Acórdão nº 168/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução10 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 168/99

Processo nº 1122/98

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do

Tribunal Constitucional:

1. H..., C..., N..., CC..., CJ... e W... foram condenados, por acórdão do Tribunal de Competência Genérica de Macau, como autores de um crime de associação ou sociedade secreta, previsto e punido – quanto ao primeiro recorrente – pelos artigos 1º, alínea i), e 2º, nºs 1 e 3, da Lei nº 6/97/M, de 30 de Julho (Lei da Criminalidade Organizada), e – quanto aos restantes – pelos artigos 1º, alínea i), e 2º, nº 2, da referida Lei, e, em concurso efectivo, como autores de um crime de aceitação de apostas ilícitas, previsto e punido pelo artigo 3º da Lei nº 9/96/M, de 22 de Julho (Ilícitos penais relacionados com corridas de animais).

Inconformados, recorreram para o Tribunal Superior de Justiça de Macau, que indeferiu o pedido de renovação da prova e rejeitou o recurso.

Do acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau vêm agora os arguidos recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, invocando a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos números 1 e 2 do artigo 1º e do artigo 2º da Lei 6/97/M, por violação dos artigos "18º, nº 2, e 29º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os princípios da legalidade e da proporcionalidade", suscitada, quer na contestação escrita apresentada na 1º Instância, quer nas alegações de recurso para o Tribunal Superior de Justiça.

2. É a seguinte, em síntese, a argumentação dos recorrentes, nas alegações apresentadas neste Tribunal.

Antes de mais, o tipo legal de associação ou sociedade secreta "não compreende uma determinada factualidade que permita a sua eficaz identificação, sendo ao mesmo tempo um preceito onde não cabe nada ou onde cabe tudo, consoante o ponto de observação em que nos coloquemos". E isto porque o nº 1 do artigo 1º começa por definir a associação ou sociedade secreta como organização, mas vem no nº 2 proceder à "eliminação dos elementos essenciais integradores do tipo de ilícito", retirando assim "todo o sentido ao tipo legal" e conferindo-lhe destarte "uma amplitude inadmissível". Daí a alegada violação do princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade.

"Para lá das diferenças de configuração e de regime das associações nos vários sectores do direito, parece óbvio que só pode falar-se em associação ou em organização de tipo associativo quando se verifique esse denominador conceptual comum, em que entram um conjunto de pessoas, um acordo ou feixe de acordos de vontades entre eles, a criação de laços duradouros entre elas e a formação de uma estrutura relativamente autónoma que se lhes sobrepõe". E, citando um parecer de JORGE MIRANDA junto aos autos, a fls. 386, acrescentam, a propósito da desnecessidade legal de que "os membros se conheçam entre si e se reunam periodicamente" ou que "tenham comando, direcção ou hierarquia organizada que lhes dê unidade e impulso" (alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 1º): "afastam-se ou permite-se afastar todos os factores associativos para tudo poder vir a assentar, afinal, só num resultado (equivalente, como se viu, a mera comparticipação criminosa)".

No mesmo sentido, invocam a doutrina de FIGUEIREDO DIAS ("As 'associações criminosas' no Código Penal de 1982", Coimbra, 1988, pág. 32), segundo o qual "não basta à existência de uma 'associação', por menos estruturada que ela possa ser, o mero acordo ou a decisão conjunta de uma pluralidade de pessoas com vista à prática de crimes – sob pena de irremediável confusão entre o tipo de associações criminosas e a figura da co-autoria". Assim, mais uma vez citando JORGE MIRANDA, entende-se que "mais do que um tipo aberto, está aqui um não tipo, em que se diluem todas as garantias".

Para os recorrentes, as normas legais em análise violam ainda o princípio da proporcionalidade (art. 18º da Constituição), porque geram "uma desproporção entre os factos recortados no nº 2 do artigo 1º e a punição prevista no artigo 2º", não sendo conformes com uma " justa ponderação de fins e interesses", e não habilitando a "uma justa medida de sanções".

Por último, partindo da afirmação de GERMANO MARQUES DA SILVA, em parecer junto aos autos, a fls. 364, segundo a qual, no domínio do Direito Penal "a associação constitui uma organização duradoura de várias pessoas para realizarem em conjunto um conjunto de actividades criminosas, em nome próprio e com autonomia relativamente aos sócios", sustentam "que devem as normas em questão da Lei nº 6/97/M ser consideradas absolutamente inconstitucionais ou, ao menos, julgadas inconstitucionais na interpretação que lhes deu a decisão recorrida, na medida em que esta retirou da mera prática do crime de aceitação de apostas ilícitas o efeito automático do enquadramento da acção dos arguidos no tipo legal de associação ou sociedade secreta, quando uma interpretação conforme à Constituição exige e impõe como elemento delimitador deste tipo legal (como o de qualquer tipo legal de associação criminosa do ordenamento jurídico de Macau) a necessidade da existência de uma organização com o sentido que lhe confere o Prof. Doutor Germano Marques da Silva".

Posteriormente às alegações, juntaram aos autos um outro parecer, a fls. 501, da autoria de JORGE MIRANDA e MIGUEL PEDROSA MACHADO.

3. Nas contra-alegações apresentadas neste Tribunal, o Ministério Público, após transcrever o corpo do nº 1 do artigo 1º da Lei 6/97/M, considerou "Por sua vez, o nº 2 dispõe que não é necessário que essa organização tenha sede ou lugar determinado para reuniões; os membros se conheçam entre si e se reunam periodicamente; tenha comando, direcção ou hierarquia organizada que lhe dê unidade e impulso; tenha convenção escrita reguladora da sua constituição ou actividade, ou de distribuição dos seus lucros ou encargos.

Os elementos negativos previstos neste nº 2 servem apenas – como reconhecem os recorrentes – para definir com mais rigor a noção de organização, face a possíveis hesitações do intérprete quanto ao grau e tipo de organização exigidos por lei.

Não se vislumbra, assim, contradição entre esse nº 2 e o nº 1, do artigo 1º do diploma. Consequentemente, não foi por aqui postergado o princípio da tipicidade.

É certo que é na rigorosa definição dos elementos do tipo que se concretiza o princípio em questão. Mas é sabido que a formulação dos diversos tipos de crime não obedece a um critério uniforme. Certas infracções reclamam uma descrição minuciosa dos factos. Outras devem ser descritas em termos sintéticos.

A estrutura das sociedades secretas não é eventualmente conhecida em termos rigorosos, quer pelo legislador, quer pelos próprios membros. O que delas se sabe, com toda a certeza, é que existem e que a sua actividade se concretiza normalmente na prática dos crimes elencados no nº 1 do artigo 1º.

Essencial, neste âmbito, é que os destinatários das normas possam saber o que é lícito e o que o não é. Ora, isso resulta com clareza da lei, não obstante alguma indeterminabilidade (justificada) de conceitos".

E, pelas razões indicadas na decisão recorrida, entende também não ocorrer qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

4. Importa, antes do mais, proceder à delimitação do objecto do presente recurso.

As disposições da Lei nº...

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