pejus não é, em si mesma, um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido. Este tem o direito, que se integra nas suas garantias de defesa, de poder recorrer de uma sentença condenatória, pedindo a revisão do seu caso.

    Mas, esta revisão apenas está obrigatoriamente limitada pela acusação e não pelo conteúdo da sentença que se pretende rever.

    Admite-se que, prevendo a lei, em caso de recurso exclusivo do condenado, a proibição da reformatio in pejus, não possa tal proibição ser afastada sem que o recorrente seja disso alertado, propiciando-se-lhe a possibilidade de responder a um pedido de agravação da pena e até de desistir do recurso. E ambas estas faculdades estão-lhe conferidas pela lei.

    Porém, podendo o réu conhecer e opor-se ao pedido de agravação, tal como a um recurso de acusação pública, é manifesto que está assegurado o fair tial ou o due process of law que assegura as garantias de defesa constitucionalmente tuteladas".

    5 – É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade das normas que se extraem dos artigos 419º e 440º, nº 2, do Código de Justiça Militar, por entender que tais normas violam o disposto nos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição e, quanto à primeira daquelas normas, ainda o disposto no artigo 208º da Lei Fundamental.

    6 – Recebido o recurso foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:

    "1ª - O ora recorrente foi julgado e condenado no 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, pela prática de três crimes essencialmente militares, todos...

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